Capítulo 8
A estrutura da casa da árvore parecia desafiar a gravidade. Empoleirada nos galhos altos de um carvalho velho, suas tábuas rangiam sob o peso do tempo, e talvez também sob o meu. Cada degrau da escada improvisada — na verdade, remendos de cordas grossas amarradas de forma desigual ao tronco — parecia ser um teste à minha coragem. Subi mesmo assim.
Ao chegar no topo, engatinhei pela entrada baixa, sentindo a aspereza da madeira contra as palmas das minhas mãos, com medo de que qualquer movimento brusco pudesse desabar tudo. Lá dentro, o espaço era claustrofóbico. As paredes estavam repletas de inscrições antigas, marcas de canivete e lápis que deviam ter sido feitas por crianças anos atrás. Desenhos de corações e palavras mal escritas, quase apagadas pelo tempo. Não era possível ficar em pé ali dentro, mas a pequena varanda compensava. Ela oferecia uma vista quase surreal, como se o mundo lá embaixo fosse apenas um borrão distante. O céu já começava a tingir-se de um laranja suave, anunciando o fim do dia.
Sentei-me na beirada da varanda, deixando meus pés balançarem no vazio. A ausência de uma proteção ou corrimão fazia meu estômago se revirar a cada brisa mais forte. Mas, de alguma forma, esse perigo silencioso era reconfortante. O vento bagunçava meu cabelo, e o som das folhas farfalhando nos galhos preenchia o silêncio, abafando o caos que constantemente habitava minha mente.
"É quase bonito", pensei. Quase bonito, mas não o suficiente para me fazer esquecer.
Foi quando ouvi o barulho.
Um farfalhar leve, quase imperceptível, seguido de sons cuidadosos na madeira atrás de mim.
— O que você está fazendo? — pergunta Tate, sua voz baixa, mas com um tom de curiosidade que parecia genuíno.
Não me viro para olha-lo.
— Contando quantos segundos levaria para eu cair daqui. — Respondo, com um sarcasmo que escondia algo mais sombrio.
— E aí, quantos? — Ele se aproxima e senta ao meu lado, tão perto que nossos ombros quase se tocam.
— Cinco, talvez seis. Depende do vento.
Ele ri baixo, mas não parecia exatamente divertido. Algo no som foi quase... triste.
— Eu apostaria em sete. — Ele olha para baixo, examinando a queda. — Você parece leve.
Reviro os olhos e solto um suspiro.
— Por que está aqui, Tate?
Ele dar de ombros, seus olhos negros fixos em algum ponto no horizonte.
— Achei que você podia querer companhia.
Eu o encaro por um momento, tentando decifrá-lo. Ele parece calmo, quase deslocado ali, como se estivesse tentando ser parte de algo maior do que ele mesmo.
— Você é péssimo em respeitar o espaço das pessoas.
— Talvez. — Ele sorri, as covinhas apareceram de novo, suavizando a intensidade do rosto. — Ou talvez você seja péssima em pedir ajuda.
A frase me atingiu como um golpe baixo, e, por um instante, não soube o que responder.
— Não preciso de ajuda.
— Não precisa ou não quer? — Ele virou o rosto para me encarar, e havia algo nos olhos dele que me fez desviar o olhar.
Ficamos em silêncio por um tempo, apenas ouvindo o vento e o ranger suave da madeira sob nós. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio.
— Você veio aqui porque quer fugir? Não literalmente, só... — ele aponta para minha cabeça.
— Acho que é bem isso. Precisava de um lugar para pensar.
— Pensar no quê?
— Em como tudo mudou tão rápido. — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. — Em como, de um dia para o outro, minha vida virou... isso.
— Isso o quê?
Fecho os olhos, tentando encontrar as palavras certas.
— Um buraco. Um vazio. Algo que não faz sentido.
Ele não responde imediatamente. Quando falou, sua voz era suave, quase um sussurro.
— Acho que faz sentido... só que não do jeito que você gostaria.
Olho para ele, confusa.
— O que isso quer dizer?
— Que a vida é uma bagunça. — Ele ri sem humor, passando a mão pelo cabelo bagunçado. — Não existe essa coisa de "justiça" ou "razão". As coisas simplesmente... acontecem.
— E isso é reconfortante para você? — pergunto, incrédula.
— Não. — Ele dar de ombros novamente. — Mas é a única coisa que consigo aceitar.
Há algo na honestidade crua dele que me fez querer continuar falando, mesmo que isso significasse rasgar um pouco mais das feridas que eu tentava esconder. Volto a encarar o horizonte, os tons de laranja e púrpura misturando-se ao som distante de pássaros que voltavam para os ninhos.
— Você já pensou em como tudo parece... perfeito de longe? — pergunto.
— Perfeito? — Ele arqueou uma sobrancelha.
— Olha para isso. — Apontei para as árvores, o céu, o mundo lá embaixo. — Parece tão tranquilo, tão intocado. Como se nada ruim pudesse acontecer aqui.
Ele ficou quieto por um momento, e quando falou, sua voz estava baixa.
— Acho que é porque estamos vendo de cima. As coisas sempre parecem melhores quando você está distante o suficiente para não enxergar os detalhes.
Eu virei a cabeça para ele, surpresa com a profundidade de suas palavras. Havia algo tão nu, tão despido de qualquer filtro, que quase me deixou desconfortável.
— Isso foi... deprimente.
— Foi real. — Ele me encarou com um olhar firme, direto. Os olhos escuros dele tinham uma intensidade que parecia atravessar qualquer camada de sarcasmo ou proteção que eu tentasse erguer. Por um momento, não consegui desviar.
O silêncio entre nós não era desconfortável, mas parecia uma pausa necessária, como se ele estivesse esperando que eu falasse primeiro. Quando não o fiz, ele tomou a iniciativa.
— Sabe, eu costumava ter medo de altura. — Ele disse, quase casualmente, enquanto olhava para o horizonte.
Arqueei uma sobrancelha, desconfiada.
— E agora você sobe nessa coisa que mal se sustenta? Parece uma escolha inteligente.
Ele ri, um som breve que fez minhas próprias paredes internas tremerem.
— É meio engraçado, na verdade. Acho que quando você supera um medo, acaba procurando por outros.
Reviro os olhos, mas não consegui evitar o leve sorriso que se formou em meus lábios.
— E o que você fez para superar o medo?
— Pulei. — Ele responde, sem hesitar.
Viro o rosto para ele, surpresa.
— Pulou?
Ele assente, mas o sorriso em seu rosto desapareceu.
— Sim. De uma ponte. Não era tão alta assim, mas para um garoto de nove anos, parecia o Grand Canyon.
Fiquei em silêncio, esperando ele continuar.
— Meu pai me segurava pela mão. Disse que pularíamos juntos. — Ele dar de ombros, um brilho distante nos olhos. — E pulamos. A água estava gelada, mas eu nunca me senti tão... vivo.
A lembrança parecia aquecer algo nele, mesmo que fosse distante. Eu sabia que ele estava compartilhando isso comigo por um motivo, mas não sabia qual.
— E depois disso, você parou de ter medo de altura? — pergunto, tentando parecer desinteressada, mesmo sabendo que falhei.
— Não exatamente. — Ele inclina a cabeça, olhando para mim com um sorriso leve. — Mas aprendi que é mais fácil enfrentar as coisas quando alguém está lá com você.
A frase pairou no ar entre nós, carregada de algo que eu não queria nomear. Ele desvia o olhar, deixando que o vento levasse as palavras, mas eu senti que ele ainda estava lá, esperando.
— Nem sempre dá para ter alguém segurando sua mão. — digo, minha voz mais baixa do que pretendia.
— Não. — concorda, ainda olhando para o horizonte. — Mas, às vezes, é o bastante saber que tem alguém lá, pronto para te pegar se você cair.
Eu o encaro, buscando algum sinal de que ele estava apenas jogando palavras ao vento, mas o que vi foi honestidade. Aquele tipo de honestidade que era raro encontrar.
— Por que está me contando isso? — pergunto finalmente, apertando meus joelhos contra o peito.
Ele riu de novo, mas dessa vez não havia humor no som. Olho para ele e ele me olha com ternura.
— Porque você parece alguém que já pulou de muita coisa sozinha.
Fico quieta, a garganta apertando de uma forma familiar, aquela sensação de que eu estava prestes a me quebrar em mil pedaços.
— Eu não sou boa nisso, Tate. — Admiti, a voz tremendo levemente. — Em... confiar.
Ele não respondeu imediatamente, mas seus olhos me encontraram, calmos e intensos.
— Então não confie, ainda. — Ele inclina-se um pouco mais, seus braços descansando nos joelhos. — Só... me deixa estar aqui.
Houve algo na forma como ele disse aquilo, algo tão simples e despretensioso, que me desarmou. O vento continuava soprando, trazendo o cheiro das folhas e da terra úmida, enquanto eu tentava encontrar palavras que não existiam.
— Você é insistente, sabia?
— E você é teimosa. Acho que empatamos.
Eu ri, mas a risada soou fraca, como um eco distante de algo que eu quase não reconhecia mais.
— Sabe, nem sempre é fácil estar aqui em cima. — Ele continuou, mudando de assunto de forma quase imperceptível. — Mas eu gosto da vista. Faz eu me sentir... pequeno, mas no bom sentido.
— Pequeno? — perguntei, curiosa.
— É. Como se os problemas fossem menores também, sabe?
Assenti lentamente, entendendo o que ele queria dizer. Meu olhar voltou para o horizonte, os tons laranja do pôr do sol tingindo o céu com uma suavidade que parecia quase irreal.
E foi ali, naquele momento, com ele ao meu lado, que eu finalmente senti que podia dizer.
— Eu perdi tudo, Tate. Meus pais, minha casa... a vida que eu conhecia. Não sobrou nada.
Ele olha para mim, seus olhos escuros fixos nos meus, e por um momento, penso que ele fosse dizer algo profundo ou reconfortante. Mas diz somente os mais sinceros:
— Sinto muito.
Balanço a cabeça, tentando afastar a sensação de vulnerabilidade.
— Não precisa sentir. Não muda nada.
— Talvez não. Mas também não significa que você tem que passar por isso sozinha.
Fico quieta, surpresa com a seriedade em sua voz.
— E você? — pergunto, tentando mudar o foco. — O que te trouxe para cá?
Ele mantém os olhos fixos para o chão de madeira desgastada ao meu lado.
— Perdi meus pais quando era pequeno. Abigail me encontrou na rua, e eu acabei aqui. — revela.
— Isso foi há muito tempo?
— Tempo suficiente para eu esquecer como era ter uma família de verdade.
As palavras pairaram no ar entre nós, pesadas e cheias de significado.
— Deve ser horrível.
— É. Mas, de algum jeito, você aprende a viver com isso.
A sinceridade dele me pega desprevenida, e antes que pudesse me conter, encosto minha cabeça em seu ombro. Não era um gesto planejado, mas ele não se afastou. Na verdade, parecia que ele também precisava disso.
— Sabe... eu faria qualquer coisa para ter meus pais de volta. — Minha voz sai baixa, quase engasgada.
— Eu sei, mas olha... Você tem isso aqui. — Ele gesticula para a casa da árvore, para o céu, para o vento que soprava em nossos rostos.
Reviro os olhos novamente.
— E o que eu faço com isso?
— Você senta aqui e respira. — Ele sorriu, mas dessa vez foi um sorriso pequeno, quase triste. — E espera pelo próximo momento bom.
Eu queria discutir, queria dizer que ele estava errado, mas algo na simplicidade de suas palavras me calou.
— Você sempre foi assim? — pergunto. — Tão... filosófico?
— Só quando estou tentando impressionar alguém.
Eu ri, uma risada curta e inesperada, mais um reflexo do momento do que qualquer outra coisa. A surpresa de uma reação que eu não esperava, uma leveza que me atingiu, dissipando a tensão que pairava no ar. Eu mesma fiquei surpresa com o som que saíra da minha boca, como se fosse algo que eu não soubesse mais que existia.
— Não está funcionando. — Eu disse, tentando recuperar o controle, mas a verdade era que eu não queria.
— Ainda assim, fiz você rir. — A resposta dele foi simples, mas a confiança na voz fez meu coração acelerar um pouco, como se a leveza dele tivesse se infiltrado na minha própria.
Ele não respondeu mais, e nem eu. O silêncio entre nós se fez confortável, acolhedor, quase como se as palavras não fossem mais necessárias. O vento continuava a passar, o farfalhar suave se misturava ao silêncio, preenchendo os espaços entre os nossos corpos como se o próprio universo estivesse colaborando para que fôssemos dois, em vez de dois vazios. Como se ele tivesse, de alguma forma, afastado as sombras que me perseguiam, apenas com a presença dele.
O céu estava lentamente deixando de ser laranja, a cor suave se desfazendo como um sonho ao amanhecer. O tom alaranjado que antes dominava a paisagem agora se diluía em uma mistura suave de roxos e azuis, como se a noite estivesse se espalhando devagar, sem pressa de tomar seu lugar. As árvores lá embaixo, que antes pareciam apenas sombras escuras, agora ganhavam mais definição, os galhos se tornando silhuetas contra o horizonte que se apagava lentamente.
Senti o toque dele no meu ombro, leve, mas firme o suficiente para me ancorar. Não foi um gesto grandioso, mas, talvez por isso, tenha sido mais significativo. Não houve pressa, nem necessidade de palavras, mas eu sabia que aquele toque não era só um toque. Era a promessa silenciosa de que, naquele momento, ele estava ali, ao meu lado, sem pressa de partir.
Minha respiração se ajustou, mais calma, mais profunda, como se ele estivesse lentamente me ensinando a respirar de novo. O peito ainda pesava, mas não da mesma forma. Havia uma presença suave que, apesar de não preencher o vazio, fazia com que ele não fosse tão grande. Como se ele tivesse dado significado ao que antes parecia uma completa perda.
Olhei para ele, os olhos se encontrando de forma quase natural,
E, de repente, as coisas pareciam um pouco mais suportáveis.
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