Plural
Sugestão musical: Right as Rain - Adele
— Por que você demorou tanto? — sabe aquela doce menina que sabia esperar? Ela sumiu num passe de mágica após o beijo.
— Eu gosto de te deixar esperando. — pisquei e recebi um tapa no ombro em resposta. Minha única reação possível foi rir.
E, de verdade, passei as horas seguintes rindo de tudo e para todos. Nunca fui um cara mal encarado, mas ao lado dela eu me tornava a pessoa mais sorridente. Não que ela fosse o oposto, pelo contrário. Marina perto de mim parecia brilhar, eu sempre achei que fosse uma qualidade própria dela, o tipo de estado constante em uma pessoa. Mas seus amigos me diziam o contrário, ela só ficava daquela maneira quando nos encontrávamos.
Duas semanas depois
— Você perderia um braço para salvar um ônibus cheio de crianças? — a pergunta da Marina fez com que eu engasgasse com refrigerante.
— O QUÊ?
Era moda entre as garotas da escola dela fazer questionários com perguntas prontas com o objetivo de "determinar o caráter" das vítimas. Infelizmente eu era sua vítima preferida. Mas ela se referia a mim como "entrevistado". Entrevistado? Aham tá!
— Responde a pergunta, vai! — ela me olhou como se aquilo fosse caso de vida ou morte.
Respirei fundo e lembrei o quanto sentia sua falta. Mesmo que eu já estivesse há uma semana em Serena e que nós não nos separássemos para nada, além de dormir, eu mantive a calma porque qualquer momento com ela era raro e devia ser aproveitado. Mesmo os momentos em que ela me irritava pra caralho.
— Depois de responder podemos sair?
— Para onde?
— Fliperama com o Mauro — antes que ela pudesse mostrar desapontamento, fui mais rápido — E sorvete com a Anita. Assim nós dois aproveitamos nossos amigos e saímos desse quarto mofado.
Marina refletiu por alguns segundos e me olhou com seriedade, estreitando os olhos.
— Hum... trato feito. — eu sorri me sentindo vitorioso. Não era fácil convencer ela de qualquer coisa, nunca vi ninguém tão teimosa! Até que enfim a tortura em forma de questionário terminaria. — Mas só se você responder a mais cinco perguntas minhas.
AH NÃO! Todo o meu corpo gritou, era como um daqueles sensores de perigo que os bichos tinham quando se sentiam em risco. Aquele questionário era um risco para o meu bem-estar mental.
O problema é que Marina sorriu docemente, daquele jeito angelical que só ela sabia fazer. Se eu não a conhecesse bem diria que ela era um anjo, mas não tinha nada de celestial em suas artimanhas para me forçar a prolongar aquela tortura.
Tive que me deixar vencer temporariamente por mais injusto que parecesse. Mas os dias de vida daquele maldito livrinho estavam contados.
"Mil e uma perguntas" em breve seria queimado em mil e uma cinzas!
— Você não me dá uma pausa, hein. — reclamei. — Tá certo, eu respondo. Mas é a última vez que você me faz esse tipo de pergunta, meus neurônios estão fritando com tantas situações absurdas.
— Eu prometo, só mais essas. — Marina manteve o sorriso enquanto escolhia entre as centenas de perguntas do livro. Eu não entendia o que diabos era aquilo. Como alguém escreve um livro cheio de perguntas absurdas? Como alguém compra aquela inutilidade?
Isso era um mistério além do meu entendimento.
Marina clareou a garganta e me olhou seriamente, me fazendo sentir em um interrogatório policial dos que eu via nos filmes.
— Você está preso numa sala e do outro lado, através de uma parede de vidro, está a pessoa que você mais ama no mundo. À sua frente tem um botão, se você apertá-lo em 10 segundos você morre, se você não apertá-lo vocês dois morrem. Qual sua decisão?
Eu não saberia escolher, mas desejava que um botão desses aparecesse na minha frente enquanto ela me perguntava o resto do prometido.
— E aí, pombinhos? — Mauro nos cumprimentou, com um sorriso zombeteiro no rosto. Ele era para mim o que Marina chamava de "melhor amigo", apesar de eu não usar esse termo. Pro meu entendimento, Mauro nem era um amigo. Nós nascemos na mesma época, éramos filhos de amigas de infância, cada momento da minha infância teve a presença do Mauro e vice-versa. Ele era família, simples assim.
Nós fomos fadados a sermos amigos. E ele já abria a geladeira da minha avó sem permissão há tanto tempo que até esse termo "amigo" estava aquém da nossa experiência.
No entanto, ser família nem sempre é algo bom.
Eu podia adorar o cara, mas Mauro tinha alguns defeitos. Vários. O pior, sem dúvida, era o senso de humor sem noção e as piadas piores ainda. Trazê-lo para tomar sorvete com minha namorada e sua amiga era uma grande demonstração de confiança.
E também de insanidade. Não duvidava das habilidades ninjas do Mauro terminar o meu namoro com sua personalidade.
— E aí, cara?! Senta aí! — apontei para o lugar vago entre eu e Anita, a amiga de Marina.
Ele olhou fixamente para Anita por alguns segundos.
— Hã, ok... — Mauro sentou-se, me surpreendendo ao não fazer piada e nem nada do tipo.
Estranho. Muito estranho.
Após alguns minutos de conversa entre Marina, Anita e eu comecei a perceber a mudança de comportamento do Mauro. Quando estávamos só nós dois ou entre amigos, até mesmo com minha família, ele não calava a boca por um segundo. Guardar segredo então? Essa era uma palavra alienígena para Mauro. O que me deixou curioso ao notar o quanto ele estava calado na mesa, de cabeça baixa e alheio a conversa.
Com certeza não era por causa da Marina. Ele não se sentiu nada reprimido quando, na primeira vez que eu os apresentei oficial, contar da minha coleção de playboys.
Mauro e segredos igual água e óleo.
Subitamente me lembrei uma possível razão para ele agir tão estranhamente aquele momento. Se eu costumava ser tímido perto de garotas, Mauro era muito pior. Ele simplesmente não conseguia interagir com o sexo oposto, estava além de suas habilidades.
Eu não imaginei que aquilo pudesse acontecer, afinal ele e Marina se conheciam desde crianças e sempre conversavam como dois amigos, sem timidez – o que as vezes me criava problemas quando Mauro deixava escapar meus segredos ou os nomes das garotas que eu gostei antes de conhecer Marina.
Mas eu não havia calculado a variável "Anita" naquela equação. Quero dizer, ela era muito amiga da minha namorada e parecia ser uma garota bem legal e agradável, eu não via problemas na sua companhia, mas aparentemente Mauro discordava de mim.
— Tudo bem, Mauro? — Marina interveio. Ela parecia ler meus pensamentos.
Ele olhou para mim, assustado. Seus olhos pediam uma ajuda que eu não podia dar. Dizer "desculpa meu amigo aqui tem um tipo de transtorno social perto de garotas" não era uma opção. Mesmo assim, fiz o que qualquer amigo que já me dera uma cópia de Emanuelle no Espaço faria. Não podia falar a verdade, mas podia enrolar.
— Ele não tá se sentindo muito bem desde hoje cedo. Deve ser algo que ele comeu. — dei um sorriso amarelo para Anita, que observava tudo com atenção em seus grandes olhos castanhos.
Marina não era uma preocupação, mais tarde ela saberia que ele era um tímido patológico.
— É-é de-deve ser i-isso — Mauro gaguejou estava vermelho feito um pimentão.
— Nossa, ele está tão vermelho. Você tem alguma alergia, Mauro? — Anita perguntou, tocando levemente o braço dele. Eu nunca vi uma pessoa mudar de cor tão rápido, do vermelho pimentão ele virou branco-parede em segundos.
Mauro começou a suar e eu me preocupei com a possibilidade de um derrame.
Conclui que a atenção de Anita era demais para um cara que só lidava com mulheres em filmes pornográficos. Dei liberdade ao meu espírito Sancho Pança e salvei aquele Dom Quixote de um moinho de vento.
— É possível, Anita. Quer saber, é melhor eu levá-lo para casa. Outro dia saímos e eu vou garantir que o Mauro traga seu remédio de alergia.
As duas me olharam com preocupação enquanto eu levantava e amparava Mauro a levantar da cadeira. Ao menos ele teve a sensibilidade de se fingir de tonto, caso contrário não conseguiria explicar porque eu precisava escoltar um marmanjo de 1,80 para fora da Sorveteria Sonho Gelado.
— Me liga mais tarde, Gu. — Marina pediu e voltou sua atenção para Mauro, parecendo desconfiada. — Melhoras, hein, cuidado com essa alergia.
— Qualquer coisa vá ao médico, Mauro, pode ser algo sério. — Anita franzia a testa com preocupação.
Eu passei toda a vida tentando achar uma maneira de constranger aquele cara-de-pau e finalmente encontrei sua kryptonita, antes nenhum de nós saía com garotas então eu não fazia ideia do tível de constrangimento que ele chegaria. Era estratosférico!
A próxima vez que ele me irritasse era só trazer uma garota bonita e preocupada e ele certamente cairia duro, mortinho da silva.
— Obrigada pela preocupação. — respondi. Marina aproximou-se e sussurrou algo apenas para eu ouvir.
— Se isso for um truque para vocês irem assistir Emanuelle eu te mato, Gustavo!
Um, dois, três, quatro, cinco... Contei e respirei fundo para não gargalhar na frente da Anita, coitada, que mantinha a expressão confusa no rosto.
Eu arregalei os olhos e endireitei minha postura, ainda segurando o peso-morto. No minuto seguinte me afastava da sorveteria a passos largos, reprimindo a vontade de esmurrar Mauro.
— Desculpa guri, eu não sei o que me deu!
Mauro tentava se redimir desde que saímos da sorveteria minutos atrás, ainda sem sucesso.
— Eu sei: falta de óleo de peroba para essa tua cara-de-pau! Estragou nossa saída e ainda deixou a Marina desconfiada, mas é um lasarento mesmo!
— Foi mal, não fiz de propósito! Não sabia que eu ia estar...
— Perto de qualquer ser humano com dois cromossomos X? — interrompi com ironia. Agora que a raiva estava passando conseguia ver a piada da situação.
— Eu não fico assim perto de toda mulher não, guri, só estava despreparado.
Ignorei sua desculpa e acertei um peteleco na sua cabeça.
— Você nasceu despreparado, piá! Agora vê se arranja um jeito de resolver essa sua timidez patológica ou eu juro que convenço dona Elsa a te internar, maluco!
— Tá, tá. Mas você vai ter que me ajudar. — ele disse quando estávamos chegando à sua rua. Olhei para ele com raiva
— Cala a boca e vai pra casa antes que eu te bata! — me mantive carrancudo, apesar de ter vontade de rir ao lembrar da cena na sorveteria.
— Tem certeza de que não quer assistir Emmanuelle? — Mauro perguntou, com a desenvoltura de sempre. Era só estar longe da kriptonyta que ele voltava a ser o mesmo.
— Rela daqui antes que eu te mate de vez! — corri atrás dele até a porta de sua casa. Era bem típico do Mauro tanto cinismo, as vezes eu jurava que mataria aquele louco... se ele não fosse uma das pessoas em quem eu mais confiava na vida. Afinal, todos tem defeitos.
Mais tarde Marina chorou de rir ao telefone ao ouvir os detalhes da aventura com Mauro. Por mais que ela soubesse por mim do probleminha que ele tinha, presenciar aquela cena era bem diferente.
— Eu juro que achei que ele ia desmaiar ou virar o Hulk!
Marina voltou a gargalhar, o som me contagiou do outro lado da linha telefônica e eu tive que deixar de lado a simpatia pelo meu amigo e gargalhar. Era hilário mesmo.
— Eu sei! Fiquei preocupado que ele tivesse um derrame ou algo assim. Aquele piá é uma figura!
— Mas, falando sério, será que algum dia ele vai conseguir interagir com uma mulher sem dar faniquito?
— Faniquito? — achei graça do termo. — Eu acho que ele já lida com mulheres sem problemas... Desde que elas estejam em histórias em quadrinho.
—Coitado! Você é péssimo! — Marina dizia entre gargalhadas. Dada a quantidade de segredos meus vazados pelo Mauro a última coisa que eu me sentia era culpado por rir de sua situação. Minha namorada era discreta o suficiente para não espalhar o acontecido e, bem, eu tinha certeza que ele faria o mesmo se estivéssemos em posições opostas.
Na verdade, ele faria pior!
— Eu sou mais legal do que ele merece.
— Tá, tenho que concordar que as vezes nosso amigo é inconveniente e fofoqueiro.
Para mim a graça havia passado, lembro bem daquela conversa por telefone, não por termos rido do Mauro ou por lembrar daquele dia como uma das maiores vergonhas que ele passou. Lembro porque foi a primeira vez que eu e Marina dividimos algo de nossa vida real.
O primeiro "nosso" de muitos outros que viriam no meu primeiro namoro. Ele era fofoqueiro, palhaço e irritante, mas era nosso amigo.
Dividiríamos muitas coisas dali em diante.
Eu e Marina.
Marina e eu.
Nós.
Eu não era mais primeira pessoa do singular, Marina me fez plural.
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Estou de volta depois de alguns dias com um novo capítulo, novos personagens e muito amor por essa história <3 Exagerei nos diálogos dessa vez kkkk
Espero que vocês gostem e comentem, gente!
Beijão <3
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro