Faz dias que estamos na estrada, meu corpo todo dói e estou faminta, não lembro mais da sensação de sentir a boca úmida, que droga de mundo é esse que não chove? Tive que me afastar do grupo para caçar pela floresta, sozinha, como seria bom não voltar de mãos vazias, ao menos Carl não está mais no meu pé. Nos últimos dias ele tem estado bem próximo mesmo que só como amigo, tê-lo como amigo não é tão ruim, assim ele não sofre tanto caso eu não volte pra casa algum dia, penso muito sobre minha morte, por mais que passe sede e fome a morte parece estar tão longe e ainda sim tão perto...
Avistei um esquilo, não muito longe, fazendo-me esquecer de tudo que estava pensando antes, caminhei silenciosamente na direção do roedor pensando em como faria Daryl orgulhoso em voltar para casa com o nosso jantar. Afinal, ele me ensinou muito de rastrear e caçar mas eu ainda estava aprendendo. Puxei minha faca do cinto em minha perna e me aproximei, até que o som de um galho quebrando ecoou pela floresta, TRACK! Era um maldito cadáver grunhindo em minha direção, a faca antes direcionada ao esquilo agora estava na cabeça do morto, quando voltei a procurar o roedor ele já estava longe.
— Melhor fugir mesmo seu merdinha! Aposto que seu gosto era péssimo! — Gritei sem me importar com a entonação, queria muito atrair uma horda pra me matar logo, não ia aguentar nem mais um dia sem comer ou beber.
Ouvi risadas vindo de minhas costas, Daryl havia escutado tudo, praguejei internamente envergonhada, ele se aproximou e deu dois tapinhas em minhas costas.
— Está aprendendo.
— Era meu jantar. — Disse chateada.
— Vamos logo pirralha — bagunçou meu cabelo como sempre fazia, eu odiava.
Voltei pisando forte no chão, Maggie e Sasha nos encontraram no caminho e voltamos juntos. O resto do grupo estava na estrada, todos no mesmo estado que eu, com sede e famintos, minhas pernas doíam, não tinha nem forças para chorar, pela primeira vez me senti um cadáver. Fazia dias que não tomávamos banho.
— Logo vai chover. — Carl disse ao meu lado tentando me reconfortar, fazia horas que estávamos na estrada caminhando sem rumo em baixo de um Sol fervente.
— É sério? — Ele preferiu ficar quieto ao notar que estava brava.
O mortos nos alcançaram, mas ninguém parecia preocupado, afinal, estávamos quase mortos como eles. A estrada era longe e olhar diretamente para ela sem ter um fim me deixava tonta, quase que podia sentir meus olhos fechando, ela ia e voltava ficando grande e pequena.
— Você está bem? — Carl perguntou-me ao notar que algo não estava certo.
— A-acho que sim. — Coloquei a mão na cabeça, estava fervendo.
Paramos para descansar, Rick fez um plano para nos livrarmos dos mortos, Carl, Judith e eu fomos deixados de fora para nossa segurança, o chão estava fervendo mal conseguia ficar em pé mas era melhor que me entregar ao calor do chão. Não demorou muito para se livrar dos mortos, voltamos ao grupo e continuamos a caminhar até encontrar carros bloqueando a estrada.
— Espera. — Rick pôs a mão em minha frente me impedindo de continuar, ele notou que havia algo errado.
Passamos devagar pelos carros, não havia nada de útil, nem mesmo uma garrafa de água, enquanto o grupo buscava por suprimentos pensei ter visto movimento na floresta, puxei minha arma e nem notei que havia me afastado do grupo, se havia algo ou alguém nos seguindo devia saber para avisá-los o quanto antes. Senti uma mão em meu ombro, o puxei e empurrei contra o carro torcendo seu braço.
— Ai. — Carl resmungou, o soltei aliviada.
— Carl! Que droga! Não me assusta assim!
— O que aconteceu? Você parece ter visto algo. — Respondeu olhando para a floresta.
— Acho que estou alucinando... — resmunguei, olhei para a floresta, não havia ninguém — que sede.
Senti minha perna formigar, quase caí, Carl me segurou preocupado.
— Vamos encontrar água.
Dei de ombros e continuei a caminhar o deixando confuso, podia ser coisa da minha cabeça mas sentia que algo ou alguém estava nos seguindo, paramos para descansar e cachorros saíram da floresta tentando nos atacar, puxei minha faca. Podia ver nos olhos de alguns membros do grupo, que droga, eles eram o mais próximo de jantar que teríamos, Sasha atirou em todos sem pensar, fechei os olhos tentando não pensar que aquilo era desumano. Ela havia perdido o irmão, e o homem que amava, então seu único instinto era fazer de tudo para sobreviver.
