11 - Ação E Reação (B)
Breanne Lookword
Assim que os Apagões vigilantes contaram sobre o bloqueio territorial, me lembrei que haviam outras formas de entrar na cidade. Preciso admitir, não era uma decisão fácil mas se fazia necessária diante das circunstâncias.
Nem sequer tinha certeza do caminho que pegava. Há anos não o percorria, e no escuro seria um enorme desafio.
Nunca mais havia voltado à cabana do meu pai depois de sua morte. Nem sabia se ela ainda existia e se estava inabitada.
Ele a construiu após descobrir a gravidez da minha mãe - que morreu durante o parto - o que era bastante comum visto a falta de auxílio. Desde então tinham sido apenas eu e meu pai. Bonner Lookword era idealista, curioso e benevolente. Não existia ninguém como ele.
Nossa casa era cheia de livros de história. Meu pai estudava sobre os Iluminados e tentava entender suas motivações, ou melhor dizendo, suas reais motivações...
Naquela época não era proibido atravessar a área delimitada, a menos que fosse um assassino, e meu pai definitivamente não era. No entanto, os Apagões não podiam ir tão a fundo na cidade ou entrar nos locais, exceto em um : A Taberna do Demônio.
Se localizava longe do centro e da grande civilização. Ficava onde chamavam de periferia. É isso mesmo, Dawn Village não era totalmente perfeita. A Taberna do Demônio reunia Apagões e Iluminados e foi assim que meu pai conheceu Diane Batchelor.
Ele era uma espécie de barman, mas existia de tudo ali. Desde traficantes e prostitutas até curandeiros medicinais. A Taberna do Demônio era o ganha pão de muitos que viviam no Vale da Escuridão.
- Ei! - Walter chamou, me tirando dos devaneios. - Qual caminho pegamos agora?
Olhei pra ele um tanto confusa até recobrar a total consciência. Observei a paisagem ao nosso redor. Era tão... Diferente! Mas eu sabia que estávamos perto.
Procurei por uma árvore de galhos firmes, flexionando os joelhos a fim de me impulsionar para cima, fui subindo até um galho mais alto, que proporcionasse uma visibilidade melhor.
Puxei do pescoço o binóculo noturno que Trevor me emprestara.
Daquela altura as pessoas ficavam pequenas. Vi Kurt nas linhas de trás bradando com alguém que caminhava fora da trilha, e Batchelor na linha de frente... olhando pra mim.
Retomei minha atenção ao que estava fazendo, varrendo visualmente o espaço até enxergar um pedaço de alguma coisa que parecia muito uma chaminé. Escalei um pouco mais alto.
- Breanne, toma cuidado! - Iron gritou de baixo.
Eu não iria cair. Na verdade, me sentia mais segura ali do que em terra firme.
Os galhos raspavam minha palma, mas depois de tanto tempo fazendo aquilo, já nem incomodava mais, minha pele era uma camada grossa e resistente.
Finalmente alcancei um ponto perfeito, ajustei o binóculo e ampliei a lente... Ah! lá estava ela, ou o que sobrara dela... Aparentemente havia muito musgo e madeira apodrecida, esperava que não terminasse de cair em cima de nós.
De acordo com o aparelho ocular, nosso destino ficava a 800 metros de distância.
- Está logo a frente! - Gritei apontando para o norte.
Preparava para descer quando alguém na multidão me chamou atenção. Usava roupas largas e um capuz negro como a noite, eu não teria percebido se a tocha não tivesse iluminado tão bem seu rosto...
Crisella prendeu a respiração notando que havia sido descoberta, seus olhos emanavam uma súplica : "Não conte nada a ele". Mas que inferno...
Saltei da árvore quando já estava a uma distância segura do chão, e caminhei despreocupadamente até Kurt, este arqueou uma das sobrancelhas assim que me viu.
- Escute - Falei a meia voz. - A garota de capuz preto não devia estar aqui... - Ele nem sequer olhou em volta para saber do que eu falava, provavelmente já a observava antes estranhando as vestimentas.
- Certo, posso retirá-la em u... - Se aprontou já girando nos calcanhares. Segurei seu ombro.
- Não! - Sussurrei. - Preciso que fique de olho nela. Não tire os olhos da garota nem por um segundo, entendido?
A testa formou vincos de questionamento.
- Ela é Crisella Pye. Não quero ter que presenciar um conflito familiar agora, então só garanta que ela permaneça em segurança.
Era tarde demais para voltar ao acampamento. Pediria que alguém de confiança atravessasse Cris depois que tivéssemos uma séria conversa.
E com isso retornei à minha posição ao lado de Walter que me observava com cautela.
- Chegaremos em questão de minutos. - Falei demonstrando alívio.
Não contaria a ele sobre a companhia da irmã. Isso nos atrasaria e com certeza acabaria uma longa discussão e caras fechadas. Me certificaria de que Cris permanecesse a salvo e no final tudo ficaria bem... Era o que eu pensava.
Minhas pernas doíam, mas não em decorrência da caminhada, acreditava que seria consequência do esforço físico para tentar não morrer afogada no rio. Como se adivinhasse meus pensamentos, Walter disse :
- Você está visivelmente cansada, devia estar em repouso. Não acredito que Breanne Lookword, em situações normais, ficaria tão ofegante após escalar uma arvorezinha.
Revirei os olhos com uma visível impaciência. Como se a vida quisesse aproveitar o momento para tirar sarro de mim, tossi involuntariamente.
- Eu não queria concordar mas ele tem razão. - Batchelor se intrometeu. - Sua cara não está das melhores...
- Nem a sua, Batchelor. - Comentei - Nem a sua.
Thalia achou graça do comentário. Ela e Donovan pareciam ter criado algum tipo de "amizade". Não queria questionar sua intenção mas esperava que não se apegasse a ele.
Já era possível ver a cabana quando um barulho fez com que todos nós parassemos.
Iron iluminou com a lanterna a fonte do estalo, e em seguida deu um passo involuntário para trás.
Pequenos faróis amarelos nos observavam por trás dos troncos longos das árvores.
Uma matilha.
- São lobos... Cinco para ser mais exato. - Iron disse a meia voz. Se virando para os outros, fez sinal para que ninguém se mexesse.
- Lobos não são animais relativamente tímidos? - Batchelor questionou parecendo fascinado com a situação.
- Que bom que disse "relativamente". - Pronunciei. - Porque não sei se você percebeu mas não tem muitos outros animais pra eles caçarem nessa floresta... Estão com fome e nós parecemos uma ótima refeição.
Donovan ainda não se mostrava abalado, muito pelo contrário, tentava esticar o pescoço na tentativa de enxergar melhor.
O bando se aproximou cautelosamente de nosso grupo, os caninos expostos.
Já havia me deparado com situações parecidas, geralmente eu subiria em uma das árvores mas naquele caso... Não se tratava apenas de mim.
- Bree, suba. - Walter sussurrou pelo canto da boca sem tirar os olhos dos animais e em posição de defesa.
Balancei a cabeça, não sairia dali. Não fugiria.
- Agora! - Gritou assim que um dos lobos atacou.
Não tive tempo de raciocinar direito. Puxei Donovan Batchelor que estava paralisado, e saí a procura de Crisella, alguns apagões brandiram facas o que chamou ainda mais atenção dos animais.
Disparei e só olhei para trás à tempo de ver Walter, Iron, Thalia e dois outros homens, formando uma roda em volta dos lobos. Os cinco com pedras e pedaços de madeira em mãos.
Para meu alívio Kurt já subia em um tronco com Cris em suas costas, a multidão me levava para frente e para trás.
Fogo...pensei enquanto tentava atravessar com Donovan para um lugar seguro.
De repente me veio a mente uma conversa com meu pai:
"Sabe como assustar um animal, Bree? - Ele perguntou enquanto afiava uma lâmina."
Neguei com a cabeça esperando que prosseguisse.
"Usando o medo dele contra ele mesmo. - Aquilo não fez muito sentido para a meu cérebro de sete anos. Meu pai riu. - Veja bem, estamos diante do que sobrou desse mundo, não podemos tirar dele mais do que o necessário. Mas se algum dia alguém ou alguma coisa quiser tirar algo de você... Mostre a ela o que pode destruí-la."
Novamente franzi a testa confusa.
"Tá, papai, mas o que pode destr... - Uma de suas sobrancelha se arqueou. - Assustar - Corrigi. - Um animal?"
"Qualquer coisa que ameace não apenas ele mas o lugar onde vive. - Respondeu. - No caso dos humanos, o segredo se chama poder. O poder assusta a qualquer um que não o tem."
"Mas o senhor não respondeu a pergunta! - Rebati com impaciência."
Os olhos enrugaram nos cantos. Ele estava rindo de novo!
"Você sabe a resposta."
- Para a direita! - Batchelor gritou fazendo com que eu recobrasse os sentidos.
Conseguimos nos esquivar da aglomeração correndo em direção à uma árvore alta.
- Consegue subir? - Perguntei, tentando procurar Walter e os outros daquela distância.
As coisas pareciam contidas por ora. Só precisavam de uma mãozinha.
Voltei os olhos para Donovan esperando por sua resposta, este engoliu em seco como se pedisse desculpas.
- Na verdade não...
Bufei, retirando a mochila preta e surrada de minhas costas e arregaçando as mangas da blusa.
- Vamos lá, segure naquele galho. - Ele obedeceu. - Impulsione o corpo pra cima e fixe os pés ali. Depois repita o movimento e por favor, não caia.
- Espera, você não vem?
- Não. Vou voltar e ajudar os outros. Tenho fogo. - Falei abrindo a mochila e retirando o acendedor.
Peguei um galho no caminho de volta e o acendi como uma tocha. Foi quando corri em direção à matilha.
Um dos animais estava com os dentes bem próximos ao rosto de Thalia que o impedia apenas com uma lenha posicionada horizontalmente entre ela e o bicho.
Quando viu a chama, o lobo voltou seus olhos amarelados para mim. Avancei, tentando afastá-lo com o fogo. Estava dando certo até um outro integrante da matilha tentar me atacar.
O primeiro instinto foi apontar o archote na direção dele e esperar que nossos corpos se chocassem mas não aconteceu.
Thalia se jogou contra o animal, empurrando-o de volta ao chão, atitude que deixou o resto do bando ainda mais enfurecido.
Agora o lobo estava em cima dela que permanecia em total desvantagem.
Uma pedra bateu forte no tronco próximo a onde Thalia e o lobo se enfrentavam. Donovan Batchelor havia descido de sua posição e usava um... Estilingue?
O animal se distraiu por tempo suficiente para que ela o jogasse longe e pulasse em um galho. Thalia ficou pendurada pelas mãos mas exibia firmeza e um sorriso zombeteiro.
Assenti para Donovan em sinal de agradecimento porém ainda me perguntando que diabos ele fazia ali.
Corri em sua direção no intuito de enxergar melhor quem precisávamos defender, afinal, ele ocupava um espaço estratégico.
- Quando aprendeu a usar isso? - Perguntei gesticulando o estilingue com o queixo.
- Agora. - Levantei as sobrancelhas levemente impressionada... Tá bem, tá bem, muito impressionada. - Alguém deixou cair na correria. E tenho experiência com armas bem mais complexas e letais que essa.
Ah, claro, seus pais...
Ele fechou um dos olhos mirando em um lobo próximo a Blayde. A pedra caiu perto da pata traseira do animal que se assustou e se escondeu.
- Mire naquela rocha. - Apontei. - Se espantarmos os três, Walter e Iron conseguem fugir deles.
Para nossa sorte, Donovan tinha uma ótima mira, assim como imaginei, os animais se afastaram, dando ao nosso pessoal a chance de se empoleirar nas árvores.
Puxei Batchelor para um dos galhos.
- Caramba! - Exclamou com adrenalina a flor da pele. - Isso foi uma loucura!
- Loucura total. - Concordei observando o bando entrar de volta para na mata.
- Não acreditei que fossem nos atacar. Pelo que li, lobos não deviam agir assim.
Puxei distraidamente uma folha próxima à minha testa.
- Não deviam. Estão com medo.
Apesar de grande parte da floresta ter sido queimada no passado, não era o fogo que eles temiam, até porquê toda reação, antes precisa de uma ação.
E o fogo era apenas isso, uma reação provocada pela ação de alguém.
Era de nós que tinham medo, éramos a maior ameaça.
Os humanos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro