Fica Com Ela
Saí do batalhão às sete da noite, já falando com a Monique. Eu estava morrendo de saudade. Aquele dia tinha sido corrido demais e mal pudemos nos falar. Ela saía do trabalho às sete e meia e toda quarta eu passava lá e a levava para jantar fora.
Ela me fazia sentir coisas que nunca havia sentindo por ninguém. Sua segurança, seu alto astral, eram contagiantes. Sem contar que, eu me sentia plena ao lado dela, feliz de verdade. E, aquela felicidade não passou despercebida por um colega meu.
— Taís e seus mistérios de felicidade. O que houve, hein? Alguém novo na parada? — perguntou Augusto.
— Um carinha aí. — Limitei-me e me afastei dele.
Eu estava na polícia há quase dez anos e ninguém sabia da minha vida pessoal. Nos eventos eu sempre aparecia sozinha ou levava algum amigo. Quando você atua numa profissão que é típica de homem, você precisa estar preparada para todo tipo de comentário e acontecimento. E eu não estava. Não queria nenhum daqueles caras, machistas, falando mal de mim ou se referindo a minha sexualidade de forma pejorativa. Já ouvi comentários horríveis sobre uma colega lésbica, que me deixaram enojada. Ela morreu numa ação contra bandidos e nem assim pararam de tratá-la diferente ou de fazer chacota.
— Cuidado com o caminhão, Juarez! — O próprio Augusto disse, por entre os dentes, quando ela estava se aproximando para passar por nós e Juarez estava na frente do corredor.
Não sei se ela ouvia e ignorava, mas aquilo nunca a afetou ao ponto de fazer com que atrapalhasse seu trabalho. Era muito profissional e eficiente.
Apesar de admirar sua coragem, não quero isso para a minha vida. E por isso, às vezes eu me deixo ser vista com homens. Tenho muitos amigos que aceitam me ajudar naquela farsa.
É muito tempo? Demais. Mas para o meu bem, será assim enquanto eu puder.
Estacionei na frente da loja em que a Monique trabalhava e esperei por uns dez minutos. O meu sorriso era automático toda vez que eu a via ou recebia mensagem dela. Já me peguei suspirando com um sorriso bobo no rosto e precisava ter cuidado com aquilo.
Monique entrou no carro e me beijou.
— Que saudade, meu amor! — falei, sentindo o coração palpitar ao seu toque.
— Saudade também. Aonde vamos?
— Pensei naquele restaurante que cê gosta. Senti vontade da comida de lá. O que acha?
— Pode ser. — Ligou o ar e ficou se refrescando enquanto eu dirigia até o restaurante.
— Hoje vou te levar a um lugar maravilhoso, com direito a champanhe e morango.
— Humm! Adorei saber disso, já vou ter como comemoração à novidade que tenho.
Monique era diferente de todas as mulheres que eu já tive. Ela não era do tipo grudenta, que ficava cobrando posicionamento o tempo todo. É livre e deixa isso claro nas suas atitudes. Falou de namoro apenas uma vez quando nos conhecemos e pedi apenas que fôssemos devagar e ela aceitou numa boa. Acho que estava me testando ou... Sei lá. Não rotulamos o nosso relacionamento, mas eu já tinha um compromisso com ela e acho que ela comigo, pois nunca soube que tivesse ficado com alguém enquanto estava comigo. Na verdade, nem desconfiava de nada. Éramos tão completas, tão nós, que não tinha espaço para inseguranças de adolescente.
Ela estava com vinte e sete anos de idade, era vendedora numa loja de carros e fazia faculdade à distância.
Nossos momentos eram os melhores, mas a família dela não gostava de mim e ela ainda morava com os pais. Mesmo planejando morar sozinha em breve - pois se formaria logo -, era um pouco chato.
— Sabe o que mais admiro em você? A sua determinação. — Eu me derreti toda quando ela me falou, já na mesa do restaurante, que tinha alugado o apartamento e que até o fim da semana se mudaria.
— Você é muito fofa, sabia?
— Me deixa te dar um presente pra casa nova, por favor.
— Não. Eu tinha dinheiro guardado, comprei algumas coisas, mas só chega em três dias. E tudo do jeito que eu sonhei.
— Por que você aceita outros presentes meus e não quer aceitar um pra sua casa? — perguntei, rindo.
— É diferente, amor. Você me dá coisas bobas.
— Nossa! Magoei agora. — Fiz um biquinho e ganhei um beijinho dela.
— Sua boba. Vamos fazer assim, eu me mudo, monto tudo e se eu precisar de algo, eu falo com você.
— Tá bom. Estou muito feliz com essa sua nova fase. — Beijei sua mão com carinho.
Eu queria gritar que a amava, mas não sabia se ela acreditaria ou se aceitaria aquilo ou o mais importante: se corresponderia à minha declaração.
— Amo seu sorriso. Esse detalhezinho que se forma no canto da sua boca sempre que ele acaba é o prenúncio de que algo a fez feliz.
— Que romântica você, hein? — brincou e tomou um gole da cerveja que havia em seu copo. — Você devia poder beber um pouquinho comigo, né?
— Estou dirigindo, meu amor. E pretendo te levar a um lugar maravilhoso depois daqui, lembra? — falei no ouvido dela e ouvi seu gemido. — Então preciso estar sóbria e dar bom exemplo se for pega em alguma blitz.
Eu já bebi enquanto dirigia, mas estava com a Monique há menos de dois meses, não queria que ela pensasse que eu era uma irresponsável que usava sua posição de policial para fazer coisa errada e se safar com carteirada.
Queria beber com ela, mas queria mais ainda levá-la ao melhor hotel da cidade. Na nossa primeira vez, a levei a um motel muito bom, mas ela disse que aquilo era muito impessoal e passamos a nos encontrar em hotéis. Para mim, não mudava muita coisa, mas se para ela sim, era o que importava.
Ver os olhos dela brilharem ao entrar naquela suíte, fez meu coração pulsar e junto com ele outras partes sensíveis do meu corpo. Eu queria mais dela, sempre. Quando se mudasse, aquilo pararia, mas passaríamos a ter o nosso lugar. Eu passei a contar as horas para aquele dia. Eu queria comprar a nossa cama, mas ela jamais aceitaria. Então resolvi deixar que fizesse tudo do jeito dela.
Fizemos amor três vezes naquela noite. Quando saímos do hotel e peguei a via da casa dos pais dela, ela me pediu para ir para outro endereço. Achei estranho, mas fui. Era um prédio simples e em um local meio esquisito.
— Sobe pra conhecer a minha casa!
— O quê? — perguntei, com um misto de sentimentos. Por um segundo eu me senti traída. — Como assim? Você disse que se mudaria quando seus moveis chegassem.
— Eu queria fazer uma surpresa — respondeu, sorrindo.
Entramos e ela abriu uma porta no segundo andar. O apartamento era pequeno. Cozinha americana junto com a sala e apenas um quarto. Havia um TV na sala e da porta de entrada pude ver uma geladeira atrás de um balcão. Em poucos segundos conheci tudo. No quarto havia apenas um colchão no chão e um ventilador ao lado.
— A cama só chega sexta-feira. Mas o básico já está aqui e o principal também, né?
Nós
— Eu! — Apontou-se feliz da vida.
Aquela facilidade que ela tinha de ser feliz com tão pouco me deixava boba de amor. Flutuando.
Namoramos um pouquinho e eu precisei voltar para casa. Avisei que precisava enviar uns relatórios e por isso não podia dormir com ela lá. Eu estava morta de cansada, só queria cair na cama e dormir.
Cheguei em casa e ao abrir a porta, vi a sala escura. Passava de uma da manhã, mas era bem incomum aquilo. Coloquei minha bolsa no sofá e deixei minha jaqueta numa cadeira. Fui direto para o banheiro. Depois de um banho quente, coloquei o celular para carregar e me deitei. Luciana dormia no seu lado preferido. Usava fone de ouvido, sempre dormia assim. Nada tão alto que a impedisse de me ouvir chegar, mas alto o suficiente para emudecer seus barulhos mentais.
Abracei seu corpo grande e gordo. Luciana era muito linda quando nos casamos, mas depois de uns anos foi relaxando e engordou muito. Não se cuidava mais, não tinha vaidade. Eu malhava todo dia e corria dez quilômetros todas as manhãs, enquanto ela dormia até tarde. Entrava no trabalho só às nove e não aproveitava aquele tempo. O café da manhã dela alimentava três pessoas tranquilamente.
Eu a amava muito quando nos casamos. Nos conhecemos na academia onde ela dançava. Era maravilhosa, tinha um corpo espetacular. Adorava um batom vermelho lindo do qual ela fazia estoque por medo de sair de linha. Eu morria de ciúme quando a via dançando com homens e mulheres nas aulas, por isso que depois do nosso casamento proibi a dança. Ela podia correr comigo para manter a forma. Malhar nos aparelhos do prédio enquanto eu malhava. Não precisava ficar se esfregando nos homens todos os dias. Aquele batom era lindo demais e ela já tinha me conquistado, então não precisava mais usar. Joguei todos fora. Ela chorou, nós brigamos, mas viu que eu estava certa e aceitou. Não havia a necessidade de usar batom tão chamativo daquele jeito e que a deixava mais linda ainda. Mudei todas as roupas também. Mulher minha não anda na rua mostrando parte da bunda e nem dos peitos.
Eu era louca por ela, mas ela conseguiu acabar com aquele sentimento com todas as maluquices que fazia. O ciúme doentio dela fez com que eu me desencantasse. Ela questionava meus horários, questionava minha decisão de não ser vista com ela. Chegou a vasculhar meu celular para achar mensagens minhas com alguma vagabunda — era assim que ela chamava minhas amigas. Eu tinha meus casos, mas quem não tem, não é mesmo? Meu trabalho é estressante demais, então eu preciso de escapadas.
A Monique não era a primeira, mas foi a única por quem me apaixonei e me fazia sentir leve, viva. Ela é linda, se cuida, não me faz perguntas sem fundamento.
Mesmo assim, encaixei a conchinha em Luciana, pois estava acostumada a dormir daquele jeito, mas ao invés de segurar a minha mão com carinho como sempre fazia, ela se afastou e tirou a minha mão de cima dela.
— Você é nojenta, Taís! — disse, já ofegando.
Eu sabia que aquele silêncio ao chegar estava muito estranho.
— Qual é, Luciana? Ficou doida?
— Onde você estava até essa hora?
Bufei e saí da cama meneando a cabeça.
— Eu estava trabalhando. Estou morta de cansada, só queria dormir, mas aqui é impossível.
— Por que não ficou com a vagabunda, então? Veio fazer o que aqui? Ou você acha que eu não sei?
— Que porra você tá falando, Luciana?
— Você devia tomar vergonha nessa sua cara e parar de me chamar de burra.
— Eu não sei do que está falando. E não vou brigar com você. Eu vou dormir no sofá já que na minha cama está...
— Você não vai dormir no sofá, Taís. Você vai embora dessa casa, agora.
Eu soltei um sorriso meio nasal. Ela achava que era quem?
— Você só pode estar ficando louca. — Peguei meu travesseiro e saí do quarto.
Fui à cozinha e peguei água, engoli e fui para o sofá. Ouvi o armário do banheiro bater e ignorei aquilo. Me deitei ainda ofegante e tentei dormir. Mas quando achava que a louca tinha dormido, ela apareceu na sala com dois sacos de lixo nas mãos, e jogou no chão.
— Agora, Taís! Eu não quero mais olhar na tua cara.
— Você está ficando louca, Luciana? Arrumou outra, é isso? Quer me culpar e sair de vítima. Eu não vou embora.
— Você vai porque essa casa é minha e eu não quero mais você aqui — disse, num fôlego só, com o rosto vermelho de nervosismo.
— Amor, se alguém falou algo pra você, tá só querendo ver a gente separada. — Tentei argumentar da forma que funcionava ao ver seus olhos marejados.
— Não me toca, Taís. — A voz saiu embargada e as lágrimas caíram. — Vai embora, por favor. Eu não aguento mais. Eu fiz de tudo...
— Luciana, não faz isso, cara. Você vai jogar nosso casamento de dez anos fora por causa de uma fofoca? — Tentei tocar no rosto dela, mas deu um soco na minha mão.
— Vai ficar com a sua amante, a vendedora de carro, linda e magra, até você estragar ela como fez comigo, com tua toxicidade. Só espero de coração que ela não seja boba e insegura como eu ou será mais um psicológico que você destrói. — Engoliu saliva. — Eu não joguei o nosso casamento fora no terceiro ano por causa dos meus ideais, Taís. Mas eu sei que você não vale nada e me trai desde sempre. Mas agora, chega.
— Que ideais, Luciana? — Mudei a tática. Ela pensava que era quem para me dispensar daquele jeito? — Olha pra você? Você tinha medo de ficar sozinha, isso sim. E agora? Quem é a otária que você arrumou? Ou você acha que eu sou idiota pra acreditar que, do nada, você resolveu criar esse poder todo e me expulsar de casa? Olha pra você e olha pra mim, Luciana. Se liga. Ninguém vai te querer de verdade. — Agachei para pegar os sacos de lixo e levar minhas coisas de volta para o quarto. Segurei o celular que estava em cima do saco com o fio do carregador junto.
— Eu não arrumei ninguém, Taís — falou, me impedindo de passar com o próprio corpo. — Não sou escrota de estar com alguém e me envolver com outro. E você vai embora daqui e nunca mais na sua vida você vai me procurar, ok?
— Ah, é isso mesmo que quer? Pois eu vou e quem vai me procurar é você. Vai se arrastar atrás de mim e eu não vou querer voltar pra essa porcaria de casa e muito menos pra você. Se não arrumou ninguém, se prepara, pois vai amargar sozinha.
Quando ela abaixou o rosto para chorar, eu larguei o saco e a abracei.