Rick fez uma fogueira e Daryl preparou os animais para comermos, era eles ou nós, não podia pensar no passado e em como era antes de andar sem rumo pela floresta e encontrar um grupo de esfomeados. Alguns decidiram não comer, estava faminta, sentia o que estavam sentindo mas tive que comer com culpa. Nem mesmo Carl entendia esse sentimento, era confuso sentir, por isso alguns de nós apenas ignoravam pela nossa sobrevivência.
— Ah, faria de tudo para matar minha sede. — Praguejei enquanto mastigava.
— De tudo? — Carl sorriu, o empurrei.
— Água, Grimes. Credo. — Corrigi.
— Sem graça.
Neguei, ele gargalhou e voltou a comer, a dor no meu estômago finalmente havia passado, por dias parecia que havia levado um soco. Carl me encarou preocupado com a rapidez em que mastigava.
— Ele está morto, não vai fugir da sua boca. — Disse e riu.
— Não posso dar a chance. — Sorri e dei outra mordida — Ei, do que estava falando?
— Você podia me beijar.
— Carl! — O empurrei, corada.
Parecia que nada havia mudado entre nós, tinha certeza de que era isso que ele imaginava. Voltamos para a estrada, como mortos, aquela carne havia me dado energia para continuar mas algo estava errado, sentia meu estômago embrulhar, deixei que o resto do grupo passasse por mim e corri para a floresta rapidamente.
— Trinity? Onde você foi? — Pude ouvir suas vozes me chamando da estrada.
Me apoiei em meus joelhos e pus tudo para fora, todo o meu jantar havia me feito mal, já não bastava ter comido com culpa.
— Pirralha. — Daryl chamou ao me encontrar, não deixou transparecer o quanto estava preocupado.
— Desculpa, fiquei enjoada — respondi e limpei a boca.
— Não corra mais desse jeito.
Assenti e ele deu espaço para mim passar.
— Não queria mais ninguém passando mal.
— Você está bem? O que aconteceu? — Rick perguntou assim que voltamos para a estrada.
— Ela passou mal — Daryl respondeu por mim.
— Está melhor? — Perguntou preocupado, assenti — desculpe por isso, não podemos parar.
Concordei, logo à frente haviam algumas garrafas de água com um bilhete escrito "de um amigo" alguns ficaram tentados a aceitar a ajuda, Rick não nos deixou beber, poderia estar envenenado, ou poderia ser uma armadilha.
— Não podemos beber dessa água. — Disse, praguejei internamente, só precisava de um gole, Carl sabia o quando estava sedenta.
— Aqui diz "de um amigo" — Carl disse.
— Quantos amigos encontramos em todo esse tempo que tentamos sobreviver — Respondeu, cruzei os braços chateada.
O grupo entrou em um debate, estavam todos sedentos, precisávamos daquela água, assim que decidimos não aceitar a ajuda começou a chover, foi como se algo estivesse do nosso lado. Fiz uma concha com minhas mãos e bebi, as gotas caíam fortes e frias sob minha pele, finalmente estava sorrindo com sinceridade, aquele dia havia acabado de se tornar o melhor dia de sobrevivência. A chuva começou a piorar, com raios e trovoadas, Daryl entrou na mata procurando por um abrigo e só retornou quando havia encontrado um celeiro, era seguro e quente, Ab havia feito uma fogueira e logo todos se sentaram em algum canto para descansar. Carl sentou-se ao meu lado e abraçou as pernas.
— O que foi?
— Como você está? — Perguntou, apenas verificando, sorri.
— Melhor, e você?
— Pensando.
— Sobre o que?
— Nós. Não vou desistir de nós. — Disse apoiando a cabeça no meu colo.
— Eu sei. — Sorri e acariciei seus cabelos bagunçados. Também não vou desistir de nós.
Fechei meus olhos e adormeci em meio a tempestade lá fora, me perguntava se o que estava fazendo era certo, minhas intenções eram certas mas estava tão confusa. Eu mesma havia me deixado confusa sobre minhas decisões. Eu o amava, por isso não podia ficar perto dele, nunca havia pensado nisso, mas agora entendia o sentimento dos adultos. Eu o amava.
Acordei ao ouvir as vozes dos adultos conversando, Rick, Glenn, Carol... tive que fingir que estava dormindo para não interromper.
— Esses dois são jovens, e tem um ao outro, você fez certo cuidar dela. — Carol disse, podia sentir a esperança em sua voz.
— Ela me salvou, senti que devia isso à ela — Rick dizia — ela me salvou de um morto, eu nem sabia o que estava acontecendo. Uma garotinha de 12 anos, armada, me salvou. Eu costumava ser o xerife.
Alguns riram baixinho, não ouvi muito mais, apaguei com o calor da fogueira, quando acordei parecia que algo estava tentando entrar pelas portas do celeiro, acordei Carl rapidamente.
— Carl! Tem algo errado!
Corri para ajudar, Carl pegou Judith e levou para longe, seria o nosso funeral, o resto da noite foi caótica, demorou para que a tempestade desse um jeito nos mortos. Ao amanhecer, o Sol voltou a brilhar, acordei com a cabeça confortavelmente sobre o peito de Carl, pulei para longe e Daryl riu ao presenciar tudo.
— Quieto — sussurrei me ajeitando, sentei ao lado dele.
— Trinity, me ajuda com uma coisa? — Maggie disse, assenti e fomos com Sasha para fora do celeiro, era uma vista assustadora, os mortos estavam presos nas árvores caídas.
— Nossa, que estrago — sussurrei para não chamar atenção.
Nos sentamos em uma pedra grande em baixo de uma das poucas árvores de pé. O Sol ainda estava nascendo, Maggie e Sasha conversavam enquanto eu assistia calmamente o nascer do Sol, Maggie puxou uma caixinha de música de trás e deu corda, a música enferrujada quebrou o silêncio da forma mais confortável possível.
— Daryl consertou. — Ela disse, sorri, não conseguia nomear esse sentimento, era confortável.
— Bom dia moças — uma voz masculina desconhecida veio de trás, puxamos nossas armas de imediato — meu nome é Aaron. Não vou machucá-las.
— Quem é você? O que quer? — Maggie perguntou mudando completamente a entonação.
— Eu sei que sou um estranho, mas, sou um amigo. — Disse, do bilhete, o homem que deixou as garrafas de água para nós.
Levamos Aaron até o resto do grupo, ideia da Maggie, se tem algo que Rick me ensinou é que nada nem ninguém era seguro, Maggie por algum motivo parecia confiar nele para ter guardado sua arma.
— Pessoal esse é o Aaron, encontramos ele lá fora e... — dizia quando todos pegaram suas armas e apontaram para o homem desconhecido. Rick foi dialogar com o homem.
— Onde você estava? — Carl perguntou baixo.
— Estávamos assistindo ao nascer do Sol quando ele apareceu — olhei para o homem entregando sua mochila para Rick, havia um envelope e fotos, era difícil de acreditar, mas ele tentava nos convencer de que havia uma comunidade segura para onde podíamos ir.
— Rick, onde estão as pessoas? — Perguntei baixinho, ele encarou o homem esperando uma resposta.
— Sabe como é, — riu de nervoso — as pessoas não gostam que tiremos fotos...
Rick apagou o homem de forma violenta, ele caiu apagado no chão, recuei surpresa.
— Esvaziem a mochila dele. — Carl assentiu e verificou a mochila, fiquei preocupada, o homem não parecia ser mal, mas não podíamos baixar a guarda. Não depois de tudo que passamos.
— Nunca vi uma arma assim. — Carl segurava uma arma vermelha e pequena como uma pistola.
— É um sinalizador. — Rick respondeu pegando-o.
Aaron não estava sozinho, se tinha um sinalizador então havia mais pessoas por perto, ao menos o suficiente para ver o sinal. Nos dividimos em dois grupos para procurar pela área.
— Acha que o Aaron diz a verdade? — Perguntei, estava pensando muito nas palavras dele.
— Se esse lugar for seguro o bastante para termos uma vida lá, significa que poderíamos voltar ao que era antes. Eu acredito nele.
Era mesmo possível? Um lugar seguro, com outros adolescentes, adultos, crianças, uma cidade com pessoas vivas. Carl talvez tivesse razão, mas eu não aguentaria se fosse mais uma mentira. Rick não queria acreditar nele, e a parte mais difícil era convencê-lo, depois de tudo que passamos era compreensível. Mas, por que não iríamos?
— Rick, acho que... precisamos disso. — Sussurrei para ele, o resto do grupo estava dividido, mas ele iria me ouvir, sempre ouve.
— Você acha? Não posso colocar a vida de vocês em perigo novamente. — Disse preocupado, não se perdoaria se nos colocasse em outra situação de perigo novamente, afinal, éramos família agora.
— Olha onde estamos, quase morremos de sede e fome na estrada, estamos em quantidade, muitos aqui sabem se defender. — Tentei convencê-lo, estava funcionando.
— Está certo, a gente vai. Onde fica?
— Levo vocês até lá.
— Como assim? — Carol perguntou por cima.
— Agora eu que estou com medo de vocês, não posso simplesmente dar a localização da minha comunidade para desconhecidos. Preciso de uma garantia de que vou chegar vivo.
— Comam e descansem, vamos ao anoitecer. — Rick concordou, ele tinha um bom ponto. Talvez também tivesse família e amigos com quem se preocupa, era a mesma situação que a nossa.
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