Carta Para Luana
Maluca!
Foi o que ouvi a seu respeito quando a procurei e soube que tinha ido embora. Ele demonstrou tristeza profunda, me confessou que a amava e que fazia de tudo por você. Eu me comovi, claro. Ele fingia muito bem.
Alegando tristeza para ações corriqueiras, me chamou para sair e demonstrou ser uma pessoa maravilhosa. Mesmo sentindo sua falta, na verdade, sentindo uma imensa saudade de você, eu cheguei a acreditar que você era mesmo tudo o que ele falava.
— Ela não era exatamente apaixonada por mim, eu a ajudei a sair de uma situação bem constrangedora e por isso aceitou se casar comigo e vir morar aqui. — Ele disse numa de nossas saídas. — Mas não me arrependo de nada, sabe? Eu a amava muito. Ainda amo, na verdade, embora ela não mereça nem metade de uma lágrima minha.
Segurei sua mão por cima da mesa, aquilo cortou o meu coração. Quem em sã consciência trataria tão mal um homem como ele?
Saímos cinco vezes, até ele começar a dar em cima de mim. Eu confesso que me envolvi, apesar de ainda pensar muito em você. Ele era romântico, tinha umas teorias que conquistariam até os corações mais duros. Eu me deixei levar por isso, pois nunca havia encontrado alguém assim. Ele notava até o brinco de pedras diferentes que eu usava. Era não só atencioso, mas cuidadoso. Me dava presentinhos bobos, mas significativos, sabe? Objetos que eu guardaria com carinho.
Dormia na casa dele aos finais de semana. Ele se tornou muito amigo do meu irmão. Os dois se davam tão bem que eu pensava — no auge da minha necessidade de cobrir o buraco que você havia deixado — que achei que tivesse tirado a sorte grande, pois nenhum dos meus relacionamentos foi tão bem aceito pela minha família.
Mesmo encantada, eu tinha consciência de que ele ainda era casado com você no papel e por mais que demonstrasse gostar de mim, repetiu várias vezes que te amava. E isso me deixava insegura, preocupada até.
Mas ele preparou uma surpresa para mim no dia do meu aniversário e me mostrou a papelada do divórcio de vocês e colocou um anel no meu dedo. Foi o auge, eu me derreti inteira.
Naquele dia tivemos uma noite perfeita, com direito a jantar feito por ele, flores e luz de velas. Eu estava apaixonada, sentindo que o que senti por você não passou de um deslumbramento. Ainda sentia sua presença naquela cama onde nos amamos por uma única vez, mas estava decidida a substituir os meus pensamentos por você pelos dele.
Depois de uns cinco meses de namoro, eu me mudei para a casa que foi de vocês. Ele perguntou se eu queria mudar alguma coisa, como: cor das paredes, moveis e tal, e eu apenas me recusei. Não queria mudar nada. A realidade era que eu não queria te apagar dali. E pintar as paredes significava te tirar de lá. No fundo do meu coração eu queria que você voltasse e nem entendia o motivo desse desejo, pois eu não só estava no meio da história, como fazia parte da dela também.
Eu me perguntava diariamente pelos seus motivos e nada me chegava à mente. Tudo que eu conseguia imaginar era apenas que era mesmo aquela louca que ele garantia que era e que jogou um casamento sólido fora por causa de alguma aventura.
Vou te confessar que por muitas noites, desejei ser essa aventura, pois você foi diferente de todas as pessoas com as quais me relacionei. E isso não é para te fazer sentir algo por mim ou me perdoar — nem sei se preciso de perdão ou a culpa por não ter enaltecido seus motivos me faz sentir que preciso ser perdoada por algo —, é porque é verdade.
Faltavam apenas dois meses para o nosso casamento quando o vi saindo de uma casa nas proximidades de onde trabalhava. Apenas observei, não falei nada nem comentei nada com ele. Aquilo ficou na minha cabeça, pois ele me disse que fora criado pela avó e que não tinha parentes. Então esperei ele entrar no trabalho em outro dia e fui até a casa.
— Oi, Bom dia, tudo bem? Eu estou fazendo uma pesquisa para o censo. — Mostrei uma prancheta com uma tabela cheia de perguntas.
— Bom dia, moça. Eu estou com panela no fogo. Posso responder suas perguntas depois?
— Precisa ser hoje, minha senhora. O governo colocou pessoas para visitar as casas por causa das inúmeras fraudes que ocorreram na liberação dos benefícios. Sem esse cadastro, vai ser cortado de vez. — joguei, pois notei brinquedos pela casa e sua decoração simples denunciava que não era de situação financeira muito abastada.
— Você se importa de me fazer essas perguntas na cozinha?
— Não. Será rápido, garanto.
Isso mesmo que você está imaginando, eu fiz uma entrevista com a mulher. Peguei dados pessoais dela e de sua linda família. Tem três filhos lindos, que tive o prazer de conhecer. Dois meninos e uma menina. Sabe o que é mais interessante? Eu não fiquei mal com aquilo. Não no primeiro instante. Acho que finjo melhor que o Denis.
Sim, ele é pai das crianças e não é casado com ela no papel, mas são casados, sim. Ela é a típica mulher submissa, que nem ousa pensar em outra coisa além de cuidar da casa, dos filhos e do marido quando ele volta do trabalho de dois turnos. Um desses turnos era com você ou comigo.
Ele precisou viajar e passou três dias fora. E nós duas sabemos que "fora" era esse, né? Então quando ele retornou eu estava de volta à casa dos meus pais. Contei tudo a eles e pedi que não falassem nada.
— O que houve, Gabriela? — Seu tom foi ríspido demais para aquele doce de homem que sempre fora comigo. — Eu me ausento por dois dias e você vai embora de casa? Qual é?
— Primeiro, baixa a bolinha, tá? Segundo eu cansei. — falei de queixo franzido numa careta. — Acho que entendo a Luana, sabe? Sei lá.
— Do que você tá falando? — gritou apontando as mãos para o meu rosto e eu apenas o encarei.
— Já pedi para baixar a porra do tom, caralho! — gritei também, enfrentando-o.
— Olha o jeito que você fala comigo. Nós estamos prestes a casar, Gabriela. Não faça essa loucura.
Consegui ver ódio em seus olhos. E essa discussão foi na frente da casa dele. Eu sabia que meu pai e meu irmão estavam em casa.
— Vem, vamos conversar lá dentro. — Me puxou pelo bíceps e me levou para dentro da casa dele, ignorando minha relutância.
— Me larga, Denis. Você está me machucando.
— E vou machucar muito mais se não parar com essa palhaçada. Vá agora mesmo buscar as suas coisas que não sou homem de aceitar esse tipo de afronta.
Eu sorri nesse momento, Luana. E consegui sentir tanto asco que as lágrimas que derramei por ter sido enganada, foram demais por aquele ser desprezível.
— Eu precisava sair no meio da noite e me esconder no fim do mundo onde você não me achasse?
Ele ficou com muito ódio e desferiu um tapa no meu rosto com tanta força que caí no chão. Senti o gosto de sangue na boca, mas se ele tinha amor pela vida dele, não encostaria um dedo em mim mais ou seria um homem morto.
— Oh, meu amor! Me perdoa, pelo amor de Deus! — Ajoelhou-se me ajudando a sair do chão. — Desculpa, eu perdi a cabeça.
Vi seu rosto molhado de lágrimas, que detonavam arrependimento, mas eu sabia que na hora que eu me impusesse de novo ele repetiria e não dei espaço. Minhas lágrimas eram a mistura de tudo o que eu havia passado com ele e você me veio à mente. Só ali eu consegui decifrar seus olhos cinzentos e sorriso apagado mesmo em momentos que exigiam felicidade genuína. Não sei se já te bateu, mas o que sofreu não chega perto do que pensei.
— Por favor, me perdoa, amor. E nunca mais na sua vida fala no nome daquela desgraçada aqui na nossa casa, por favor. — exigiu e beijou meu rosto.
— Tudo bem, Denis. — falei com dificuldade.
— Oh, droga! Como você vai buscar suas coisas agora? Será que sua família já chegou? O Guilherme me disse que estavam na rua e você estava em casa.
— Não tem ninguém na minha casa. Fica tranquilo. Eles nem vão chegar agora.
— Eu vou fazer algo para a gente comer, tá bom? Vou tomar um banho e te espero.
Eu assenti com a cabeça e saí devagar dali. Notei que ele olhava pela fresta do portão. Entrei na minha casa só saí quando vi a luz de dentro da casa dele acendendo.
O meu pai ficou tão furioso que queria ir dar uma surra no Denis quando me viu entrar naquelas condições.
— Porra, Gabriela. Tu se arriscou demais. — Guilherme falou, ofegando. Notei que tinha algo na cintura.
— Gui, por favor. Eu resolvo isso, tá?
— Resolve como? Eu quero acabar com aquele maldito.
— Eu vou botar ele na cadeia.
E foi o que fiz. Fui à delegacia com a ajuda do meu pai e em menos de meia hora uma viatura parou na frente da casa dele.
O desgraçado teve a audácia de resistir à prisão e levou um pisão na cara quando foi jogado no chão por um policial.
— Que porra, viu? Esse arrombado vai tá solto amanhã e vem atrás de você. — Guilherme disse, nervoso.
— Acalme-se, Guilherme. Já chega. Aquele desgraçado já foi preso e vou garantir que fique longe de nós. Vão para o quarto. Os dois.
Meu pai é esquentado e resolve as coisas dele sem precisar esperar o pior acontecer.
Depois que minha mãe colocou remédio no meu rosto e me deu um comprimido, eu me deitei. Estava sentindo muita dor. Fiz um exame no IML, e não desejo isso para ninguém.
Tá, eu provoquei porque queria me vingar, mas me coloquei no lugar das inúmeras mulheres que apanham de seus maridos e namorados. E me coloquei principalmente no seu lugar e fiquei pensando no quão sofreu para ir embora daquele jeito sem se despedir ou dar chances de mudança. Mas gente como o Denis não muda. Só piora. No auge da minha neurose, cheguei a pensar que ele a houvesse matado e por isso você sumiu. Mas depois desencanei daquela possibilidade, pois não podia acusar sem provas.
Falando nele, levou uma senhora surra na prisão naquela noite. Mas o pior foi acordar com barulho de carro de bombeiros na frente da nossa casa. A casa que você morou, pegou fogo. Ele deixou uma panela no fogão e, segundo o sargento do corpo de bombeiros, lá foi o foco do incêndio.
Eu que não queria pintar as paredes para não te apagar de lá enquanto morasse, fiquei aliviada quando vi tudo queimado. O muro da garagem caiu por cima do carro dele e só não pegou fogo também porque chamaram os bombeiros a tempo. Depois de sair da prisão uns meses depois, ele não apareceu ali mais. Pelo menos, eu não vi, mas vi que estava morando com a mãe dos filhos dele. E acho que você sabe, mas ele não tinha seguro de nada.
No meio daquele caos todo, eu descobri que não há tinta nem fogo que te apague. Mesmo depois de ouvir absurdos a seu respeito, era em você que eu pensava antes de dormir. Em onde estava, com quem estava. Se estava bem, feliz, realizada por ter saído daquela prisão de braços violentos.
Depois desse tempo todo, senti uma dorzinha fina no peito ao pensar que já refez a vida e que poderia ter conhecido alguém que a faz feliz de verdade, mas ao mesmo tempo senti um alívio e um orgulho enorme de você por ter ido.
Aquela casa pegar fogo foi como lavar sua alma. Dar um basta, mesmo que temporariamente, no Denis, foi por você também.
Agora lendo suas palavras e me debulhando num pranto sentido o qual eu desconhecia, fico mais feliz ainda por saber que não precisa de uma pessoa para ser feliz e sim de você mesma, fazendo o que gosta, sendo livre para pensar, sair sem hora para voltar.
Sinto mais saudade agora do que há um ano ou há seis meses. É como se essa carta tivesse o poder de reviver e aumentar o que sinto por você. Talvez nunca mais nos vejamos, mas quero que saiba que, de todas, você foi a mais marcante. Conseguiu pintar as paredes do meu coração com seu nome e essência em várias cores.
Espero que se lembre de mim, a partir de agora, com os mesmos bons olhos que lembrava antes de saber de tudo o que aconteceu na sua ausência. Não porque eu fiz justiça por nós, mas porque quero que se lembre de mim assim, não suportaria saber que me acha desprezível de alguma forma.
Enfim, acabei me estendendo como se estivesse na sua frente contando tudo isso, mas saiba que se eu pudesse estaria, sim, na sua frente e não seria apenas por alguns minutos. Quando eu sentia apenas saudade, ela estava conseguindo acabar com o pouco de ilusão que eu tinha, mas agora sabendo que você está bem, ela se transformou em esperança.
Com mais amor e mais saudade ainda,
Gabriela
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro