Capítulo 3
As luzes piscantes e o som grave da música chegam até nós mesmo com as janelas do carro fechadas. Dirijo devagar pela rua estreita, ladeada por carros estacionados de maneira desleixada. Caitlin está ao meu lado, ajustando o batom no retrovisor enquanto o ritmo da música eletrônica pulsa à distância.
— Cara, olha isso! Parece que a festa tá pegando fogo. Literalmente. — Caitlin ri, apontando para uma chama improvisada sobre um tambor de metal no quintal da fraternidade. Algumas pessoas ao redor aplaudem como se fosse a maior atração da noite.
Eu solto uma risada curta, mas meus olhos estão focados em encontrar um lugar para estacionar. Um grupo passa por nós, carregando um barril nos ombros, gritando e rindo como se fossem estrelas de um filme adolescente.
— Essas festas sempre parecem tão caóticas — comento, tentando manter o tom leve, mas uma pontada de nervosismo escapa na minha voz.
— E é exatamente por isso que são incríveis! — Caitlin responde com entusiasmo, jogando o cabelo para trás e me encarando com um sorriso confiante. — Vem cá, Carly. Pelo menos tenta se divertir hoje, ok? A vida é muito curta pra ficar trancada em casa assistindo séries o tempo todo.
Dou um suspiro enquanto finalmente avisto um espaço na calçada um pouco à frente. Estaciono com cuidado, o som dos pneus chiando levemente contra o asfalto.
— Ok, chegamos — anuncio, desligando o motor e olhando para Caitlin. Ela já está ajustando a alça do vestido, pronta para conquistar o mundo.
— Pronta? — ela pergunta, com uma sobrancelha arqueada e um sorriso que deixa claro que ela espera um "sim" como resposta.
— Não. — Respondo com sinceridade, mas não consigo evitar um sorriso pequeno, quase nervoso.
Descemos do carro e somos imediatamente envolvidas pelo ar abafado e o cheiro forte de álcool e grama recém-cortada. Caitlin desliza o braço pelo meu, como sempre faz quando quer me arrastar para alguma aventura. Seguimos em direção à casa da fraternidade, que parece um monstro de luzes coloridas e fumaça. A fachada branca está parcialmente coberta por faixas que dizem "Bem-vindos" e "Drink ou Desafio". Alguém pendurou um manequim vestido como super-herói no telhado, e um grupo na varanda está rindo de algo que não conseguimos ouvir.
— Meu Deus, olha aquilo. — Caitlin aponta para um rapaz equilibrando três garrafas na cabeça enquanto dança. — Impressionante ou patético?
— Um pouco dos dois. — Dou risada, sacudindo a cabeça, enquanto desviamos de duas garotas sentadas na calçada, claramente mais bêbadas do que o que deveria ser humanamente permitido.
Quando chegamos à entrada, sinto um nó de ansiedade no estômago. Caitlin segura minha mão e me dá um olhar tranquilizador.
— Você vai sobreviver, Carly. Prometo. — Ela pisca, me puxando para dentro da festa.
O som explode ao atravessarmos a porta, a música tão alta que parece uma entidade viva. A casa está lotada, pessoas dançando, bebendo e gritando. Os jogos luzes estão por toda parte, criando uma atmosfera inebriante, enquanto a fumaça de uma máquina de gelo seco cobre parte do chão. Caitlin parece totalmente em casa.
— Vem, vamos achar algo pra beber! — ela grita, me puxando pela mão através da multidão.
Eu tento sorrir, mesmo sentindo meu coração acelerar, e a sigo. Pegamos copos de vodca que estavam postos sobre a mesa da sala e andamos por entre as pessoas, vendo todos os cômodos, falando com alguns conhecidos da Caitlin e que, consequentemente, também falam comigo. Andar é difícil no meio de tanta gente, mas conseguimos chegar na área dos fundos. Quando saímos, o ar fresco nos envolve por um breve instante, mas logo percebo que, se a sala principal era um caos, os fundos da casa são um pandemônio. O jardim da fraternidade está iluminado por fileiras de lâmpadas penduradas entre as árvores, mas isso não ajuda a aliviar a bagunça. É como se todo o caos da festa tivesse se concentrado nesse espaço. Olho assustada para Caitlin ao meu lado.
Há um grupo ao lado de uma fogueira improvisada, gargalhando alto enquanto um cara tenta malabarismos com garrafas de cerveja – e falha miseravelmente, derrubando uma delas no chão. Em um canto, algumas pessoas disputam uma mesa de beer pong, enquanto outros jogam algo que parece ser uma versão caseira de luta livre em um colchão velho jogado na grama. Risadas explodem ao redor, como se o lugar inteiro estivesse girando em um ritmo frenético que não consigo acompanhar.
Meus olhos percorrem o espaço, procurando um canto mais tranquilo, mas tudo o que vejo são pessoas completamente entregues à confusão. Tento respirar fundo, mas é difícil não me sentir esmagada pelo som e pela energia avassaladora que parece tomar conta de tudo.
— Isso é insano — murmuro.
Inesperadamente, no meio de tanta gente, sinto uma espécie de gravidade que puxa minha atenção em uma direção específica. Quando passeio meus os olhos por entre tantas cabeças iguais, eu o vejo. Miles.
É impossível não notá-lo. Ele parece diferente de qualquer outra pessoa daqui, como se o caos da festa não o tocasse. Miles tem aquele tipo de presença que faz as pessoas se virarem, mesmo que não saibam exatamente o porquê. Ele anda com confiança, os ombros relaxados, as mãos enfiadas nos bolsos da calça jeans preta que parece feita sob medida. Sua camiseta cinza clara destaca os músculos definidos de seus braços e o peito, e seu cabelo loiro desgrenhado brilha sob as luzes das árvores. Percebo que ele me olha e, nesse instante, poderia afirmar que ele consegue enxergar mais do que eu gostaria que alguém visse. Meu estômago dá um nó. Ele sorri enquanto se aproxima ainda mais, porém não é um sorriso qualquer. É aquele meio sorriso de quem sabe exatamente o efeito que causa nas pessoas, uma mistura de charme e desafio que faz meu coração disparar.
Miles para na nossa frente ainda sorrindo.
— Olha só quem finalmente apareceu. Tá se divertindo, Miles? — Caitlin provoca, cruzando os braços, mas com aquele tom típico dela, que nunca é sério demais.
— Como sempre, maninha. Só observando a festa — ele responde, com um sorriso de lado. Seus olhos então se voltam para mim, e ele parece me analisar por um segundo antes de falar. — E você, Carly? Sobreviveu ao caos até agora?
Sinto meu rosto esquentar, mas consigo manter a postura.
— Estou me adaptando — respondo, com um riso tímido. — Acho que isso aqui é um pouco mais... animado do que eu esperava.
— Ela tá sendo modesta, Miles — Caitlin intervém rapidamente, cutucando meu braço. — A Carly tá se saindo super bem. Até pensei que ela fosse pedir pra ir embora na primeira meia hora, mas olha só, ela tá aqui firme e forte.
— É... mérito seu, Caitlin, por ter me convencido — digo, tentando não olhar diretamente para Miles por muito tempo.
— Claro que é mérito meu! — Caitlin diz, rindo. Então, com um tom casual, mas claramente planejado, ela adiciona: — Sabe, Miles, a Carly disse que só topou vir porque sabia que você estaria aqui.
Meu coração para por um segundo, e encaro Caitlin com os olhos arregalados.
— Caitlin! — exclamo, sentindo meu rosto corar ainda mais.
Miles levanta as sobrancelhas, surpreso, mas há um sorriso curioso no canto dos lábios.
— É mesmo? — ele olha pra mim, e sinto como se o ambiente tivesse ficado mais quente.
— Não foi exatamente assim... — começo, tentando desesperadamente recuperar o controle. — Eu só... sabia que você estaria por perto, então parecia uma boa ideia...
Caitlin corta minha tentativa desajeitada de explicação com uma risada.
— Relaxa. Eu tô brincando. — mas o jeito como ela me olha diz que foi tudo bem calculado.
Miles ri baixinho, mas não tira os olhos de mim.
— Bom saber que tenho alguma utilidade em convencer as pessoas. — Ele faz uma pausa, como se estivesse escolhendo as palavras. — Espero que a festa não esteja tão ruim assim pra você.
— Não está... tão ruim — digo, com um sorriso pequeno. — É bom sair da rotina às vezes.
— Isso é um elogio pra mim? — Caitlin pergunta, brincalhona. — Porque claramente sou eu quem tá garantindo que a Carly tenha uma noite incrível.
Miles ri e dá de ombros.
— Claro, Caitlin. Todo crédito pra você.
Antes de se afastar, ele lança um último olhar para mim, com um sorriso que parece carregar algo a mais.
— Foi bom te ver, Carly. Aproveite a noite.
Quando ele some no meio da multidão, solto um suspiro que nem percebi que estava segurando. Caitlin se vira pra mim com um sorriso travesso.
— Eu não disse nada de errado — ela diz antes que eu possa protestar. — Só dei um empurrãozinho. Você precisava.
— Caitlin, você é impossível — resmungo, mas não consigo evitar um sorriso.
— Talvez, mas você me ama mesmo assim. — Ela dá de ombros, voltando a mexer no celular. — E, pelo que vi, ele não pareceu nem um pouco incomodado com o que eu disse. Então, quem sabe?
Mordo o lábio, tentando não pensar demais no que ela acabou de falar. Mas a verdade é que, por mais que eu tente, não consigo esquecer o jeito como Miles me olhou antes de ir embora.
***
Voltamos para dentro da casa e a música reverbera por toda a sala de estar. Todos os móveis foram afastados, dando um espaço amplo para nos movimentar. Estou no meio da pista com Caitlin, e, contra todas as probabilidades, estou dançando. Minhas mãos seguram um copo de plástico vermelho com uma bebida doce demais, mas que Caitlin garantiu ser "leve e divertida".
— Tá vendo? Não é tão ruim assim! — Caitlin grita por cima da música, rodopiando com uma energia que só ela tem.
— Eu nunca disse que era ruim! — respondo, tentando acompanhar o entusiasmo dela.
Ela ri alto e levanta o copo dela, me encorajando a beber mais um gole. A bebida aquece minha garganta e me dá um pouco mais de coragem para continuar. Por alguns momentos, esqueço a bagunça ao meu redor e apenas tento me mover no ritmo, mesmo que de forma desajeitada. De vez em quando, meus olhos encontram Miles. Ele está mais distante, perto do bar improvisado no canto da sala bebendo algo em seu copo de plástico, cercado por amigos e algumas garotas que parecem modelos de revista. Em um momento, ele está rindo alto com alguém; no outro, vejo uma garota se aproximar, e eles começam a se beijar. Ela é incrivelmente bonita, com cabelos negros caindo sobre suas costas e sua pele alva que a destaca na multidão. O jeito como ele a segura parece tão fácil, tão natural. Sinto um aperto estranho no peito.
— Carly, tá tudo bem? — Caitlin pergunta, interrompendo meus pensamentos.
— Tá... tô ótima! — minto, tentando esconder a decepção. Forço um sorriso e tomo mais um gole da minha bebida.
Mas meus olhos insistem em voltar para Miles. Agora ele está encostado no balcão, conversando com outra garota. Ele se inclina para falar algo no ouvido dela, e logo depois estão se beijando também. A sensação incômoda se intensifica.
— Ele é assim mesmo — Caitlin comenta do nada, como se tivesse lido meus pensamentos.
— Assim como? — pergunto, tentando soar casual, mas minha voz sai um pouco hesitante.
— Miles... Ele gosta de se divertir. Especialmente quando tá bebendo. — ela dá de ombros e vira o restante do próprio copo. — Mas ele não é um idiota, se é isso que você tá pensando.
— Não estou pensando nada — respondo rápido demais, o que só faz Caitlin arquear uma sobrancelha, me olhando como se soubesse de algo que eu não admiti nem pra mim mesma.
— Certo. Claro que não.
Tento ignorar a conversa e me concentrar na música novamente. Caitlin me puxa, fica atrás de mim e rebolamos o quadril juntas no ritmo envolvente da canção, expondo toda a sensualidade que temos. Reparo alguns caras nos olhando e, sinceramente, gosto "um pouquinho" disso. Esqueço o que estava me incomodando e acabo soltando um riso. Não tem como ficar triste ao lado dela, sua energia me engloba e sei que não dar para resistir. Por alguns minutos, esqueço tudo.
Então, como se meu cérebro ativasse um lembrete automático, me direciono ao Miles outra vez. Vejo-o rindo enquanto dois amigos dele entregam um copo com bebida e gritam em uníssono para virar tudo. Percebo que ele parece mais bêbado do que antes, o olhar mais pesado, os movimentos menos calculados. Pergunto quanto copos desses ele já virou. No mesmo segundo, a mesma garota de antes volta, puxando-o pela mão, e ele a segue sem hesitar, desaparecendo entre a multidão rumo aos corredores da casa.
— Ele tá só se divertindo, Carly — Caitlin diz de repente, como se precisasse reforçar a ideia.
— Eu sei. Eu só... Não imaginei que ele fosse assim. — Minha voz sai baixa, quase inaudível sobre a música.
Caitlin me encara por um momento, mas não diz nada. Ela simplesmente segura minha mão e me puxa para mais perto.
— Vamos esquecer ele por agora. Você tá aqui pra se divertir, não pra ficar analisando cada movimento do meu irmão idiota.
Assinto, mesmo que uma parte de mim ainda insista em olhar para a direção onde o vi pela última vez. Tento afastar o aperto no peito e foco na única coisa que consigo controlar: dançar e aproveitar o momento. Mesmo que seja só um pouco.
***
Não sei quanto tempo se passa, mas sei que o som começa a me incomodar de uma forma impossível de sustentar. Meus pés doem pelo uso do salto e meu corpo está grudento. Só preciso sair daqui um pouco.
— Caitlin, vou ao banheiro — aviso, inclinando-me para ela ouvir.
— Quer que eu vá com você? — pergunta, sempre protetora.
— Não precisa! — grito de volta.
Respiro fundo e me lanço no meio da multidão. O ritmo da música eletrônica domina o espaço, fazendo todos pularem como uma massa homogênea. Eu me esgueiro entre os corpos suados, lutando para chegar ao banheiro sem ser arrastada pela onda de dançarinos. Quando finalmente alcanço a porta no fim do corredor, suspiro aliviada. Entro no banheiro e fico surpresa com o tamanho. O chão é revestido de azulejos brancos, alguns com marcas de sapatos e manchas de bebida, como se centenas de pessoas tivessem passado por ali sem se preocupar com a limpeza. À esquerda, há três boxes com portas de madeira pintadas de preto. Algumas têm rabiscos e mensagens escritas com canetas ou marcadores, típicas de festas universitárias: nomes, corações e até desenhos engraçados ou frases de efeito.
Na parede oposta, um espelho enorme ocupa quase toda a extensão do espaço. Ele reflete não só a luz fria e brilhante que vem do teto, mas também a desordem e a energia caótica do ambiente. Abaixo do espelho, há uma bancada longa de mármore preto, levemente manchada pela umidade e pingos de bebida. Três pias de porcelana branca estão embutidas na bancada, com torneiras prateadas ligeiramente gastas pelo uso constante.
Lá dentro, o ambiente não é silencioso, mas o som abafado é um alívio comparado ao tumulto do lado de fora. Tiro o celular do bolso e verifico as horas. Já passa da uma da manhã. A exaustão domina meu corpo.
"Como as pessoas conseguem ficar em festas por tanto tempo?"
Apoio-me na pia e olho para o espelho. Alguns fios do meu cabelo estão rebeldes. Os arrumo rapidamente, tentando esquecer do quanto meu corpo pede pela minha cama.
De repente, o som de uma porta de box se abrindo ecoa pelo banheiro. Meu coração dá um salto e me viro instintivamente em direção ao barulho. É Miles.
— Oh, me desculpe! Achei que era o banheiro feminino — digo, sentindo meu rosto corar. Nossos olhares se encontram.
— Na verdade, os banheiros são unissex. — Ele sorri de lado e se aproxima com passos lentos. Meu estômago dá um nó.
Ele me observa com um olhar penetrante. A tensão no ar é palpável, quase irreal, como se o ambiente ao redor tivesse desfocado, enquanto tudo que consigo focar é nele. Miles solta uma risada baixa e a expressão séria se desfaz.
— Também não gosto dessa bagunça toda — ele diz apontando para porta do banheiro — Prefiro muito mais um lugar tranquilo sabe? Onde posso ouvir meus próprios pensamentos.
Rio de volta, surpresa com a sinceridade nas palavras dele, e sinto uma conexão momentânea que sempre buscara ter. Talvez ele fosse mais do que o estereótipo do garoto popular e pegador que vi durante a noite, talvez houvesse algo mais por trás daquele sorriso desdenhoso e beleza estonteante.
— Nem me fale — respondo, mexendo em uma mecha de cabelo, tentando disfarçar o nervosismo. — O caos dessa festa me dá calafrios. Nunca entendi o porquê de todo mundo gostar tanto.
Miles dá uma risadinha, dando a entender que compartilha a mesma opinião.
— Então o que você está fazendo aqui, Carly? — pergunta, e sua voz ganha uma leve curiosidade, com a tensão aumentando no ambiente. — Não é exatamente o tipo de lugar para quem odeia barulho.
Olho para ele, percebendo a forma profunda que me observa. Puxo todo ar que consigo e desvio o olhar do dele. Não sei se é o álcool ou qualquer outra coragem momentânea, mas quero tomar alguma atitude nesse momento.
— Caitlin meio que disse o motivo. — digo baixo
— Sério?
Assinto com a cabeça.
— Eu só... — hesito — Eu só... queria ver você.
Eu o encaro e percebo que Miles me observa de cima a baixo, e seu sorriso cresce, encantador e perigoso. Dou alguns passos para trás até sentir a borda fria do mármore contra minha cintura. Minha respiração acelera. Ele sempre me ignorou, mas agora seus olhos parecem focados exclusivamente em mim.
— Isso é bom, porque sempre te achei bem bonita, Carly — diz, a voz rouca e baixa, enquanto reduz ainda mais a distância entre nós. — Realmente muito bonita.
Seus dedos tocam minha bochecha, deslizando suavemente pela pele. O toque é inesperado, mas também carrega um peso que me paralisa. Antes que eu perceba, ele se inclina, e seus lábios encontram os meus. Seu hálito de bebida barata permeia toda minha boca, mas não me importo. Eu queria isso. Minha mente está em um turbilhão enquanto passo as mãos ao redor do pescoço dele, sentindo a maciez de seus cabelos. Suas mãos deslizam para minha cintura e, em seguida, descem para minha bunda, me levantando com facilidade e me posicionando sobre a pia. Instintivamente, envolvo sua cintura com minhas pernas. O beijo torna-se mais feroz, suas mãos explorando mais do que deveriam. Sinto sua mão deslizar pelas minhas costas, subindo até minha nuca, enquanto a outra aperta minha coxa. O mármore gelado contrasta com o calor que se acumula entre nós. Eu tento acompanhar a intensidade dele, mas meu coração dispara, e tenho certeza que o que sinto não é só desejo. Há uma dúvida silenciosa se criando no fundo da minha mente. Seus dedos tentam levantar meu vestido e, automaticamente, eu gelo.
Por sorte, ele interrompe o beijo por um momento, olhando nos meus olhos. Seu sorriso é torto, embriagado, mas incrivelmente atraente.
— Você é linda, Carly... — ele murmura, a voz rouca, antes de voltar a beijar meu pescoço.
Sinto meu rosto esquentar, mas, por dentro, uma pontada de desconforto surge. Não porque eu não queira estar ali, mas porque tudo parece rápido demais, intenso demais. Tento respirar fundo, convencendo-me de que é normal, de que é só deixar acontecer.
Miles deixa os lábios viajarem até meu ombro, suas mãos deslizando para as alças do meu vestido. Ele começa a puxá-las para baixo, mas o gesto faz o desconforto ganhar força. Coloco minhas mãos no peito dele, afastando-o gentilmente.
— Miles, espera... — digo, minha voz quase um sussurro, mas firme.
Ele para e me encara, a expressão um misto de surpresa e frustração.
— Tá tudo bem? — pergunta, mas sua voz soa ligeiramente impaciente.
Desvio o olhar, tentando encontrar as palavras certas.
— É só... — Respiro fundo, tentando parecer mais confiante do que me sinto. — Tá indo rápido demais.
Miles solta um suspiro, passando a mão pelo cabelo bagunçado.
— Pensei que você quisesse isso — ele diz, não exatamente rude.
— Eu quero... eu acho. Só não assim, sabe? — tento sorrir para aliviar a tensão, mas minha voz vacila.
Miles parece compreender o que digo, mas logo em seguida seu olhar volta a se fixar em mim com a mesma intensidade de antes. Ele dá um passo à frente, aproximando-se de novo. Sua expressão agora mistura frustração e desejo, uma combinação que considero perigosa.
— Carly, você não tem que se fazer de difícil — diz ele, a voz mais baixa e insistente. — Eu sei que você quer.
Ele encosta seus lábios nos meus novamente, mesmo eu usando toda força que tenho para afasta-lo. A tensão nos meus músculos se acumula, e, por um momento, parece que tudo ao meu redor está se tornando distante, como se o som da música e as vozes da festa estivessem desvanecendo. Sem que eu pudesse conter, sinto a sensação da magia, a tanto adormecida, fluir. É como um rio subterrâneo, invisível, mas sempre presente. Miles levanta meu vestido, suas mãos apalpando minha bunda contra minha vontade. Sinto nojo e raiva. Algo dentro de mim desperta de forma bruta, como um vulcão prestes a entrar em erupção.
Primeiro, é uma tensão crescente, uma pressão no meu peito, como se meu corpo estivesse sendo puxado em duas direções opostas. Sinto minhas mãos formigarem e o calor começa a se concentrar nelas. O ar ao meu redor parece ficar mais denso, pesado, como se o ambiente todo estivesse carregado com uma eletricidade silenciosa. Eu sinto isso mais forte do que nunca, essa força fluindo de dentro de mim, de algo profundo e instintivo. Algo que nunca precisei pedir, mas que sempre esteve lá, esperando ser liberado. Não há palavras, não há encantamentos. Tudo o que sei é que minha mente e corpo estão sendo invadidos por uma energia que não pode mais ser ignorada.
Quando eu toco minhas mãos em direção a Miles para empurra-lo, sinto um fluxo de pura energia se canalizasse através delas. A magia simplesmente se solta, como um relâmpago invisível atingindo o alvo sem misericórdia. O calor explode nas palmas das minhas mãos, e, no instante seguinte, a força é liberada em um impacto violento. Miles voa longe caindo sobre os boxes, quebrando-os em um estalo alto abafado pela música.
A sensação de ter visto Miles ser lançado para trás, como se ele fosse uma pedra lançada ao vento, é ao mesmo tempo aterradora e empoderadora. É como se o mundo tivesse se curvado ao meu comando. O poder não é só físico; é uma onda de intensidade emocional que me arrasta, me deixa tonta, mas ao mesmo tempo me preenche com um vazio perturbador.
Miles está no chão, sobre os restos das madeiras que sustentavam o boxe. Meu corpo ainda está em alerta com tudo que aconteceu, as mãos esticadas e levemente tremendo, como se o eco da magia que acabei de liberar ainda estivesse reverberando dentro de mim. Estou levemente assustada, mas, ao mesmo tempo, há um alívio, uma quietude súbita. O poder dentro de mim começa a se dissipar, mas deixa um rastro de calor e cansaço.
— Eu disse que não, Miles. — Minha voz sai mais firme do que eu esperava, mais controlada, como se algo mais estivesse falando por mim.
Ele fica imóvel por um instante, os olhos arregalados, ainda tentando processar o que acabou de acontecer. Eu fico ali, ofegante, as mãos ainda estendidas, sentindo o resíduo do poder vibrando em mim. Miles tenta se levantar, mas sua postura está desorientada, seus movimentos lentos e confusos. Ele me encara, a expressão em seu rosto um misto de surpresa e raiva.
— O que... o que foi isso? — Ele balbucia, a voz rouca.
Eu não sei o que dizer. Não sei como explicar isso. E, sinceramente, não tenho certeza se quero. Me afasto lentamente, o coração ainda batendo forte no peito, e vejo Miles ficando de pé novamente, com dificuldade, mas sem se aproximar. Ele parece furioso, mas também perplexo. Eu não posso me dar ao luxo de esperar para ver o que ele vai fazer. Saio do banheiro apressada, minha mente ainda girando, ainda tentando entender o que aconteceu, o que acabei de liberar.
O peso daquilo tudo me assola. Minha mente está um borrão, tudo girando, e a única coisa que consigo pensar é em sair dali, o mais rápido possível. Meus passos são rápidos, quase mecânicos, enquanto saio do banheiro. Eu sei que as pessoas lá fora ainda estão se divertindo, mas eu mal consigo perceber os rostos ao meu redor. Apenas quero sumir. Sair. Ficar sozinha. Eu odeio tanto Miles, que a simples ideia de eu gostar dele parece distante agora. Ele me olhou como se fosse só mais uma garota que ele podia manipular, tocar quando bem entendesse. Meu estômago embrulha ao imaginar outras garotas que ele possa ter feito isso. Ido adiante sem que elas pudessem se defender.
Quero ele morto, esquartejado, preso, porém não consigo evitar sentir uma certa preocupação pela Caitlin. Eu sei que ela é minha amiga, e sei que ela me conhece o suficiente para perceber que algo não está certo. Ela vai perguntar o que aconteceu. E eu não sei o que dizer. Não sei como explicar o que fiz, nem como dizer que seu irmão é um escroto, muito menos explicar a magia que usei para me livrar de Miles. Eu nunca fiz algo assim antes, nunca senti essa força tão intensa dentro de mim. A ideia de que ela possa descobrir me deixa tensa, desconfortável. Eu não sei se estou pronta para conta-la sobre o que sou de verdade, sobre o que posso fazer.
Passo pela sala e olho para Caitlin lá dentro da festa, ainda animada, cercada de amigos, sem saber o que aconteceu. Apresso o passo e saio da casa, tentando passar despercebida no meio da multidão que não me percebe, imersa na diversão que não consigo mais acompanhar. Respiro fundo assim que coloco os pés na calçada, sem olhar para trás. Peço um táxi rapidamente. Não quero esperar, não quero mais ficar ali, no meio de tudo aquilo. O motorista chega logo, e, sem pensar duas vezes, entro no carro, com o peso de tudo o que aconteceu ainda me esmagando os ombros. Sento no banco, falo meu endereço e olho pela janela a festa ficando mais longe. Sinto uma mistura de alívio e medo. Só quero está em casa, debaixo dos meus lençóis. Deixo o carro de Caitlin lá. Ela pode voltar para casa mais tarde, sem saber de nada. Depois eu me explico com ela.
O barulho da festa diminui a medida que o carro avança. A última parte dessa noite que parece não ter fim, fica para trás.
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