— Oh, meu amor! Eu amo você. Para com isso. Vamos fazer as pazes, vai? Eu paro de encontrar a vendedora. Ela fica atrás de mim e você sabe, o estresse do trabalho acaba me induzindo a fazer essas loucuras. Me perdoa, por favor — pedi e beijei seu rosto.
— Não existe mais amor, Taís. É melhor você ir. Fica com ela. Só tenta não acabar com a vida dela como tentou fazer com a minha. Eu vou me levantar, não sei se você vai ver, mas eu vou. Vai lá. — Sua voz tinha uma suavidade assustadora apesar de entrecortada pelo choro.
Foi naquele momento que me dei conta de que já era. Nunca na minha vida eu imaginei que a Luciana fosse capaz de algo tão radical como aquilo. Apesar de tudo, eu temia por aquele momento. Lágrimas sentidas desceram por meu rosto, mas não tinha mais o que fazer. Um vazio se instalou em mim, rapidamente tudo o que aconteceu naqueles anos chegou à minha cabeça.
Procurei uma roupa dentro dos sacos e me vesti. Peguei meu celular e coloquei na minha bolsa, que estava no sofá. Vesti a jaqueta e antes de sair, olhei para ela, que estava irredutível, me observando sair. Bati a porta e desci. Desabei no carro. Mas procurei me recompor logo e deixei o prédio. Fui direto para o apartamento da Monique.
— Estou livre! — Tentei me convencer de que aquilo era uma coisa boa.
O prédio da Monique não tinha porteiro, precisei interfonar. Várias vezes e, nada. Resolvi ligar para ela.
— Alô? — A voz dela estava rouca de sono.
— Oi, amor, estou aqui embaixo. Abre pra mim?
— Taís? — Fez uma pausa e ouvi o portão abrir. Antes de entrar, olhei em volta, pois meu carro passaria a noite ali. Subi apenas com a bolsa de mão, ela não podia saber que eu não tinha para onde ir.
— O que houve, Taís? O que faz aqui a essa hora?
— Vim dormir com você. Não aguentei de saudade. — A abracei sentindo o meu coração acelerado devido aos lances de escada.
— O quê? — perguntou, se afastando. — O que houve, Taís?
Franzi o cenho, fitando seus olhos, pois não esperava aquela recepção.
— Amor...
— A tua mulher te jogou na rua, é isso?
— O quê?
— Ah, Taís, não acredito que você achava mesmo que eu não sabia que você era casada, né?
Eu fiquei muda.
— Não sei o que você pretende aparecendo aqui três e meia da manhã, mas eu preciso dormir. Amanhã a gente conversa, tá? Eu te ligo. — Abriu a porta.
— Monique...
— Eu conheço você, Taís. Vai embora, esfria a cabeça. Conversa com a tua mulher, faz qualquer coisa, mas a gente não rola assim. Não quero casar, não quero namorar...
— Do que está falando, Monique? Eu amo você.
A gargalhada que ela deu doeu tão fundo, que eu preferia ter ido para debaixo de um viaduto.
— Você disse isso pra sua mulher também antes de sair?
— Por que você está fazendo isso? Tivemos uma noite ótima. Achei que a gente estava se curtindo. Eu me apaixonei de verdade por você.
— Taís, mete uma coisa na tua cabeça, você é mulher pra pegar e não se apegar, você sabe disso, né? Você não respeita ninguém. Quando começamos a ficar eu ouvi tua história de um monte de gente e só continuei com você porque, pra mim, tanto fazia, eu só queria diversão mesmo, você é gostosa pra caramba, fode bem, mas não presta. Por isso eu nunca quis compromisso de verdade.
Eu estava tremendo por dentro. Não podia acreditar naquilo.
— Eu amo você, Monique. E você está sendo injusta comigo.
— Você não foi injusta comigo, Taís? E se eu não te conhecesse, teria me apaixonado por uma pessoa asquerosa, que trai a esposa, mente. Você se coloca no lugar das pessoas em algum momento da sua vida?
Engoli aquilo em seco. Olhei em volta, sem argumento.
— Fica com ela. Cuida dela, só ela é capaz de aceitar alguém como você por tanto tempo.
— Você vai se arrepender disso, Monique.
— Está me ameaçando? — perguntou, colocando a mão na cintura, me enfrentando.
— Claro que não. Não sou nenhum monstro. Mas você, vai sim, por me tratar dessa forma. Por jogar nosso relacionamento, que estava ótimo, fora, por causa de fofoca. Vai se arrepender, sim!
— Eu já me arrependi no exato momento em que me coloquei no lugar da sua esposa. Deve ser uma pessoa incrível, merece alguém muito melhor, mas, fica com ela.
Saí batendo a porta. O meu peito estava completamente dilacerado, com dois buracos enormes.
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