III. Jake
Os primeiros raios de sol alcançam a delegacia de Pinewood, numa nublada manhã fria de domingo, a previsão do tempo indicava que haveria chuva fraca. Haviam poucos agentes no prédio, eram do turno da madrugada e haviam ficado acordados noite à dentro.
Apesar de serem poucos, estavam preocupados, indo de um lado ao outro, murmurando e teclando nos computadores. Jake Saito, um oficial descendente de imigrantes asiáticos, se debruça sobre uma mesa observando papéis e fotos. As imagens eram das vítimas de um novo serial killer de South Meadow - apelidado de 'Conan' pela sua parceira - e os papéis eram fichas criminais, de suspeitos e foras-da-lei que poderiam se encaixar na descrição fornecida.
A cidade já teve pelo menos uma dúzia de matadores, todos atacavam os cidadãos mais vulneráveis, como damas da noite, jovens que estavam no lugar e na hora errada, e homens que estavam fracos e doentes - muitos destes sendo da cor oposta do criminoso, casos comumente ocorridos nos anos sessenta até os oitenta. A maioria deles estava morta, ou em um presídio estadual a quilômetros de qualquer civilização. Poderia ser alguém novo... Pensou Jake Ou até alguém de outra cidade, que fez uma mudança completa na aparência, e veio pra cá continuar sua onda de perversidade...
- Jake, chegou o resultado do laboratório - disse Alana, com um envelope marrom em mãos.
- E então? Temos um nome?
- Edgar Ridges. Aparentemente, mora aqui a mais de vinte anos, sem passagens na polícia. - disse ela
Jake ficou pensativo por um momento. Conhecia Edgard, era o dono de uma pequena loja de conveniências em White Lake, no Distrito Sudoeste. Nunca pensou que ele poderia se tornar um criminoso, muito menos um serial killer, pois era sempre tão gentil com seus clientes, oferecia biscoitos para os garotos que moravam na rua e dormiam próximos da lixeira dos fundos.
- Que pena... - disse ele.
- Você o conhece?
- Sim. - ele inspirou - Vamos falar com o Brad, ele pode saber do seu atual paradeiro.
Em uma cela não muito limpa, haviam pelo menos uma dezena de outros suspeitos que foram pegos em flagrante e aguardavam alguma resposta dos policiais, se iriam ser libertos, se levados para um tribunal, ou se iriam direto para uma prisão. No meio destes, um tumulto havia se instalado, dois prisioneiros estavam caídos no chão e um terceiro estava prestes a brigar com o recém capturado Brad Motosserra, porém a dupla surge para amenizar os ânimos dos dois.
- Agora chega, vocês dois! - bradou Jake - Juan, Brad, vocês dois vêm com a gente.
Saito colocou Juan em uma cela separada dos outros, e deixou Brad sentado em um banco de madeira, do lado de uma escrivaninha. Estava algemado.
Violet tirou os dois que estavam desacordados e os levou até a enfermaria da delegacia, onde receberiam os devidos tratamentos.
A enorme policial se aproximou do garoto.
- Você não consegue ficar pelo menos uma semana sem 'visitar' a gente? - questionou ela.
- Se vocês não ficassem na minha cola o tempo todo, eu até podia pensar no seu caso... - respondeu o garoto com insubordinação.
Jake se debruçou na escrivaninha e encarou Brad com um olhar fulminante. Sabia que se fosse de outro jeito, ele poderia não contribuir.
- E oque você fazia ontem naquele beco, naquela hora da noite?
- Eu não queria estar lá. Eu tava no Poço de Lama, mas um esquisitão trombou comigo, então fui atrás dele. - Brad devolvia o olhar.
- Oque ele vestia?
- Casaco de couro. Parecia até aqueles caras do Matrix.
- Mais alguma coisa?
- Umas luvas também, cabelo grande e escuro, e tinha uma catinga de umas duas semanas sem banho.
Jake pensou por um momento. Os casos começaram a uma semana, mas haviam duas semanas que Ridges não abria sua loja, e ele se lembra bem que o homem tinha cabelo grisalho e calvo. Poderia não ser ele, afinal.
- Ele falou alguma coisa com você, antes de brigarem? - perguntou Jake.
- Ele tava estranho, bom, mais do que o normal pra alguém como ele. Falava que não podia parar, e umas coisas assim. Como se estivesse sobre controle de algo.
Jake suspira - Ele era um civil, mas essa brutalidade toda com as vítimas... Você sabe.
- Ele não é dos Andarilhos, e não tem cheiro de nenhuma tribo que eu conheça. Pode ter sido maldição, profanação de ritual... Essas coisas. - falou Brad.
Ele então ficou ereto, e Alana franziu a sobrancelha. - Hum... Do que vocês estavam falando, exatamente?
- Alana, tem coisas nesse mundo que você talvez não possa compreender ainda. Forças superiores que atuam invisíveis, nas sombras. - disse Jake, com expressão séria.
Brad segurou uma risada.
- Tu vai mesmo envolver ela nisso?
- Ela é a minha parceira a anos, não há como esconder certas coisas. Chegou a hora de abrir os seus olhos.
- Espero que vocês não estejam falando de algum culto secreto ou coisa do tipo, por que essas coisas são sempre muito estranhas. - Ela sentia como se estivesse perdendo algo ali. - Temos algum lugar hipotético, pelo menos?
Jake olhou para Brad.
- Olha, eu não sei de nada. Mas que ele vai atacar à noite, isso é certeza. E provavelmente vai ser em um lugar apertado, sinto que ele não goste de andar em ruas muito abertas. - disse o punk.
Uma mulher de cabelos e roupas escuras chegou na delegacia para buscar Brad, ela assinou os termos de responsabilidade, respondeu algumas perguntas e deu o dinheiro de fiança. Uma rotina que já dura mais de três anos.
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Alana e Jake pediram ao Sargento Sullivan por mais uma ronda noturna. Ele hesitou inicialmente, mas permitiu. Mais uma vez, a dupla de policiais iam pelas ruas numa noite de domingo, comércios estavam fechados e não haviam pessoas nas ruas. Jake estava no volante, ele olhava para todos os lados enquanto o Impala 97 passava em uma velocidade tão baixa quanto a chuva caindo sobre o asfalto.
- Então, você vai me contar, ou... - disse Alana
- É difícil de explicar, principalmente porque você pode não acreditar.
- Olha, se você tá falando de coisas como um grupo que domina secretamente a cidade, isso não é nenhum segredo. Tem a Família Savellino, a Sociedade Oásis... Talvez até algum grupo extremista político, ou fanáticos religiosos quem sabe. Isso está nos arquivos da polícia.
- É muito mais do que isso, Alie. Você lembra de ontem? Os cães latindo na madrugada? - disse Jake.
- Sim, claro. Tem cães desabrigados nas ruas, odeio isso, queria que tivessem um lar, mas qual a surpresa?
- Eles não eram cães comuns. Eram Lobos. - afirmou Jake.
- Lobos? Mas tão longe da neve lá no norte, e dos desertos do sul? Como isso é possível? - disse ela incrédula.
- Não são do tipo comum. São homens lobo.
- Quê? Tipo lobisomens? Isso... É sério?
Jake a encarou com um olhar de quem não parecia estar brincando.
- Então... É, faz sentido. - Alana pensou por um momento.
- Não está tão surpresa quanto imaginava.
- Desde que eu tive aquele acidente aos meus onze anos, passei a ver coisas que ninguém mais via. Ninguém entendia isso, e os médicos me diziam que era apenas uma resposta do cérebro em reação ao trauma. Mas era vivo demais... Por vezes podia quase tocar. - Alana sempre amou a investigação, lia dúzias de livros sobre casos criminais de grandes autores, e até investigava por si mesma alguns casos que ocorriam em Glasgow, mas um dia, ela foi curiosa demais e entrou num prédio em que um grupo de criminosos usava como esconderijo. Ela lutou com eles com força e bravura, mas quando tentou fugir, um deles a agarrou e deixou uma marca que ela carrega até hoje.
- Acho que encontramos ele. - Jake parou a viatura num beco que estava entre uma fábrica abandonada e o seu galpão.
- Eu não vejo nada.
- Sinto seu cheiro, é o mesmo que estava na garota que foi decapitada. Vamos. - os dois saíram do carro, que tinha o giroflex ligado. O beco escuro se iluminava com a dança de vermelho e azul da viatura. Pegaram suas lanternas quando entraram no beco, e avistaram o palco de uma completa carnificina. Havia sangue para todos os lados do beco, corpos mutilados, membros sem corpos e pedaços de carne em todos os cantos. Alana buscou pelo apoio desesperado de uma parede e quase vomitou ali mesmo.
- Eu... Odeio isso... - disse, retomando seu fôlego.
Jake seguiu em frente, tomando cuidado para não pisar em nada, e espalhar ainda mais a cena, mas era impossível. Era sangue demais. Alana foi atrás, tentando se concentrar em Jake na sua frente - e quando a luz tocou seu corpo, produziu uma sombra extensa que se assemelhava ao de uma raposa. Winsdarth apontou então a lanterna para cima, passando a luz pelas janelas velhas e enferrujadas da fábrica, e viu sombras se movendo entre sombras - aquilo lhe deu calafrios. Mais à frente, o portão de entrada para caminhões estava aberto, e havia um som medonho de dentes mastigando carne. Era uma enorme sombra que se erguia acima de um cadáver, era peludo, de cor marrom-escura, orelhas pontudas e um rabo curto. Olhou para trás assim que sentiu o mínimo calor da luz que as lanternas emitiam. Seus dentes estavam manchados de amarelo e vermelho, e seus olhos eram como fogo.
- Se abaixa, Alana! - bradou de Jake, e a criatura saltou para seu encontro, mas com um chute bem encaixado, a afastou. Alana se abaixou atrás de uma lata de lixo.
Brad tinha razão, pensou Jake ele não tem cheiro dos Andarilhos, e nem de mais ninguém daqui. É algo mais antigo, mais perigoso.
Alana não aguentou, e se levantou, sacando sua Glock. Jake desviava das longas garras do lobo, saltando e esquivando com leveza, até que encontrou uma abertura, e saltando, acertou um chute em seu pescoço, e o lobo tombou para o lado.
- Cuidado, Jake! - gritou Alana, disparando três vezes no lobo. Contudo, as armas não pareceram surtir muito efeito. Foram como pequenas pancadas nas costas da criatura, que logo se virou para a mulher e avançou. Saltou nas lixeiras ziguezagueando para evitar os outros cinco tiros que ela disparou. Já estava para pronto para cair em cima de Alana, quando Saito surge saltando de uma parede e desferindo um soco em seu focinho. Aquilo o incomodou sobremaneira, que recuou por um momento.
Jake costumava ser um dançarino antes de vestir a farda, e como tal, tinha grande habilidade ginástica. Seus pais queriam que seguisse a tradição de ser um agente da lei, que no início ele recusou, mas viu que a necessidade de ser um protetor era muito mais urgente. Além da farda, Jackson Hisagawa Saito havia herdado uma outra coisa, algo que está em sua família a gerações, desde a sua fundação na Era Sengoku: o espírito de uma Zenko Kitsune. Quando usa de seus dons, Jack adquire um brilho amarelo-alaranjado ao redor de si, e seus olhos cintilam na mesma tonalidade, lhe conferindo capacidades físicas sobre-humanas.
Jake aproveitou a fragilidade do lobo, e lhe aplicou dois golpes no peito, mas o monstro estava atento aos seus movimentos, e com as costas da mão, o lançou para longe, indo parar a pelo menos cinco metros, batendo com as costas em uma lixeira que amassou com o impacto. E prestes a acabar com Jake, preparou suas garras para estraçalhar seu corpo enquanto ainda inconsciente, quando Alana, num súbito ímpeto de bravura, salta para suas costas e tenta lhe aplicar uma gravata, com muita dificuldade. Seu pescoço tinha um pelo grosso e nada confortável, era mais como uma áspera lixa por cima de um corpo forte e musculoso. Alana não conseguia fechar o golpe, então apenas se esforçava para tirar a atenção da criatura de seu parceiro.
Enquanto estava em suas costas, Alana pôde sentir um cheiro curioso, era familiar, mas não se lembra qual a última vez que o sentiu. Era um aroma atrativo, como o de uma comida boa e bem temperada. Não entendia tal sensação, tentava tirar isto da cabeça para poder se concentrar no seu oponente mas tudo começou a girar ao seu redor, até que se viu atordoada em um chão rachado e com pedaços das vítimas do monstro, a princípio não conseguia escutar direito, apenas o seu coração que batia muitas mais rápido que qualquer outro. O cheiro que ela sentia agora estava na sua boca, na sua garganta, no seu estômago, percorrendo o seu corpo, lhe deixando mais forte, fazendo sua mente antes atordoada se recuperar por completo, e instintivamente levantou-se num salto e, assim que viu a criatura de costas a ela, fez um talho em sua perna usando as mãos nuas, enquanto Jake, agora desperto, desfere golpes sequenciais no tórax do lobisomem. Ele caiu, seu corpo começou a reduzir de tamanho, o focinho e a cauda se retraíram, as garras e presas são substituídas por unhas e dentes comuns e o pelo desaparecia, dando lugar a um cabelo escuro e longo com uma calva no topo, era Edgar Ridges, como suspeitado. Seu corpo estava nu, com cortes nas pernas e hematomas no tórax. Jake tirou seu casaco policial e o cobriu.
- Você está bem? - pergunta Saito à Alana, ainda olhando para seu antigo vizinho.
- Na verdade, eu tô sentindo algo muito estranho. E não é nada bom. - respondeu, apreensiva.
Jake levantou-se, e se espantou ao ver sua colega - A-alana... O que... O que é isso no seu rosto?
Ela se limpa com as mãos, sentia que o rosto estava molhado com algo viscoso e quente. Quando se atentou às mãos, viu que estavam encharcadas, totalmente vermelhas. Era sangue.
- Eu acho que vou vomitar... - disse ela.
- Esse tempo todo. - falou Jake - Esses anos todos ao meu lado, e nunca me ocorreu que você pudesse ser uma Vampira!
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