3 - Amor necessário [FINAL]
Quando chegaram em um certo ponto do caminho, Hector andou mais à frente, parando à uma certa distância do pai. Estufou o peito, firmou a voz e ofereceu a espingarda que carregava ao homem. Ele o olhou confuso.
— Me mata. Atira em mim, pai! — Ele pronunciou com firmeza. Não queria olhar o homem nos olhos. Eram tão parecidos... Tinham os mesmos olhos de um azul seco e sem vida. Os mesmos fios lisos, apesar de ter roubado a cor loira da mãe. Lábios médios que não diziam muito, o nariz pequeno e acentuado. Teria rido mentalmente de amargura se tivesse cogitado aquele ser o motivo de sua mãe o repudiar. Odiava o homem que tanto a tinha machucado e teve uma versão dele saída de seu ventre. Era uma maldição.
— Hector, que merda é essa? — O homem esbravejou. Carregava uma raiva misturada com surpresa. O garoto nunca ouviu um tom daqueles em sua voz, geralmente firme e endurecida.
— Eu tenho que ir no lugar dele, pai. Preciso ir. Tomei o corpo e a alma dele e agora você toma a minha. Precisa voltar com algo pra casa como eu voltei. — O garoto pronunciou evitando que qualquer gota caísse de seus olhos. Desde que aprendera que chorar apenas trazia mais dor e lágrimas nunca mais se permitiu tal ato na frente da família. Após isso ficou contido como uma pedra. Não era digno de chorar, rir, falar mais que o necessário.
Ao menos seria digno de morrer.
— Filho, pelo amor de Deus! — O homem largou a espingarda correndo até ele. O garoto nunca o tinha visto daquele jeito. Parecia desesperado.
Mas não podia ser aquilo: homens não se desesperavam.
Ele puxou o filho para perto de si, com uma delicadeza que nem se lembrava de ter.
O menino, por um momento que parecia distante até mesmo em seus sonhos mais otimistas, relaxou nos braços do homem que tanto admirava e temia. O corpo dele trouxe um calor estranho. Não era só calor humano. Era o calor que o amor carregava.
— Nunca mais fala uma coisa dessas, Hector. De onde... — Ele apertou o filho em um abraço ainda mais apertado, como se não quisesse nem que a alma dele se desvencilha-se de seus braços fortes. — Merda! De onde você tirou essa porra toda?
— Me perdoa, pai! — O menino, murcho por tudo que estava acontecendo e pela reação inesperada do pai, sem saber como reagir exatamente, olhou para baixo quando o homem desfez o abraço e segurou seus braços como um boneco. Tentava falar algo para o rapazinho, mas se conteve com o nada.
O homem ficou em silêncio respirando fundo. Pegou a mão de Hector e a segurou, usando a outra para carregar a espingarda do garoto. Andaram até a casinha sem falar nada e adentraram o recinto de mãos dadas e com expressões deprimidas. Roger largou as armas em cima de um armarinho. Hector ouviu a voz da mãe e a gritaria usual dos irmãos à sua volta, mas enquanto tivesse seu pai de muralha o protegendo poderia se desvencilhar deles.
Ouviu a voz dele mandando que não importunassem nenhum dos dois e subiram.
O quarto onde o garoto dormia amontoado com os irmãos parecia gigante agora. Ele se sentia como uma formiga, minúsculo e propício a ser esmagado por qualquer um que passasse pelo caminho.
Se manteve de pé abraçando o próprio corpo. O homem fechou a porta atrás de si e pôs a mão no rosto.
"Decepcionei o papai" Hector pensou, se martirizando.
Roger permaneceu quieto por um momento, procurando as palavras certas. Era ainda pior quando sabia ser tão ruim com boas palavras e excelente com as más.
— Filho, eu... — Segurava os ombros de Hector com firmeza, mas sem machucá-lo. — ...Te espero no jantar —, finalizou, fazendo um carinho estranho e hesitante na cabeça do garoto, o largando naquele lugar sufocante.
Precisava pôr a cabeça no lugar antes de falar algo.
No dia seguinte, de cabeça fresca, conversaria com o filho. Não era um homem de conversar com a família e abrir o coração assim como seu pai nunca foi, e percebeu tarde demais que passou aquilo para Hector, todavia, se esforçaria para passar por cima daquilo. Tinha de se esforçar. Tudo aquilo tinha sido grave demais para fingir não ter acontecido nada.
Após uma comida quente no estômago, uma noite de sono longa e descansar o cérebro, o garoto sem dúvidas retornaria aos sentidos. Pensou que ele aguentaria a barra da primeira caça como ele aguentou, porém, às vezes se esquecia que o filho não era duro como ele. Nunca seria, e não podia ser. Ele era duro, sim, mas não tinha dado aos filhos metade da criação áspera, difícil e árdua que recebera do próprio pai.
O problema era que, por não conhecer tanto o filho como deveria, não tinha noção do quanto ele o admirava. Que queria ser um homem como ele. Que agia e imitava tudo que ele fazia.
E que tinha sido o menino quem pegara a terceira espingarda da casa três meses antes e escondido embaixo do piso do quarto, onde se encontrava uma fissura grande o suficiente para que ele mantivesse o objeto alí. Era um bom esconderijo para um menino de quase treze anos.
Quando todos se reuniram na mesa em meio a crianças agitadas e a mulher gritando para que se acalmassem, ouviram o tiro reverberar pela casa. Todos pararam o que estavam fazendo de repente. O homem gelou.
Suas pernas o levaram até a parte de cima da casa com uma rapidez desesperada.
Não devia ter deixado o filho sozinho.
Mas não importava mais. Hector havia estourado a própria cabeça com a bala carregada pela morte, assim como a que usou no veado. E partira, de certa forma, feliz. Encontrou o que tanto buscou a vida toda: o amor.
Seu propósito havia se cumprido.
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E aí, gostou do conto? Te intrigou de alguma forma? Te entristeceu? Me deixa saber o que você achou. E não esqueça do voto, é bem importante.
Novamente, beijos da Tteayu. 💋
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