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Little to lose, much to lose

     TODA A ATMOSFERA AO MEU REDOR se mostra mais densa que o costumeiro. O quartel está tão calmo, tão silencioso sem o pessoal conversando como se estivesse em um show de heavy metal, que consigo ouvir meus próprios pensamentos e os passarinhos que pulam de uma árvore para a outra. Pisco algumas vezes e me contorço na cadeira; isso não parece bom. Cheira mal. Mais mal do que fumaça de incêndio provocado por diesel.

Encaro o papel que tremelica em minhas mãos e sinto o coração palpitar não uma, mas três vezes seguidas. Parece que vou morrer, mas não posso me dar esse luxo. Não quando sinto, e sinto verdadeiramente, que algo vai desabar sob a cabeça do 51 a qualquer segundo — e esses caras não são muita coisa sem mim, sabe. Mas sem querer me gabar nem nada.

Leio as letras impressas no papel antes branco, agora meio sujo; não faz nem uma hora que voltamos de um senhor engavetamento no cruzamento da Wallis com a St. Moz. Quero reler o que está escrito, mas minha visão fica embaçada tão rapidamente que me surpreende. No fundo eu sei que são lágrimas, mas não quero admitir isso para mim mesma. No fim das contas mal sei porque estou chorando.

Passo a mão na testa, um ato involuntário que quase me leva a bater o cotovelo na base da mesa, e dou um pequeno saltito quando ruídos do corredor à minha direita chegam até mim. Acabo soltando o papel e ele vai caindo e caindo até atingir o chão e meu pé empurrá-lo para um canto onde é improvável que o encontrem. Bom, desde que ninguém perca nada por aqui ou Otis comece a fuçar as coisas de forma aleatória como fez no mês passado.

— Ei, Atkins! — Leslie surge entre as unidades 61 e 3, o sorrisinho ladino porém cansado que sempre a acompanha ao final dos turnos sombreando sua face. — Dia ruim ou péssimo?

Penso um pouco, me sentindo genuinamente confusa quanto a isso. Não está sendo um dia ruim ou péssimo, mas também não posso garantir que está sendo bom, uma verdadeira maravilha. Observo Leslie checar algo dentro da ambulância e caminhar em minha direção após fechá-la. Ao se jogar na cadeira quase de frente para mim, noto como seus olhos parecem me investigar.

— Nenhum dos dois. Posso ficar no meio termo? — ergo o canto dos lábios. Ela dá de ombros.

— Ficar no morno nunca é um bom sinal, Kaylee Atkinson. Nunca é.

— É, eu sei que não — uso os pés para gerar impulso suficiente para me fazer girar na cadeira. Não duro nem cinco segundos nessa brincadeira, visto que tudo dentro de mim começa a se misturar ferozmente. — E o dia está meio esquisito, não está? Melhor não dar brecha para o azar.

— Ai, credo. Sai pra lá. — ela faz uma careta e me olha feio. Dou risada. — Vamos terminar esse turno com sossego. Eu sei que vamos.

— Cadê a Gabriela para te dizer que não se canta vitória antes do apito final? Quando deveria estar aqui, ela some. É impressionante.

— Vocês duas… — Leslie semicerra os olhos para mim e estala a língua na boca. Formamos um trio, acabamos nos aproximando no meu segundo mês aqui e tudo em seguida pareceu conspirar ao nosso favor, mas é claro que às vezes agarramos a chance de torrar a paciência uma da outra. Algo me diz que Leslie está de saco cheio de mim e Gabby. — Mas tudo bem, eu vou relevar.

— Agradeço, querida Shay.

Ela apenas desdenha e derrete na cadeira; é evidente como está tão cansada quanto o restante de nós. Já faz um tempo que não temos um turno tão agitado quanto esse, cheio de incêndios e acidentes, principalmente acidentes. E nesse instante me ocorre que a razão para a quietude seja exatamente isso: o cansaço. Todo mundo está tentando dormir, aproveitar os minutos de descanso antes de… bom, entrarmos em ação outra vez.

E não ache que eu não amo meu trabalho, porque eu amo, se fosse o contrário dificilmente estaria aqui, mas certos dias são tão complicados que a única coisa que parece certa a se fazer é reclamar. E normalmente eu faço isso com Herrmann e Mouch.

— O que você e o Kelly pretendem fazer amanhã? — Leslie pergunta de repente, arrancando-me do transe. Balanço a cabeça e os ombros.

— Sinceramente? Não faço ideia. Mas meu plano é… dormir. Juro, Les, eu poderia dormir por três dias seguidos. — dou risada. — Mas o problema é que eu não sei se vou conseguir.

Todo o meu ânimo se esvai como fumaça. E Leslie percebe, pois seus olhar passa a brilhar de preocupação. Meu coração pesa com isso, não gosto que as pessoas se preocupem desnecessariamente comigo. E eu já estou exausta de sentir essa culpa. Quando vim para Illinois e deixei Maryland para trás, recebia no mínimo três ligações diárias da minha mãe — e em todas ela estava excessivamente preocupada com coisas que nem tinham acontecido e, spoiler, nem viriam a acontecer.

Deus, é ótimo receber carinho e atenção da família, especialmente dos pais quando se está há quase 12 horas de distância da casa onde você passou a vida inteira, mas até proteção faz mal e sufoca quando dada em excesso. E foi o que aconteceu comigo. Minha mãe demorou para perceber que eu não era mais uma garota indefesa e sim uma adulta capaz de se virar sozinha em qualquer canto.

Essa evolução ao menos permitiu que ela não esbravejasse tanto quando resolvi lhe contar que tinha entrado para o CBC.

— Você está estranha, Kay. Está acontecendo alguma coisa? — Leslie se aproxima mais de mim e toca minhas mãos. Seus olhos verdes me sondam. — Já faz uns dias, mas hoje você parece mais… pra baixo, distante. O que houve?

— Você ficou louca, Les. — rio.

— Tem a ver com o Kelly?

Nego com a cabeça.

— É claro que não. Está tudo bem entre a gente, não se preocupe. Kelly Benjamin Severide continua sendo o melhor marido do mundo. — abro um sorriso largo e atento-me à forma como seu rosto se ilumina. Dentre todas as pessoas existentes no universo, Leslie Shay é nossa maior apoiadora. Sempre foi, desde o primeiro instante. — E confie em mim, está tudo bem. Eu estou bem, amiga.

— Assim espero, Kay.

Respondo com um sorriso e me levanto. Antes de ir, beijo sua testa.

Caminho devagar pela garagem e entro nas instalações do quartel, dando de cara com Capp colocando no mural um panfleto sobre o quarto em seu apartamento disponível para locação e Joe mais ao fundo, jogando um pedaço de bacon para Pouch — que o pega com tudo. Cumprimento os dois, e conforme ando minhas suspeitas sobre a maioria estar dormindo vai se confirmando.

Passo pela sala de Boden e lá está ele, com os olhos pregados no computador enquanto digita alguma coisa e fala ao telefone. Ele dá uma rápida olhadela para mim e acena com a cabeça. Ouvi muitas coisas sobre Wallace Boden antes de vir para esse batalhão e descobrir que ele é uma pessoa totalmente diferente de como apresentaram para mim. Tenho plena certeza que, ao menos uma vez, Boden livrou cada um de nós aqui de uma grande enrascada — coisa que nem todos os chefes fazem.

Meu antigo chefe não faria.

E eu agradeço a Boden por tê-lo feito.

— No mundo da lua, tenente?

A voz de Kelly também me pega de surpresa, mas não consigo evitar sorrir. Desvio o olhar do mostruário de medalhas de honra preso à parede e o encontro sentado em um dos bancos do outro lado do corredor. Ele está sorrindo para mim e meu coração acelera devido a isso. Mas não acelera como da última vez, quando eu estava na mesa, acelera de um jeito bom. Um jeito que me faz caminhar em sua direção e sentar ao seu lado embora minha intenção fosse ir até o dormitório e me jogar na cama.

— O cansaço está me sugando, tenente. Parece um… um… um dementador de racionalidade e carisma. — exaspero.

Apesar do meu tom sério, Kelly gargalha.

— Não ria, idiota! — cutuco-lhe a lateral do abdômen com o cotovelo. — É sério!

Ele continua rindo por alguns segundos, então fecha o semblante e me analisa. Sinto seu olhar perfurar a proteção da minha alma e mexer em cada cantinho dela, mas essa sensação não me incomoda. Gosto de ser estudada por ele, porque a forma como me encara sempre passa a impressão de que há algo novo sobre mim para descobrir — e na maioria das vezes há e eu descubro junto a ele.

Sou pega de surpresa pelo toque de Kelly nas costas de minha mão e quase instantaneamente entrelaço meus dedos aos seus. Nada em sua expressão muda até o instante em que não consigo conter um sorriso e de alguma forma ele acaba o espelhando.

— Ultimamente você anda tão estranha. Até seu rosto parece meio pálido — meu marido constata, semicerrando um dos olhos para mim. Suspiro. De repente todos resolveram achar que há algo estranho comigo. — Está rolando alguma coisa, Kay?

Nego quase imediatamente. Fico tentada a me aproximar mais e apoiar a cabeça em seu ombro, mas acabo me controlando. Demonstrações de afeto em público não são e nunca foram um problema para mim, exceto quando o ambiente em que estou é o de trabalho. Kelly também não curte muito isso, mas ele é bem mais permissivo quando estamos sozinhos — como agora.

— Não, não está. Se estivesse, você saberia. — um arrepio cruza meu corpo e um sorriso sem dentes ganha forma em meu rosto. Sim, ele com certeza saberia, Kaylee, digo a mim mesma. — Eu só ando cansada. Nossos turnos estão sendo bastante agitados e em casa eu não durmo bem por conta da droga da obra na garagem dos Valleris.

Também controlo um revirar de olhos. Os Valleris são os típicos vizinhos que se incomodam com tudo, até com nossos carros chegando pela manhã após o encerramento do turno, e incomodam os outros com tudo. O problema da vez é uma reforma na garagem, que aparentemente não tem nenhum problema que exija uma reforma tão grande e chamativa. O barulho é um horror, sem contar toda a poeira que entra pelas janelas.

Já tentamos conversar, mas eles não estão nem aí para nós ou para os outros vizinhos — que parecem tão incomodados quanto eu e Kelly.

— Já disse que eu posso tentar conversar com o Donovan — ele balança os ombros de um jeito prepotente. —, mas você não deixa.

— É claro que não — ainda sob a mira do olhar dele, me endireito no banco estofado. As medalhas brilham logo à minha frente; todas elas pertencem a bombeiros do 51 que morreram no cumprimento do dever. — Às vezes você é meio esquentadinho, Kelly. Acabaria dando um soco na cara dele.

E, bom, não que eu ache que ele não mereça isso, mas ele também não merece.

— Não quero mais problemas com eles e de quebra com a polícia — volto a falar. — Você quer?

Hum… — Kelly finge pensar. Sei que está fingindo pela forma como seus olhos tentam desesperadamente fugir dos meus. — Não?

— É isso aí, tenente! — digo, dando tapinhas em sua perna esquerda. Ele ri baixo e me puxa mais para perto, beijando minha têmpora logo após. Ficamos em silêncio por um bom tempo, e a cada segundo que vai embora, não consigo deixar de pensar em duas coisas: a primeira é em como fiquei desacostumada a não receber um chamado a cada uma hora e a segunda é no papel que deixei debaixo da mesa na garagem. — Temos planos para amanhã? A Shay quis saber o que eu ia fazer e eu disse que pretendia dormir bastante. Esqueci de perguntar o motivo da pergunta.

— Ouvi ela e a Dawson falando sobre "nós merecermos um bom e inesquecível happy hour no Molly's". — Kelly conta, sua voz soando abafada contra meu cabelo. — E eu estava pensando em ir ao Alinea. Amanhã é sexta, sabe.

Solto um risinho e suspendo o rosto apenas o suficiente para encará-lo. Sexta-feira sempre foi o nosso dia. O dia em que focamos em Kaylee e Kelly como casal e deixamos a parte do "colegas de trabalho" de lado. É meio que uma tradição que começou ainda no namoro e se estendeu até o casamento.

— Faz tempo que não vamos lá. Trabalhamos em praticamente todas as sextas do último mês. — ele pausa, então aperta minha mão com força. — Estou com saudade das nossas coisas.

— Quem diria… — não deixo de brincar e ele revira os olhos de imediato. — O grande Kelly Severide mantendo uma tradição romântica que ele mesmo criou com uma mulher. 

Antes mesmo de ser transferida para cá, eu já conhecia a fama dele. Foi por isso que nossa história começou com o bom e velho clichê "eu não gosto dele". Tudo de ruim que eu poderia ver em Kelly, eu via. A princípio ele não passava de mais um bombeiro arrogante e metido a besta, mas com o correr do tempo eu fui descobrindo que não era exatamente assim.

Bom, éramos evidentemente diferentes em determinados aspectos, mas algo fez tudo dar certo. Não fiz questão de mudar Kelly, sempre soube que isso seria impossível e até uma merda para mim, mas deixei claro que não me deixaria cair no papinho dele. Então nós fomos nos encaixando e eu passei a ver outro Kelly Severide. Segurei nosso relacionamento no anonimato até onde pude. Nos casamos após um ano e meio de namoro e seis meses de noivado — tempo suficiente para organizar uma boa festa de casamento para nossos amigos e familiares.

Vi que ele estava longe de ser o idiota arrogante que eu presumi que era. Acabamos nos tornando a companhia, o alguém um do outro.

— É porque você é a mulher, Kaylee Atkinson! — ele afirma com tom de autoridade. Rio e balanço a cabeça.

— Severide — adiciono capciosa e ele me encara de soslaio. — É Kaylee Atkinson Severide.

— Desde o primeiro dia eu percebi que você é apaixonada pelo meu sobrenome — Kelly rebate e se levanta do banco. Vai andando para trás e se afastando de mim com um sorriso nos lábios. — Só me chamava pelo nome completo.

— É porque você me irritava, Kelly Severide.

— Estou te irritando agora, Atkins? — arqueia uma sobrancelha.

— Talvez.

Kelly pisca, então me dá as costas e segue andando pelo corredor. Fico sozinha pelos minutos seguintes, refletindo em como não só ele, mas também todos nesse batalhão, entraram na minha vida e se tornaram minha família tão rapidamente. Até mais do que meu primeiro batalhão, o batalhão para onde eu fui enviada após me formar na Academia e saí de novata para uma verdadeira bombeira.

Passei muitos anos no 63 e conheci pessoas incríveis, convivi com pessoas incríveis, mas foi aqui, no quartel 51, que eu me encontrei. Me encontrei como profissional, como amiga, como membro de uma família que não nasceu junta, mas se escolheu. Eu estava estudando para fazer a prova para tenente quando fui transferida e continuei recebendo todo o apoio possível quando cheguei. Fui promovida a tenente da Viatura 51 no quarto mês no quartel — um mês antes de me envolver com o tenente do Esquadrão 3.

Encaro o teto branco e relaxo o corpo o máximo que consigo. Ouço o latido de Pouch de algum cômodo próximo do corredor onde estou, talvez a sala, e um conjunto de vozes. Sorrio ao reconhecer Otis, Cruz, Gabby e Matt como seus donos. Reúno um bocado de força para me levantar e marchar rumo à cozinha.

Quando aponto no corredor, o alarme dispara. Nós cinco trocamos olhares curiosos e apreensivos.

Viatura 51, Caminhão 81, Esquadrão 3, Ambulância 61. Prédio em chamas, Madison e Cousin, 9264, a voz feminina informa.

— De volta a ativa, pessoal — Gabby diz enquanto andamos, praticamente correndo, até a garagem. — Culpa da Atkins.

Reviro os olhos.

— É, eu concordo — Otis também entra na brincadeira. Passamos pela porta dupla e nos aproximamos dos nossos respectivos caminhões. — Foi só ela aparecer e bum!, um novo chamado.

— Ah, calem a boca! — dou risada.

Eu, Herrmann, Doherty, Norwood e Kaufman nos encontramos ao lado da viatura e todo o processo de vestimenta é tão rápido quanto um pit stop na Fórmula 1. A última coisa que faço antes de abrir a porta e me acomodar ao lado de Norwood, que é quem dirige o veículo, é ajustar os suspensórios e vestir a jaqueta anti chamas.

— Tudo certo aí, tenente? — Clarence questiona.

— Pode apostar, Wood. Agora vai!

O som das sirenes de todos os carros começam a ecoar em minha cabeça e nós passamos a nos mover. A Madison com a Cousin fica há cerca de quinze minutos do quartel, mas na velocidade em que estamos, chegaremos lá bem antes disso. Olho para fora da janela ao meu lado, tentando captar qualquer coisa que seja no meio das casas e das árvores passando em alta velocidade. Parecem elementos de um quadro borrado ou pintado às pressas.

A cada segundo me sinto mais estranha, como se algo estivesse se revirando dentro de mim, dando seguidas cambalhotas e cutucando meus órgãos, e quero conversar para afastar essa sensação, mas ninguém parece muito animado. Nem eu pareço animada. Estamos exaustos até o último fio de cabelo da cabeça, loucos para voltar para casa.

E quando nos aproximamos do endereço e avistamos a fumaça se espalhando pelo ar há dois quarteirões de distância, sei que todos pensaram o mesmo: vai ser um chamado daqueles.

— Chefe?

Ajeito o capacete na cabeça e paro ao lado de Boden. Kelly e Matt também estão em nossa companhia. Todos estão igualmente atentos a cada detalhe do prédio em nossa frente: antigo, aparentemente com bastante problemas de infraestrutura e se desmanchando conforme as chamas o consomem.

Assim que chegamos, creio que meio minuto atrás, fomos informados que a maioria dos moradores já saíram de seus apartamentos e estão em segurança. A maioria, não todos.

— Esse prédio não vai aguentar muito tempo, então temos que ser rápidos. — Boden analisa o edifício com a seriedade e rapidez que nunca vi em ninguém além dele. — Kelly, quero o Esquadrão buscando os moradores no sexto, quarto e quinto andar. E vocês dois — ele se vira para mim e Casey. — Fiquem com os outros andares. Casey, peça para alguns dos seus homens fazerem a ventilação a partir dos fundos.

— Certo, chefe!

Muitas pessoas começam a se amontoar em nosso entorno, mas felizmente elas não atrapalham. Corro até meus homens e ajudo-os a desenrolar a mangueira. Pego minha máscara autônoma na mão de Christopher e tiro o capacete apenas para colocá-la.

— Norwood pega a mangueira e passa ela pela porta da frente, Kaufman procura o hidrante mais próximo o mais rápido possível, Doherty ajuda o Otis e o Cruz na ventilação e Herrmann vem comigo!

Eles concordam e tomam seus caminhos. Seguimos correndo até a entrada da casa, estirando a mangueira cada vez mais no decorrer do percurso. Hesito por alguns segundos antes de atravessar a porta já aberta. As chamas nunca me intimidaram, na verdade elas sempre me impulsionaram a entrar e tentar salvar a vida de alguém, mas nesse exato instante me deixam travada. Quanto mais eu olho, mais assustador se parece, mais consumidor se torna.

Quando você entra em um ambiente pegando fogo, entra sabendo que pode não sair mais e que tem bastante a perder caso não consiga sair a tempo antes de tudo ir pelos ares ou afundar de vez, mas entra porque fez um voto e sabe que alguém precisa fazer isso. Então eu me sinto péssima; péssima por estar aqui quando não deveria, por não ter raciocinado com clareza e ter cogitado entrar nesse prédio — porque se eu fizer isso, posso colocar mais vidas em risco, não salvá-las.

— Herrmann, você vai ter que ir sozinho. Entra, tenta encontrar alguma vítima e joga água nos focos de incêndio.

— Como assim, tenente? — ele olha para mim visivelmente confuso. Entrego-lhe a mangueira e dou alguns passos para trás. — Você não vem?

— Não, não vou. Kaufman vai no meu lugar.

— Mas…

— Isso é uma ordem, Herrmann.

Ele suspira, mas não bate de frente comigo. Segura a mangueira sobre os ombros e entra no prédio. Eu desço as escadas com pressa e volto para Kaufman, que também expressa confusão quando eu o mando deixar o hidrante comigo e entrar no prédio; ele logo desaparece por entre a fumaça que sai pela porta.

Olho para o lado e vejo Boden me encarando sério. Os primeiros passos em minha direção são dados. Uma parte de mim gela ao passo que a outra se mantém impassível, pois estou certa de que minha atitude não poderia ter sido melhor. Encaixo a mangueira no hidrante e deixo Boden para lá; estou mais preocupada com o quão rápido o incêndio está aumentando.

— Por que você não está lá dentro, Atkins? — meu chefe questiona assim que volto para perto do caminhão e paro ao lado de Mouch, que está no controle da escada.

— Eu não posso, chefe — digo — Por isso mandei no Kaufman no meu lugar.

— Não pode?

Respiro fundo. Não posso falar sobre isso aqui, mas é difícil dar uma resposta convincente sem entrar em muitos detalhes. Existe um círculo de confiança no 51, um círculo do qual eu faço parte embora nem todos consigam entrar, mas certos assuntos ainda são privados. Pelo menos por enquanto.

Olho para Boden, que me analisa com os olhos semicerrados. Nos encaramos até o um chiado escapar do rádio dele. Não demora muito para a voz de Casey anunciar que a busca primária nos andares debaixo foi concluída e não há nenhuma vítima por lá.

— Certo, Casey. Como está o fogo?

Se alastrando rapidamente, chefe. Estamos fazendo o possível para abrandar as chamas, mas não está dando muito certo. — Casey informa. Dá para ouvir o fogo crepitando e sendo jogado de um lado para o outro como se uma ventania estivesse presente. Mas não há ventania nenhuma, é apenas uma das maiores forças da natureza em ação na sua forma mais brutal. — Está virando um inferno.

— Ok, eu preciso que vocês saiam daí agora antes que queimem nesse inferno. — Boden dá uma rápida olhadela para mim e Mouch, então volta a encarar o prédio. Penso em tantas coisas nesse momento; desde como tudo isso começou até todas as coisas que serão perdidas quando o incêndio acabar. — Severide, preciso de atualizações suas.

O rádio chia por mais alguns segundos. Uma movimentação na janela oeste do último andar chama minha atenção. Com a escada virada para a janela ao lado, Mouch diz:

— Chefe, olha aquela janela ali!

Boden olha para a mesma direção em que eu e Mouch estamos olhando. Kelly está no peitoril da janela, acenando com as duas mãos. Sua voz surge no rádio quase imediatamente.

Tem três crianças aqui comigo, chefe. Preciso descer elas e olhar os outros cômodos. São muitos aqui em cima. Capp e Tony também estão procurando.

Antes mesmo que Boden fale alguma coisa, me prontifico a subir a escada para pegar as crianças; preciso me sentir e ser útil. Herrmann e Casey, que já saíram do prédio após as ordens do comandante, são designados logo em seguida.

Nunca gostei de lugares altos, mas sei que subir uma escada é o pior dos males que você pode enfrentar quando se é um bombeiro. Conforme vou subindo os degraus, penso na situação lá dentro, no fogo consumindo tudo e em meus colegas gritando "Corpo de Bombeiros, responda!" na esperança de encontrar alguém vivo enquanto rastejam para não serem atingidos pelas chamas ou algo que está prestes a cair do teto. Não importa há quanto anos você faça isso, nunca deixa de ser assustador.

Chego na ponta da escada e abro os braços para receber a primeira uma criança, uma linda menina de não mais que dez anos. O vento esvoaça seu cabelo longo e ela se agarra em mim. Olho para Kelly, seus olhos vibram através da máscara e contém uma pergunta implícita, e tento tranquilizar a menina.

— Nós vamos te tirar daqui — me movo com o máximo cuidado possível e olho para seu pequeno rostinho. Mesmo com o rosto manchado pela fumaça e pelas cinzas, ela ainda se parece com uma boneca. — Eu me chamo Kay e esses aqui atrás de mim são o Christopher e o Matt. Eles vão te ajudar a descer, tudo bem?

Sem abrir a boca, ela concorda. Passo a garota para os braços de Herrmann, que logo a entrega para Casey. Um nó se forma em minha garganta quase instantaneamente, pois não consigo parar de pensar em como reagiria caso meus filhos estivessem em uma situação como essa. O que eu faria para salvá-los? O que faria enquanto observava os bombeiros darem tudo de si para tirá-los das chamas? Eu seria capaz de estar entre eles?

Kelly me entrega outra menininha de seus lá seis anos e depois um menino, agora de aparentemente dois anos. Desço um degrau por vez, fazendo o possível para manter o embrulho que estou carregando bem seguro em meus braços. Ao descer, passo-o para Chout, que pelo visto veio com a outra ambulância convocada pela Central para ajudar no chamado, e paro ao lado do 81. Vejo que Boden está me olhando.

— Por que você não entrou?

Sua pergunta não me pega exatamente de surpresa, mas ainda assim me atordoa. Olho para baixo durante segundos que parecem uma eternidade. Boden segue em silêncio, provavelmente esperando uma boa resposta.

— Foi necessário, chefe. Eu… Talvez eu tenha que pedir afastamento do quartel. — falo de uma vez. Uma carranca ganha forma no rosto do homem ao meu lado. — Não quero pendurar meu distintivo, muito menos um afastamento total, então talvez um cargo interno. Mas acho que esse não é o melhor lugar para falarmos sobre isso.

Boden entreabre a boca e meneia a cabeça. O que eu acabei de falar é extremamente difícil de engolir, sei muito bem. Até pensar nisso me causou arrepios, mas não há mais nada que eu possa fazer; seria imprudente não tomar essa decisão.

— Está acontecendo algo que eu deva saber, Kaylee? — ele põe a mão na cintura. — Você… Você está doente?

Exaspero.

— Olha chefe, eu…

Tudo o que eu pretendia dizer se torna um emaranhado de palavras em minha cabeça quando uma explosão vinda da ala oeste da casa rouba toda a nossa atenção. Quando viro o rosto ainda é possível ver o fogo jogar para longe uma boa parte da parede de pedras vermelhas e partes de alguma janela. O fogo aumenta e vejo Doherty, Otis e Cruz passarem pela lateral da casa e virem até nós. Olho para Boden, que dá indícios de que está ainda mais preocupado.

E sei que tem razão para isso. Nem é preciso ser um especialista para saber que a estrutura do prédio está totalmente comprometida e que não há muito o que possamos fazer quanto a isso. Alguns homens continuam usando as mangueiras para abrandar as chamas, mas não está adiantando.

— Severide, está me ouvindo? — Boden chama por meu marido no rádio. — Quero atualizações agora!

Kelly não demora a responder.

Capp e Tony estão saindo com uma pessoa, chefe. Acho que é o pai das crianças. Eu vou continuar procurando.

— Não, você não vai, Kelly. Os andares de cima podem ceder a qualquer momento, o fogo está ficando pior. Eu quero você fora daí agora!

Boden ordena, mas é claro que Kelly Severide não dá a mínima. Eu reviro os olhos e saio de perto do caminhão assim que avisto dois homens do Esquadrão deixarem o prédio com um homem entre eles. Corro para tentar ajudar, mas Norwood e Casey são mais rápidos. Logo ao lado as ambulâncias estão cuidando dos feridos, e bem atrás a multidão se amontoa para ver o show se desenrolar.

Eu apenas penso em me aproximar do prédio para ter uma visibilidade melhor de lá de dentro a partir da porta quando outra explosão sacode a estrutura inteira. Meus olhos quase saltam para fora do rosto. Pelo barulho que ouço a seguir, algo quebrou em algum andar.

Algo desabou em algum lugar.

— Kelly, está na escuta? — Casey o chama. Não há nenhuma resposta.

Involuntariamente ranjo os dentes.

— Kelly, você está nos ouvindo? Precisamos que responda. — Boden fala no rádio mais uma vez. Meio minuto se passa e não escutamos absolutamente nada. Olho para meus colegas; todos se encontram tensos. — Kelly?

Pouco a pouco um nervosismo vai tomando conta de mim e me fazendo sentir coisas que nunca senti antes. Meu controle emocional sempre foi ótimo, e mesmo após começar a namorar Kelly isso não mudou. Já o vi em situações mil vezes piores do que essa e não senti metade do que estou sentindo agora enquanto olho para esse maldito prédio em chamas e penso que meu marido pode estar caído em algum cômodo, sabe-se lá como.

— Kelly, por favor responda — Boden o chama outra vez. — Onde você está?

Chamam-no inúmeras vezes, mas a resposta nunca vem. Nosso comandante finalmente se cansa e ordena que Capp, Matt e Tony entrem novamente e tirem-no de lá, não importa onde ele esteja. No entanto, os três não têm muito tempo para isso.

Dou alguns passos para trás e acabo colidindo com meu caminhão, a viatura 51. Herrmann e Otis estão recostados nela, assistindo a cena paralisados. Minha mente trabalha a milhão, apavorada com a quantidade de possibilidades que consegue imaginar. Me sinto esquisita  por estar assim e odeio estar assim, mas não posso me dar o luxo de perdê-lo agora. Não perdê-lo nunca seria ainda melhor, mas perdê-lo agora… não, apenas não.

Minha vida ganhou outro rumo nessa manhã, um rumo que, sinceramente, eu não acreditava que tomaria tão cedo, e eu não quero que tome outro nesse momento. Não assim.

— Aqui é a Tenente Atkins — aproximo o rádio da boca. Tento fazer minha voz parecer o mais limpa e sólida possível. — Onde você está, Kelly? Precisamos que responda!

Minha vontade é de gritar, mas não o faço.

Quando não ouço nada, absolutamente nada, me preparo para chamar por Kelly outra vez. Contudo, um ruído no rádio deixa todos em alerta. Todos nós, desde os bombeiros aos paramédicos, trocamos olhares e esperamos para ver no que isso vai dar. E meu coração fica um pouco aliviado ao ouvir um murmúrio baixo e embolado de Kelly. Apenas não sei dizer se é ele quem está machucado e não consegue falar direito ou se é o rádio apresentando problemas.

— Severide — é Boden. — Onde você está? Capp, Casey e Ferraris estão atrás de você. Quais são suas coordenadas?

De repente não dá para ouvir nada além do fogo crepitando ao redor, o que não ajuda muito, uma vez que o prédio todo está no meio da boca de um fogão. Aperto minhas mãos e encaro o chão com impaciência.

— Casey, qual a situação aí dentro?

Nada ainda, chefe. A visibilidade está péssima e a maioria dos cômodos está tomado pelo fogo.

Pela primeira vez em muitos anos, engulo o choro. Seguro o rádio com a mão trêmula e hesito um pouco em falar.

— É a Kaylee aqui. Kelly, será que você pode nos responder? A gente precisa te encontrar!

Praticamente grito a última frase. Sinto uma mão tocar meu ombro e me puxar para trás. Ainda que eu esteja com os olhos fixos no prédio, sei que todos estão me encarando. Boden talvez seja o mais preocupado. Preocupado com Kelly, com Matt, Capp e Tony, preocupado com o fato de eu estar perdendo a compostura a cada segundo — o que deixa claro que há algo, que ele não sabe o que é, acontecendo.

Chamamos Kelly outras vezes, então minha mão aperta o rádio com força e algumas lágrimas escorrem. Não queria fazer isso, de forma alguma pretendia soltar isso dessa forma, mas parece a única coisa que posso fazer no momento. Talvez não adiante nada, mas talvez adiante. Pode ser que Kelly se sinta motivado a abrir a boca para dizer uma palavra sequer ou algo parecido. Pode ser que seja o fio de motivação que ele precisa no momento.

— Kelly, preciso que você me escute com atenção, tudo bem? — peço, sentindo as lágrimas encharcarem minhas palavras e minha voz. — Eu preciso que me ouça e faça algo com o que eu vou dizer.

Há alguns segundos de silêncio. Sei que não estou sozinha, mas é como se estivesse.

Eu estou grávida, Kelly — solto de uma vez o que venho segurando o dia inteiro. Ouço suspiros surpresos vindo das pessoas ao meu redor se chocarem comigo. — Fiz o exame na terça e recebi o resultado hoje pela manhã. Eu já desconfiava, mas como não tinha certeza, não quis dizer nada… — sinto outra lágrima cair de meu olho direito. — Um mês e meio, amor.

Pauso. Outra vez sinto uma mão tocar meu ombro e apertá-lo.

— Por isso eu te peço, por favor, responda. Sai de onde quer que você esteja. Sai desse prédio. Sei que é um péssimo momento para contar isso, mas eu queria que você soubesse que você não pode ficar aí dentro. — sem perceber, soluço. — Você não pode deixar nosso filho, Kelly!

Solto o rádio, que acaba atingindo minha coxa em cheio, e sou imediatamente envolvida em um abraço apertado. Sinto o cheiro do perfume de Leslie e apoio a cabeça em seu ombro. Estou parecendo uma tremenda ridícula, mas não sou mais capaz de controlar minhas emoções e fingir que não estou apavorada com a possibilidade de nunca vê-lo sair de lá.

Uma pessoa de alta patente precisa se manter estável em momentos como esse, e eu tenho plena ciência de que me apavorar assim só aprovarará meus homens, mas parte da Tenente Kaylee Atkins foi usurpada por Kaylee Atkins Severide minutos atrás e parece-lhe inconcebível ir embora antes de ver que está tudo bem.

— Ele vai sair de lá, Kay — Leslie tenta me tranquilizar. Inspiro fundo e ela me aperta ainda mais entre seus braços. — Estamos falando de Kelly Severide e do Esquadrão 3. Os rapazes vão trazê-lo para fora nem que seja à força.

Balanço a cabeça, tentando ao máximo acreditar nas palavras de Leslie. Durante um segundo, durante apenas um segundo, penso em como ter jogado aos dez ventos que estou grávida foi patético e um pouco desesperado, mas não tenho muito tempo para me preocupar com isso ou com o que meus colegas devem ter pensado. Minha preocupação inteira vai embora quando boa parte deles me rodeia e sussurra coisas como "vai ficar tudo bem, Kay" e "ele não vai te deixar, Kay". Sorrio quando Gabby me abraça pelo outro lado e repousa a mão em minha barriga.

Meus olhos voltam a encher de lágrimas quase automaticamente. Pensar na vida que está crescendo dentro de mim me deixa feliz e desesperada ao mesmo tempo. Ter um filho significa tantas coisas que sequer sou capaz de explicar o que estou sentindo. Significa realizar um sonho que tenho desde muito jovem, significa aumentar a família que construí com uma das pessoas que mais amo nesse mundo, mas também significa abrir mão de uma parte do meu trabalho, de abandonar os chamados por um tempo e passar a cuidar de papeladas atrás de uma mesa e lidar com burocracias — tudo o que eu sempre detestei fazer.

Mas o ponto é que, apesar disso, eu estou feliz. Não hesitei em repassar minha função para outra pessoa e deixar de entrar no prédio para cuidar da outra vida que também habita em mim. No fim das contas, esse é o papel de uma mãe, não é?

E mesmo que seja recente, que eu mal possa enxergar essa pessoinha que ganha forma em meu corpo, sei que a amo de uma forma que não cabe no peito; a amo tanto que estou disposta a fazer qualquer coisa por ela. E eu sei que Kelly também — inclusive sair desse prédio com vida.

— Estou feliz por vocês, Kay — Gabby diz, apoiando o rosto em meu ombro. Encaro minha barriga. Ela está tão pequena assim, coberta por tecidos anti-chamas. — Sei que o Kelly sempre quis ser pai.

— É o sonho dele — acrescento. A primeira lembrança que atravessa minha mente é a de quando estávamos há cerca de duas semanas distantes do casamento e ele me perguntou se eu pretendia ter filhos. Nunca tínhamos conversado sobre esse assunto até então. E quando eu disse que sim, que sonhava com esse dia desde que era uma adolescente com o rosto cheio de espinhas, ele apenas sorriu e me abraçou. Então sussurrou: que bom. — E o meu também.

Mais uma vez sou vencida pelas lágrimas. Mesmo com a visão embaçada consigo enxergar mais pessoas se aproximando da faixa que usamos para isolar a área. A tensão e a preocupação é evidente em seus semblantes e eu entendo o porquê. O quartel 51 faz parte da vida dessas pessoas desde sempre, cada bombeiro aqui foi responsável por salvar a vida de muitos — alguns dos quais até posso reconhecer na multidão agitada —, então não é de se admirar que eles estejam preocupados com a possibilidade de perder mais alguém importante.

Volto a olhar para as chamas. Elas estão distantes, mas me queimam como se eu estivesse perto, praticamente dentro delas. Tudo isso tem um gosto tão amargo, uma força tão arrasadora e dilacerante. A cada segundo que se vai, eu desmorono um pouco. Onde estão Matt, Capp e Tony?

— Casey — Boden aciona o rádio outra vez. — Quero atualizações. Onde vocês estão? Esse prédio vai virar cinzas.

Soluço. Eu sei o que vem logo após a constatação de que as coisas podem piorar. Boden jamais deixaria qualquer um de nós continuar em um lugar assim. Ele não pode perder quatro homens — e se eu estivesse em seu lugar, também jamais deixaria que isso acontecesse.

Vocês tem um minuto.

Fecho os olhos. Leslie e Gabby me apertam. Suspiros sobrevoam o ar, capacetes caem no chão, o som das sirenes se torna ainda mais presente, o ar fica rarefeito, sinto o chão desabar bem abaixo dos meus pés. Peço a Deus que isso seja um pesadelo do qual vou acordar a qualquer instante, mas nada acontece. Não estou na minha cama, não estou aliviada por tudo isso não passar de um pesadelo. Nada.

— Kaylee!

As vozes de Gabby e Leslie tomam conta dos meus pensamentos após cerca de trinta segundos e palmas e gritos logo se juntam a elas. Meu coração palpita e eu vou abrindo os olhos com calma, temendo a forma como me encho de esperança antes mesmo de saber o que estou prestes a encarar. As duas paramédicas se desvecilham de mim no mesmo momento em que consigo enxergar todos os detalhes do que estou vendo, desde os jatos de água atingindo as janelas e todos os focos de incêndio do prédio à porta principal, de onde Tony sai com um menino nos braços e, logo atrás dele, Matt e Capp saem com Kelly.

Sinto algo sugar todo meu oxigênio e minhas pernas fraquejarem. Sou amparada por um de meus companheiros, suspeito que Otis, e deixo que todas as minhas lágrimas escorram livremente por meu rosto. Meu capacete cai da cabeça e atinge o chão, Otis me abraça e acaricia minhas costas. Estou tão, tão aliviada que é como se mais nada no planeta importasse para mim. Uso as costas da mão direita para limpar meus olhos e desembaçar a visão. Abro um sorriso pela primeira vez desde que descemos do caminhão.

— Você já pode respirar, Kaylee — Boden para de frente para mim e põe a mão em meu ombro. Aquiesço. — Nossos bombeiros estão sãos e salvos.

— Ainda bem, chefe — Otis suspira, distanciando-se de mim. Seu rosto está vermelho e não há nada mais visível nele do que a preocupação. — Terminamos mais um dia bem.

— Exatamente, Otis — ele exibe um sorriso cheio de dentes brancos. Logo após, olha para mim com os olhos espremidos. — É uma boa hora para te parabenizar, tenente?

Faço uma careta que perdura até eu cair em mim e lembrar do que ele está falando. Balanço a cabeça e vejo o outro homem ao meu lado arregalar os olhos e gritar. Logo estou rodeada de marmanjos berrando como se não houvesse amanhã.

— O 51 vai ganhar um bebê! — Mills grita e olha para trás. As pessoas que nos observam parecem confusas. Dou risada. — Parabéns, tenente!

— Obrigada, Peter. Obrigada pessoal. — faço um esforço extra para não deixar a voz embargar. Um a um eles me abraçam e dizem coisas, desde esquisitas até engraçadas e fofas. — Vocês são demais.

— Tudo bem, agora chega — rindo, nosso chefe intervém na bagunça. Ele pigarreia e encara todos com seu típico olhar sério. — Peguem os equipamentos que não vamos mais usar e guardem nos caminhões. Podemos continuar com as felicitações quando voltarmos ao quartel. Ainda há trabalho para fazer aqui.

Eles assentem e vão se dispersando. Continuo imóvel, agora com os olhos alternando entre Leslie cuidando do garoto que foi retirado do prédio por Tony — ele parece estável e está consciente — e Gabby atendendo Kelly. Ele está sentado no gramado do jardim e já tirou os equipamentos, seu rosto está manchado pelas chamas e seu cabelo agitado, Gabby lhe entregou uma máscara de oxigênio e seus olhos estão focados em Matt, que parece conversar com ele. Minha vontade é ir até lá e abraçá-lo e lhe tocar até ter certeza que o que eu estou vendo não é um delírio da minha mente cansada, mas me contenho porque sei que ele precisa de uma avaliação primária após ficar tanto tempo no edifício.

O que me tranquiliza é saber que o sinalizador em sua máscara não disparou, o que significa que em momento algum lhe faltou oxigênio ou ele apagou. Teríamos escutado o barulhinho aterrorizante daqui de fora se isso tivesse acontecido. Ele é alto o suficiente para isso.

— Você já pode ir lá, Atkins. — Herrmann surge ao meu lado, passando a mão pelo cabelo e escorregando pela lateral do caminhão. — Ele está bem. Isso não passou de um susto.

Penso um pouco antes de responder e aperto a mão dele, tão quente quanto a minha. Já estou alguns metros à frente quando ele me grita.

— Esse bebê — olha para minha barriga, faz uma pausa e depois sorri. — vai ser a melhor coisa que aconteceu a vocês. Pode acreditar na palavra de um pai de cinco.

— Valeu, Chris.

Volto a caminhar, no entanto, paro na metade do caminho. Kelly já está de pé e sem a máscara, olhando para mim com os olhos azuis brilhantes pelos quais me apaixonei sem perceber. Um sorriso curto se espalha em sua face e ele começa a correr em minha direção. Tudo parece se mover em câmera lenta; como em um filme dramático. É como se não houvesse mais ninguém ali além de nós dois, então, quando Kelly me segura em seus braços e me dá um dos abraços mais fortes e reconfortantes que já recebi na vida, meu mundo pega fogo e resfria no mesmo segundo.

Enlaço seu pescoço e fecho os olhos. No fundo dos meus pensamentos consigo enxergar todos os momentos que nos trouxeram aqui, todos os abraços especiais que demos — e preciso confessar que mais da metade não foi tão intenso quanto esse —, tudo.

— Você está bem? — pergunto, minha voz saindo abafada devido a forma como estou apoiada no ombro dele. Afasto-me o suficiente para segurar seu rosto com as duas mãos. Há um pequeno corte em sua bochecha e seus olhos exalam cansaço.

— Estou, amor. — ele garante. No entanto, não sinto tanta confiança.

— Tem certeza, Kelly Benjamin?

— É claro que sim, Kaylee Marie — o sorriso que meu marido abre não me deixa com dúvida alguma sobre seu estado. Ele está ótimo. Kelly sabe como eu detesto meu segundo nome. Kaylee Marie simplesmente não combina e até hoje eu não sei quem teve essa ideia tosca, papai ou mamãe. — Eu estou ótimo. Foi só… um daqueles chamados.

Sinto a vontade de chorar voltar e as lágrimas reaparecerem na borda dos meus olhos. Mas antes que elas tracem um caminho por minhas bochechas, Kelly as limpa.

— Você não sabe o medo que eu tive de te perder. Você não sabe. — sussurro.

— Eu não queria te assustar assim, não queria ninguém preocupado, mas de repente… — suspira. — De repente tudo estava em cima de mim e o rádio deu defeito.

Balanço a cabeça, concordando. Kelly esboça um sorriso curto e me analisa da mesma forma que fez quando estávamos sentados no banco do corredor do quartel. Seus olhos se abaixam e sou surpreendida pelo toque de sua mão em minha barriga. Um arrepio sobe da base de minha coluna até minha nuca com a forma como ele a toca, como se fosse tão frágil quanto uma porcelana rara. Olho para o lado e as pessoas estão indo embora, as duas ambulâncias já saíram e os rapazes que não estão terminando de apagar as últimas chamas no prédio estão arrumando as coisas. Boden parece conversar com alguém no telefone.

Quando volto a encarar Kelly, ele ainda está com a cabeça baixa. Franzo o cenho e toco seu queixo, erguendo-o para mim. Os olhos embaçados e brilhando devido às lágrimas e os lábios comprimidos me assustam um pouco.

— Kelly…

— É sério? — pergunta, a voz saindo entrecortada. — O que você falou no rádio. É sério, não é?

Inspiro fundo.

— Eu jamais mentiria sobre isso — tento sorrir e me afasto um pouco dele. Talvez eu esteja arrependida do que fiz. Queria contar a ele sobre a gravidez do jeito certo, de uma forma bonitinha, não desesperada e por meio de um rádio em um incêndio. — Me desculpa por falar daquele jeito. Não queria te contar assim. Mas… parecia a única forma de trazer você de volta.

Kelly balança a cabeça, então me puxa para um beijo. Um beijo que eu não conseguiria descrever nem em um milhão de vidas ou anos. Porque esse beijo reacende tudo dentro de mim, me diz tudo o que ele não conseguiu dizer desde que me viu, minutos atrás; nos conecta de uma forma que apenas o mais sábio dos homens poderia entender.

E ao nos afastarmos, as lágrimas caem de seus olhos. Ele morde o lábio inferior e continua segurando meu rosto próximo ao seu.

— Se você soubesse como ouvir isso me ajudou, me fez feliz mesmo quando tudo parecia uma merda, você jamais pediria desculpa, Kay. — ele sussurra.

— É?

— É. Com certeza é. — Kelly beija minha testa e desce as mãos até minha barriga outra vez. — Eu vou ser pai. Vou ter um filho com a mulher que faz meus dias, você consegue entender isso?

Gargalho alto e concordo.

— Sim, porque eu vou ter um filho com o homem que faz os meus dias. O homem da minha vida, Kelly Severide.

Ele rouba outro beijo meu e me gira no ar. Ouço gritos e torno a rir, observando Herrmann, Capp, Mills, Mouch, Otis, Casey, Cruz, Tony, Clarence e Mike baterem palmas em conjunto. Boden observa a cena ao longe, aliviado e orgulhoso.

— Eu vou ser pai! — Kelly grita enquanto caminhamos até eles. — Vocês ouviram isso?

— Parabéns, tenente! — Mills o cumprimenta com um abraço lateral e batidinhas nas costas. — Espero que a criança puxe a Kaylee.

— Imagina só se ela vem parecida com o pai? — Capp entra na provocação.

— Eu vou acabar com vocês. — meu marido os ameaça entre risadas.

Me junto aos homens do 51 e pego meu capacete da mão de Herrmann. Subimos no caminhão e aos poucos vamos nos afastando do local, deixando apenas as viaturas da polícia. Nosso trabalho já foi feito.

Olho pela janela, a mesma paisagem de antes passando por nós outra vez. Mas agora ela parece ainda mais diferente, mais vibrante. Gosto de como, na minha perspectiva, as coisas vão adquirindo novos tons e cores. Aguço minha audição para compreender o que estão falando atrás de mim e minha visão foca no capacete jogado no painel, encostado no parabrisas. Leio a inscrição logo acima do número 51. Lieutenant.

— Ei, Atkins — Herrmann me chama e eu viro a cabeça para olhá-lo. — Christopher é um ótimo nome para seu bebê caso ele seja menino, sabia?

Reviro os olhos e dou risada.

— Cala a boca, Herrmann!

O 51 é definitivamente uma das melhores famílias não sanguíneas que alguém pode ter.

Sento na beirada da cama, feliz por estar encarando minha penteadeira e não a mesa com todos os papéis onde preciso assinar e escrever após um chamado. Nosso turno acabou faz umas duas horas e chegamos em casa há cerca de uma. Saí do banho e a primeira coisa que fiz foi sentar para descansar as pernas, ajudá-las a sentir o gostinho de como não é ter que sustentar o peso do meu corpo o tempo inteiro.

Jogo a cabeça para trás e acompanho — em uma posição não tão confortável assim — Kelly cruzar o quarto e entrar no closet. Ele sai de lá vestido em uma calça moletom e uma regata.

— Você falou com o Boden? — pergunta parando na frente do espelho. Passa a toalha pelo cabelo e me olha pelo reflexo.

