Um ano antes...

 Estava desenhando em meu quarto com minha caixinha de giz coloridos novos, quando ouvi minha mãe me chamar.

— Trinity! Filha! Desce aqui por favor!

 Larguei o que estava fazendo e desci as escadas correndo, algo que minha mãe odiava mas fiz mesmo assim, a ansiedade me preencheu por completo, a TV da sala estava ligada e o noticiário mencionava alguma coisa sobre troca de tiros entre policiais e bandidos: um dos policiais se feriu e foi para o hospital...

  Mamãe desligou a TV, ela não gostava desse tipo de notícia, quando cheguei na cozinha havia um bolo de aniversário me esperando em cima da bancada com uma vela de onze anos acesa, um aniversário surpresa, minha mãe segurava meu irmãozinho, Theo, de seis meses em suas mãos.

— Surpresa! — disse animada com um sorriso enorme no rosto.

 Fiquei realmente surpresa, o dia foi calmo e de repente um bolo? Corri até ela e lhe dei um abraço forte, passamos a tarde passeando com meu irmãozinho pelo parque, pela noite minha mãe me colocou na cama.

 Theo era meu meio irmão, filho da minha mãe com meu padrasto James, ele até que era legal, me levava para várias coisas radicais por ser policial. Quando completei meus seis anos, James me levou para um acampamento somente para meninas onde aprendi várias formas de sobrevivência e uso de armas, me tornei a melhor da turma com arco e flecha mas todos éramos crianças, não era nossa obrigação tornar-se bons em coisas tão adultas, as pessoas diziam que tinha bons olhos, fiquei dois anos no acampamento e quando voltei minha mãe estava esperando Theo.

Quando mamãe me colocou na cama mas ainda estava agitada, ela havia me prometido que no dia seguinte íamos visitar meu pai, o verdadeiro, James odiava a ideia, mas eu que decido não é? Mamãe estava tentando me acalmar fazendo carinho em meus cabelos, não conseguia parar de perguntar como ele era e ela havia comprado um presente para mim dar à ele, uma encharpe vermelha que escolhi, quando finalmente dormi consegui sentir o beijo quente em minha testa e suas mãos ajeitando meu cobertor.

No dia seguinte acordei animada, praticamente pulei da cama e desci as escadas correndo, James já estava acordado, vestido com seu uniforme de policial e a arma enorme no coldre, além da arma no trabalho, tinha uma em casa por garantia, fazia parte de ser policial, no decorrer de sua carreira fazia muitas inimizades e poderia ser perigoso.

Sentei-me na mesa enquanto notava minha mãe alimentar meu irmão, a tigela com cereal em minha frente estava pronta para ser devorada, peguei uma colher e comecei a comer.

— Eu tenho uma coisa para você Trini... não tive tempo de entregar ontem, mas aqui está seu presente. — James disse deixando uma pequena caixa de presente em cima da mesa.

 Rasguei o pacote rapidamente surpreendendo-me com um canivete spark preto, bem bonito mas um péssimo presente para uma criança, sorri e o abracei em agradecimento, minha mãe negou com reprovação.

— Obrigada! — respondi.

 Mamãe negou sem que eu percebesse, ela realmente não queria ver sua garotinha com algo pontiagudo em mãos, peguei o meu mais novo presente e guardei em meu bolso, de repente o som alto de uma batida de carro na rua nos assustou, principalmente em uma vizinhança tão calma, o estouro foi grande seguido de gritos e o choro do meu irmãozinho. James mandou esperarmos enquanto foi verificar, mamãe não esperou para segurar-me firme pelo braço, de repente ouvimos tiros e James voltou para dentro trancando a porta chegou cheio de sangue no uniforme, minhas mãos começaram a tremer, ele mandou minha mãe pegar nossas coisas e ir para o carro com ele, ela entregou Theo para ele e correu para o segundo andar, a segui e vi ela colocando nossas roupas dentro de mochilas.

— M-mãe o que está acontecendo? — disse soluçando, meu rosto começara a arder e a lágrima quente a escorrer mas ela não me olhava nos olhos e continuava a arrumar as mochilas.

— Querida só faça o que James pediu... aqui, pegue isso e coloque algumas roupas. — disse entregando-me uma mochila.

 Quando saímos de casa, todos fomos em direção ao carro, de repente um homem ensanguentado se meteu entre mim e minha mãe, caiu por cima de mim tentando me morder, seus olhos eram castanhos e as pupilas estavam mais dilatadas que o normal, parecia um cachorro raivoso, comecei a gritar empurrando-o, minha mãe tirou de cima de mim e na mesma hora ele pulou para cima dela e mordeu seu pescoço arrancando a pele e fazendo-a perder muito sangue, James atirou na cabeça do homem espalhando miolos bem na minha frente, eu estava imóvel no chão ao ver tanto sangue, o som abafado do choro do meu irmãozinho no carro e o grito de nossos vizinhos me aterrorizava, aquilo estava realmente acontecendo ou era só um pesadelo? James colocou minha mãe no carro e veio até mim.

— Trinity me escuta! Eu vou ter que levar a mamãe para o hospital, você vai ter que ser forte e fazer tudo que eu vou dizer agora, PRESTE ATENÇÃO NÃO TEMOS TEMPO! — gritou chamando minha atenção, continuei a chorar e ele me sacudiu — No meu armário tem uma arma, pegue-a! Tranque a porta e espere eu voltar. Agora CORRE!

Não pensei duas vezes, corri para dentro e tranquei a porta como ele mandara, pude ouvir o pneu gritando e o carro acelerar para longe, fechei todas as janelas e procurei pela no quarto, ele me ensinara quando mais nova mas nunca pensei que teria que usar em algum momento, carreguei e sentei-me nos degraus da escada em alerta, esperando até voltarem.