
056
Minha pele foi abraçada pelo contato com o tecido leve e confortável do vestido. Mal consegui respirar até o último botão na minha costa ser fechado. Quando expirei ofegante a mulher que me arrumava assumiu uma expressão de alarme.
— Sente-se bem, senhorita? Está muito apertado?
Talvez ficaria apertado se o meu bebê ainda estivesse ali. Dei um riso satisfeito com o motivo da preocupação dela, mas logo respondi.
— Estou muito bem. Apenas ansiosa.
Era o dia do meu casamento mesmo sendo difícil de acreditar. Foi estranho relembrar de todas as coisas que aconteceram comigo naquele mesmo ano. Tudo o que perdi e ganhei. Todas as aflições. Meu pai não poderia me levar até o altar como sempre sonhei, e minha mãe era incapaz de segurar minha mão naquele momento de tanto nervosismo, simplesmente para dizer que tudo ficaria bem. Uma lágrima discreta correu pelo meu rosto, mas Júlia logo me entregou um pedaço de algodão sem dizer uma só palavra. Enxuguei essa e todas as outras que vieram.
Casar tão nova não parecia certo. Eu ainda ia fazer dezenove anos. Sempre ouvi pessoas falar sobre essas decisões precipitadas. Mas como eu poderia recusar ou sequer ignorar tudo o que sentia? Christopher Wayne fazia parte de mim. Era minha família, e principalmente, o homem que eu mais amava. Eu não queria precisar viver sem ele.
Wayne foi rápido e organizou ao meu lado todos os detalhes daquela cerimonia em apenas três dias. Seria algo simples no píer da casa que dava acesso à beira do mar. Nos casaríamos no final da tarde quando o sol já não fosse tão agressivo e a luz seria tênue. Apenas ele, eu e o tabelião. Mais uma vez a vontade de ter meus pais ali me afligiram. Meu futuro marido também não tinha uma opção familiar plausível. Até nisso nossas vidas lamentavelmente se completavam.
Ainda perdida nas minhas ilusões, fui surpreendida com o som do retorno da mulher ao quarto.
— Me desculpe pela demora, mas foi difícil acha-lo no meio de tantos objetos empoeirados. — Não podia julgá-la, pois nem havia percebido sua cautelosa ausência.
Ela segurava nas mãos uma coroa de flores cor de rosa e brancas, entrelaçadas em uma espécie de cipó. Seu sorriso satisfeito me deixou curiosa. Júlia parecia muito empolgada com o casamento. Nós conversamos bastante durante a preparação. Ela sempre dava sugestões e me aconselhava. Ficamos próximas, quase íntimas, naqueles dias.
— É muito bonito. Você que fez?
— Sim — disse orgulhosa — Minha filha se casou usando isto.
— Onde ela está agora?
— Bem longe — percebendo minha apatia repentina ela logo se corrigiu — Não é o que a senhora está pensando! Ela agora mora na Espanha.
Um fio de alívio me consumiu. Aquela reação automática já era causada pelos traumas de tantas mortes e perdas. Até me atrevi a sorrir ao pensar assim. Eu precisava virar essa página.
— Imagino que sinta muita saudade.
— Ah, sim. Quando lhe vi nesse vestido, tão linda e jovem, lembrei que ela se casou com a mesma idade.
Assim que ela citou o vestido me virei frente ao espelho mais uma vez e me pus a analisar minha escolha. Era um modelo longo com uma calda pequena, sem muito volume. Sua cintura era marca por uma faixa e o busto era totalmente trabalhado em bordado, renda e um belo decote. As alças médias seguravam bem todo o arranjo. Atrás o tule foi completamente revestido de bordado e botões perolados. Exatamente como sempre fantasiei.
— Não sei se minha mãe ficaria tão feliz de me ver casando agora.
— Porque pensa assim, senhorita?
— Ela ia preferir que eu estivesse em alguma faculdade ou intercâmbio. Coisa que pais sonham para os filhos.
— Talvez. Mas se ela pudesse ver o que vejo, acredito que teriam uma boa benção.
— E o que você vê, Julia?
Suspirando, ela arrumou uma das mechas do meu cabelo ondulado pondo a coroa na minha cabeça. Me visualizei completa. Realmente aquilo parecia feito pra mim.
— Uma menina realizada, forte, cheia de vida e com personalidade. Tenho certeza que ela estaria muito orgulhosa.
Meu coração apertou com aquelas palavras tão doces. Lhe dei um abraço imediato e a mulher mal conseguiu reagir. Estava envergonhada, mas acolhedora. Logo me ajudou a calçar o tênis e pegar as muletas.
O telefone tocou e assim que atendi a voz inebriante de Wayne me envolveu com embriaguez.
— Dulce, não se atreva a me deixar mais um segundo aqui esperando ou vou enlouquecer.
Aquilo me trouxa tanta paz, calmaria. Não respondi um só palavra, apenas dei uma longa risada e desliguei a ligação. Júlia me acompanhou no deboche e eu segurei sua mão.
— Vamos, que tem um certo homem me esperando no altar.
****
Por uma decisão minha nós não nos vimos o dia todo. Christopher não pretendia cumprir o trato, mas a minha atual amiga estava disposta a me ajudar. A mulher defendia a ideia de que ver a noiva antes do casamento trazia azar e que os bons costumes tinham que ser preservados. Wayne esbravejou quando ela trancou a porta algumas vezes. Até gritou que ela seria demitida. Mas nada me fez mudar de ideia.