— Falei. E ele disse que conseguir uma vaga na Academia não vai ser difícil. Eu só… pedi para não envolver meu pai nisso. — dou de ombros. Sei que ser filha de um ex-bombeiro que agora é comandante tornará as coisas um tanto mais fáceis, mas não quero que passem por cima de ninguém para conseguir isso para mim. — E ele ainda nem sabe de nada. De qualquer forma, acho que vai dar certo.

— Pediu afastamento imediato? — ele deixa a toalha no espaldar da cadeira da penteadeira e vai até a cama. Como estou com as pernas dobradas em cima do colchão, se senta na minha frente. Abraço seu corpo, inspirando o aroma da sua loção pós-banho. Kelly acaricia minha mão.

— Pedi. — minha voz soa baixa. —Amo meu trabalho e não queria me afastar assim, mas cada incêndio é um risco e eu não posso me arriscar. Não posso arriscar a gente. — digo, referindo-me a mim e ao bebê. — Boden me fez prometer que eu vou pegar só as coisas que eu vou precisar na Academia, o essencial, e deixar o restante lá.

— Ele não quer que você vá embora, Kay. Ninguém quer. E sua vaga vai continuar lá. Você é a tenente do 51.

Solto um riso nasal. Passo a mão por seu cabelo ainda úmido e olho para seu reflexo. Kelly está tão cansado; foi um dia trabalhoso e extremamente exaustivo.

— Sou, é?

— Sim, é! — ele se levanta em um pulo. Virando-se para mim, se ajoelha na frente da cama e trilha um caminho por minha barriga. Levanto um pouco a blusa e sinto sua pele contra a minha. Ainda falta muito para eu ter o famoso barrigão de grávida, mas já dá para notar algumas mudanças.

Comecei a perceber que havia algo diferente duas semanas atrás, quando meus seios pareceram mais doloridos que o normal. Minha menstruação também estava um pouco atrasada, mas meu ciclo nunca foi exemplar ao ponto de um atraso ser motivo de estranheza. Outros "sintomas" foram chamando minha atenção, no entanto. Esperei mais algum tempo e fiz o teste de farmácia — com os três que comprei dando positivo.

Contudo, como não confio muito em testes assim e não queria fazer ninguém criar expectativas à toa — e eu já tinha criado expectativas —, recorri ao teste de sangue. Então o positivo veio. E a expectativa se tornou uma certeza que ao mesmo tempo que era maravilhosa, era tremendamente assustadora, porque agora eu conseguia enxergar meu mundo mudando a cada milissegundo.

Chega a ser bizarro como sua mente e seu coração se tornam outros quando tudo deixa de ser uma suspeita e se torna a mais pura verdade.

— Qual deve ser o tamanho do bebê? Será que ele pode me ouvir? — Kelly quer saber. Ele aproxima o rosto da minha barriga e encosta o nariz nela, a encarando fixamente.

Franzo o cenho com seu questionamento, pois definitivamente não faço ideia. Meu conhecimento sobre gestação é raso, quase inexistente, então boa parte das perguntas desse cunho eu não sei responder. Entretanto, não acho que isso seja um absurdo — é minha primeira vez explorando esse universo cheio de detalhes e curiosidades.

— Bom, eu não sei — assumo com um riso soprado. Deslizo a mão pelo cabelo de Kelly, que ainda parece hipnotizado olhando para minha barriga. — Mas podemos descobrir na consulta com a obstetra. Que tal essa semana?

— Pode ser na quinta? — ele sugere sem levantar o rosto. Concordo de imediato. — Ótimo. E eu acho que ele deve ser pequeninho… um mês e meio não é muita coisa.

— É, isso é verdade.

Os minutos seguem e ele continua exatamente onde está e como está, sem mover um único músculo. Gosto de como um novo lado dele foi desbloqueado com a descoberta da gravidez. Kelly sempre foi um ótimo marido e sei que será um ótimo pai; não me resta dúvida alguma que ele é o homem certo para isso tudo. E outra certeza que tenho além dessa é que ele vai me entender quando eu ficar triste por acordar e não poder ir para o quartel, que ele vai explorar esse mundo novo comigo e também ir mudando as peças do quebra-cabeça da nossa vida.

— Parece um sonho. — ele sussurra, enfim levantando o rosto para mim.

— Um sonho que deu mais do que certo. — sorrio, encolhendo os ombros. Tão logo Kelly sobe na cama e senta atrás de mim, me envolve nos braços. Apoio cabeça em seu ombro e olho para seus olhos. — Olha só onde você está, Kelly Severide. Quem diria, hein? Primeiro casado e agora esperando um filho.

Ele rola os olhos. Kelly acha um absurdo que um dia eu tenha pensado que ele era mulherengo demais para ficar quieto com uma única pessoa, mas para mim essa era a realidade. E não bastasse me servir de realidade, servia de motivo para que eu recusasse ter qualquer tipo de envolvimento romântico com ele — tudo o que eu não queria era ser mais um nome na sua lista de relacionamentos passageiros. Bom, mal sabia eu.

— Parando para pensar, você ter pensado assim não foi tão ruim — disse ele. — Porque aí eu consegui te provar o contrário. Sabe, mostrar que eu era decente. — ri.

— Foi ótimo ter deixado você me convencer disso.

Olho para a aliança dourada em meu dedo anelar esquerdo. Ela é tão preciosa e importante, uma lembrança sólida de tantos momentos, tantas promessas.

— Eu te amo muito, Kaylee. Amo muito vocês.

— Nós também te amamos muito, Kelly.

Roubo um beijo dele e me aninho em seus braços, sentindo-o encostar o rosto no meu e relaxar. Não importa quantos incêndios enfrentemos, quantos obstáculos se mostrem difíceis de ultrapassar, sempre teremos um ao outro. E acho que isso é uma das coisas que mais importa na vida: ter alguém com quem contar, alguém para manter seus pés no chão quando sua vida mudar, alguém que, ao deitar ao seu lado, te faça perceber que por mais que você tenha pouco a perder, você tem muito a perder — porque ela, essa pessoa, faz parte do muito do pouco que você tem, e apenas a ideia de perdê-la te assombra.

Olho para Kelly e ele me olha. Sei que somos esse alguém um do outro.

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olá, olá, chicago fãs! 🔥

nossa, então, tô feliz demais em estar publicando esse conto. primeiro porque eu achei que não ia conseguir concluir, segundo porque é ótimo expandir meus nichos e escrever sobre mais uma coisa que eu gosto!

não foi o melhor conto do universo e nem o melhor plot, mas eu até que gostei bastante do desenvolvimento e acho que dá pro gasto. espero aparecer com ideias ainda melhores por aqui!

talvez, mas só talvez mesmo, eu poste outro conto com um personagem da franquia one chicago. e se eu postar, vai ser com uma pessoinha da inteligência hihihihi vocês apostam em quem? :)

obrigada por lerem someone e peço que, por favor, comentem e digam o que acharam. comentários são motivadores e me dão gás para escrever!

se você, além de fã das séries chicago, é fã de fórmula 1, tem várias fanfics sobre o esporte disponíveis aqui no meu perfil. espero que gostem!

mais uma vez obrigada por lerem e até mais! <3

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