Capítulo 1: O pássaro
Rique chamou Apolo, seu cão, para lhe entregar o coelhinho branco de pelúcia que estava com a costura da barriga aberta, por onde um tufo do estofado vazava. O cão abocanhou o brinquedo e agitou a cabeça, como se a pelúcia fosse um inimigo feroz que precisava ser abatido.
Rique gargalhou e caiu sentado na grama recém-molhada por seu pai, Jailson.
— Apolo idiotinha. Apolo idiotinha.
O cão soltou o coelhinho no chão e se deitou ao lado de Rique, exibindo a barriga para que seu dono fizesse cócegas. Mas ele não fez.
Continuou gargalhando.
— Idiotinha. Meu amigão.
Apolo girou e se pôs sentado ao lado dele, e olhou em direção ao bosque que ficava de frente da casa da vovó Maria Rosa. Rique amava aquela casa. Amava quando ele e seu pai iam visitar a vovó no mês de junho e ficavam uma semana inteirinha, comendo as melhores comidas do mundo e podiam ter aquele quintal gigante só para ele e o cão, para que corressem pra lá e pra cá, até o cansaço não deixar mais.
— O que houve, amigão? Ah, seu idiotinha! — Rique continuou com as risadas.
— O que tem de tão engraçado? — perguntou Jailson da varanda, sentado na cadeira de balanço perto da porta que dava para a cozinha de Maria Rosa. A seu lado tinha uma mesinha com uma garrafa de Budweiser pela metade e uma carteira de cigarro Derby.
Jailson estava com um boné com o emblema do seu time de futebol e usava óculos escuros.
— O Apolo, pai, ele é muito engraçadinho. O tadinho do Sr. Coelho sofre. — A criança soltou outra gargalhada.
Jailson sorriu e balançou a cabeça. Depois pegou a garrafa de cerveja e tomou um gole.
Era uma boa tarde de junho. O céu estava preenchido de um branco quase cinza, e a luz do sol atravessava timidamente pelas frestas das nuvens frias de inverno. As copas das árvores do bosque balançavam lenta e melancolicamente. Uma sensação agradável de nostalgia atingia Jailson. Ver seu filho ali dava um aconchego no peito e fazia-o lembrar dos velhos tempos. E ele estava feliz em saber que Rique poderia passar por aquilo também apesar de morarem no centro agitado da cidade.
Jailson lembrava de certa vez quando Rique perguntou se eles podiam morar com a vovó. E Jailson, sem saber muito o que dizer, apenas deu um sorriso. Sua esposa, Rita, não se dava bem com Maria Rosa desde uma discussão que elas tiveram justo no dia do seu casamento. Rita só havia ido para aquela casa umas duas vezes, quando eles apenas ainda namoravam.
Mas Jailson não podia perder a tradição de sempre passar a última semana de junho com a sua mãe. E Rique adorou desde o primeiro dia que pode ir junto com o pai. Rique amava a vovó Maria Rosa. Amava comer todas aquelas comidas de milho que o mês de junho proporciona. E amava principalmente brincar naquele quintal de frente para o bosque com o seu amigão.
Ainda aos vinte e oito anos de idade, tudo que Jailson queria era deixar o centro da cidade e ir morar ali. Mas o seu trabalho de contador e a esposa que não se dava bem com a sogra não permitiam isso. Não que Rita fosse uma esposa ruim, muito pelo contrário. Há certas coisas na vida que realmente não podem e não devem combinar mesmo. Jailson era muito grato; acima de tudo por poder tomar sua cervejinha numa tarde serena de final de junho enquanto o filho brincava na grama molhada com o cão fiel.
— Olha só, pai! Olha só!
Rique se aproximou carregando algo em suas duas mãos.
— O que é isso?
— Olha só!
— É um pássaro?
— Sim!
— Vivo?
— Não, seu bobinho. Ele está morto. Olha só!
— Onde estava?
— Caiu perto de mim. Veio voando do bosque.
— Que estranho.
— Que tipo de pássaro é, pai?
— Deixa eu ver.
Jailson tirou os óculos escuros e pôs em cima da mesinha. Em seguida pegou o passarinho. Examinou-o. Não estava ferido.
— É um bem-te-vi.
— Uau! O que aconteceu?
— Não sei. Devia estar doente.
— Tadinho.
— Os pássaros simbolizam liberdade... — Jailson sentiu uma pontada na cabeça ao dizer aquilo.
— O que foi, pai?
— Nada não. O que quer fazer com ele?
— Vamos enterrar. Ali, no pé daquela árvore.
— Tá bem.
Jailson entregou o animal ao filho, levantou-se e caminhou até a pia de lavar roupa. Embaixo dela havia um balde com alguns utensílios de jardinagem de Maria Rosa. Ele pegou uma pazinha de ferro e acompanhou o filho até a árvore que ele havia escolhido.
— Quer cavar?
— Sim! — Rique colocou, com cuidado, o passarinho na grama. Depois pegou a pá do pai e começou o trabalho. Cavou bem próximo a raiz. Estava com o rosto bem sério agora, concentrado no seu trabalho de cavar uma cova para o bem-te-vi.
Jailson olhou ao redor. O bosque se estendia ao longe com suas sombras e a quietude de que sempre conheceu. Lembrou-se de certo dia, quando criança, que foi aventurar-se com um amigo no bosque. Tinham uma missão: caçar um coelho. A arma da caça era um estilingue. O máximo que conseguiram foi um bem-te-vi baleado que caiu em algum lugar que nunca conseguiram encontrar. Decepcionados, desistiram da missão. Sem contar na bronca que Maria Rosa deu por ter ido pro bosque sem ela saber. Ela achava que era perigoso demais para duas crianças irem sozinhas.
— Pronto, pai. Acho que já dá.
Rique soltou a pá e colocou as mãos na cintura com um olhar de quem havia feito um bom trabalho. Apolo, que estava sentado observando o serviço, latiu. Rique entendeu com um "muito bem!"
— Muito bem — disse Jailson. — Vai colocar o passarinho ou eu coloco?
— Coloca, eu empurro a terra.
Jailson assentiu. Agachou-se e pegou o passarinho. A cabeça mole do animal deslizou em seu pulso. Jailson sentiu um calafrio.
A melancolia da dança lenta das árvores ajudava o clima a ficar mais soturno. E, pelos Deuses! Era só um enterro singelo de um animal vítima de uma enfermidade da natureza.
Acomodou o bem-te-vi na cova.
— É, pai, está na hora. — Rique fez uma carinha de tristeza, como quem fizesse parte da família do animal.
No fundo, Jailson quis rir daquela expressão inocente. Observou o filho em seguida empurrar a terra e enterrar o bem-te-vi com certa empolgação.
— O que vocês estão aprontando?
Maria Rosa apareceu atrás deles. Seu vestido florido estava coberto por um avental mais florido ainda.
— A gente enterrou um passarinho!
— No meu quintal?
— Aqui, praticamente, já começa o bosque — corrigiu Jailson. — E acho que o governo não iria se importar com isso.
— Olhe! Até onde minha grama estiver, é o meu quintal. E se discordar disso, meu queridinho, o governo iria ter que se preocupar com outra coisa enterrada aí.
Jailson gargalhou. Rique deu de ombros, sem entender nada.
— Quem é governo?
Agora o pai e a vovó gargalharam juntos.
— Escuta, meu filho, preciso que você venha ver isso na cozinha. — Maria Rosa secou as lágrimas dos olhos que resultaram das risadas. — Pode agora?
— Posso, sim. — Jailson limpou as mãos nas calças jeans. — Rique, vá brincar com o Apolo. Já já eu volto.
— Tá, pai. Tem outra tarefa pra eu não?
— Deixa eu ver... Tem aquele lado do quintal que eu não terminei de aguar. Pega a mangueira e faça isso.
— Sim, capitão!
— Aproveita pra dar um banho no Apolo, ele está muito porquinho.
— Entendido, capitão! — Rique chamou o cão e correu até a mangueira do outro lado.
Jailson e Maria Rosa entraram para dentro de casa.
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