Agora estávamos prestes a nos ver e apenas uma porta de madeira nos separava. Respirei fundo, recebi do organizador um buquê de lírios, e me preparei para entrar. Mesmo que não houvesse plateia, eu estava nervosa, inquieta, mas logo uma voz familiar soou atrás de mim e deixou-me estática.
— É inaceitável que entre sozinha.
Alfredo usava um terno preto, alinhado, com todos os aparatos de um belo pai. Emocionada, enrosquei-me nele sendo abraçada.
— Obrigada por vir! — balbuciei — Estou tão feliz que esteja aqui.
— O senhor Wayne me avisou, e claramente eu não poderia faltar. Agora recomponha-se ou ele vai invadir esse salão.
Eu estava tão feliz em tê-lo ali. Que apenas balancei a cabeça de forma positiva e continuamos. Alfredo segurou meu braço com força, ajudando-me a caminhar. Um violino tocou a marcha nupcial e então a porta se abriu.
A primeira visão de Christopher Wayne dentro de um terno azul marinho, cabelos alinhados e um sorriso nervoso, me encheu de luz. Minhas pernas tremeram, meu corpo se anestesiou. O caminho era curto, mas se tornou tão longo, lento. Na cerimônia havia mais pessoas do que imaginei, e só depois de alguns segundos foi que percebi que eram os empregados da casa de praia. Todos sorridentes, emocionados. Perto do altar, uma outra face elegante se destacava. Era Samantha. Ela estava linda.
Só depois que Alfredo me entregou nas mãos de Wayne foi que voltei a sentir qualquer coisa. Ele estava gélido, ofegante e apreensivo.
O tabelião começou a falar enquanto nos encarávamos avidamente. Ele sorria, me olhava de todas as formas possíveis. Tão descrente quando eu.
— Você está tão linda
Sussurrou próximo de mim tentando ser discreto. Meu coração bateu acelerado, eufórico.
— Você não está nada mal, Wayne.
Ambos descontraímos. Confirmamos nossos votos, aceitamos um ao outro e por fim nos beijamos. Não fiquei tão surpresa quando Alfredo e Samantha assinaram como nossas testemunhas. A recepção foi tão modesta quanto tudo. Havia uma bela mesa posta, com o bolo em duas camadas, música.
De alguma forma ele me ergueu no ar e fez alguns giros, fingindo estarmos dançando. Riamos como duas crianças. Então Christopher me deixou no chão enquanto Alfredo vinha em nossa direção segurando o seu celular pessoal. Ele falou algo próximo do ouvido dele e entregou o objeto para meu marido.
— Me perdoe, baby, mas preciso atender essa ligação.
— Tudo bem. Vou comer alguma coisa.
— Volto logo — a promessa no tom da sua voz era sensual.
Mordendo o lábio recebi as muletas de Júlia, andando até a mesa separada exclusivamente aos noivos. Enquanto serviam-me, observei todos os empregados divertidamente conversarem entre si, arriscarem passos de dança e se descontraírem.
A cadeira ao meu lado de afastou e Samantha sentou-se cruzando as pernas com um belo salto agulha vermelho, combinando com seu vestido justo.
— Tudo isso é impressionante, não acha? — refletiu servindo-se de uma taça de vinho.
— Bastante.
— Quando Wayne me ligou, mal pude acreditar.
— É tão surreal pra você?
— Não sei — explicou — Você não me parecia o tipo de garota disposta a pausar seu futuro por um casamento precipitado. Meu sobrinho sempre elogiava sua ambição nos estudos e em se livrar do cárcere.
— Tenho certeza que Christopher não vai me impedir de nada.
— Se você diz.
— Samantha, qual é o seu problema? — indaguei. A comida mal conseguiu descer — Você já decidiu se é minha amiga ou não?
— Dulce, a questão não é nossa possível amizade. Só achei necessário alerta-la. Você poderia ter um futuro diferente.
— Ele não vai me impedir, já disse.
Dando um gole voraz ela me afrontou confiante.
— Eu o conheço muito bem.
— Não. Você o conhecia — contestei — Ele mudou, tanto que as vezes nem eu mesma acredito. Sinto muito, Samantha, mas Christopher não é quem você pensa.
— Vejo que você também mudou, senhora Wayne.
A ironia em sua fala me dava náuseas. Se existia um enigma maior que Christopher, este era Samantha. Eu nunca entendi quais eram suas verdadeiras intensões. As vezes boas, outras má. Estava confusa demais para comer ou sequer permanecer ali.
— Hoje é o meu casamento, estou muito feliz, e você não vai estragar isso.
A mulher levantou apanhando sua taça como um troféu e ostentando o corpo com confiança. Eu pretendi encerrar aquela conversa de forma diferente.
— A pesar de tudo eu agradeço pelo seu presente naquele Natal. Foi muito importante pra mim.
Seu semblante ficou aterrado. Talvez porque a mulher aguardasse alguma reação mais hostil. Fiquei sem uma reposta rápida até que a mão de Christopher pesou no meu ombro. Ela já tinha esvaziando a sua bebida e gritava por outra.
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Boa leitura <3
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