
031
— Olha só você! — Gritante, meus olhos andaram até a porta de entrada da cozinha dando de encontro com Samantha.
Voltei a morder o meu sanduíche de peru, tirando o olhar. Sério que eu ia receber a visita dela justo hoje?
A morena sentou-se ao meu lado no balcão, e fez uma cara ruim ao visualizar de perto o que eu comia.
— Isso engorda Dulce. Porque não come algo mais saudável?
— Peru é saudável.
— Não! Muito sódio, e além disso, ainda tem o pão!
— Veja como isso é bom Samantha... — Caçoei mordendo devagar e mastigando como se o dia nunca fosse acabar.
Ela revirou os olhos e pediu uma salada de alface com morango para uma das cozinheiras.
— Não sabia que gostava de comer aqui... na cozinha — Repudiou.
— É um bom lugar. As comidas, a água, tudo sempre em mãos. Ao meu alcance.
— Por esse lado você está certa, mas esse cheiro de gordura gruda tanto nos cabelos que, por Deus, é um crime até mesmo para... — Ela se silenciou por um segundo, me fitando e arqueando a sobrancelha com um riso provocante — Não acredito, Ninfeta! Vocês dois...
Eu tapei a boca dela com uma das mãos, e em reposta ela riu sem parar. Uma das cozinheiras fofoqueiras já estava com o olhar entrelaçado a nós duas, mas quando eu a encarei ela voltou a cortar a alface, fingindo estar fazendo apenas isso o tempo todo.
— O que pensa? Olha onde estamos?! — Sussurrei discreta liberando-a da minha represália — Aqui não é lugar para as suas brincadeiras.
— Até parece que esses urubus não sabem de tudo o que acontece nessa casa.
Ela respeitou meu tom de voz baixo, fazendo o mesmo para responder.
— Seu rosto, ele está diferente. Me lembra a minha primeira vez.
— Não sei do que está falando.
— Ah! Dulce, não humilhe a minha inteligência europeia. Agora eu sei porque ele está feito um garoto pedido naquele escritório.
Depois dos carinhos na banheira, Wayne precisou se trancar no escritório para resolver alguns problemas do trabalho.
Parece que mesmo que o chefe tenha se dado folga, os funcionários não lhe cediam isso.
Ele passou tanto tempo trancado, que eu acreditei que tinha ido fisicamente para a empresa.
— Você é sempre um amor — Soei irônica.
— Hmm, gosto de ver a sua maturidade brotando. Isso me orgulha.
Quando finalmente a mulher deixou o prato recheado de folhas para ela comer, Samantha fez uma curta prova, aprovando o preparo com mais uma garfada.
— Nos deixe sozinhas seu urubu.
Eu a olhei abismada com a falta de gentileza dela, mas a morena nem sequer me deu atenção. A empregada saiu rápido, sem olhar os lados.
— Eu fico feliz de ver o quanto amadureceu durante esse tempo aqui. Precisa mesmo ser forte, decidida. Ser realmente essa mulher que tenta aparentar.
— Não aparento, eu sou.
— Não, você não é.
— Quem você acha que é para ter tanta certeza do que eu sinto? — Rebati — Uma bruxa? Ou melhor, algum tipo de espirita?
— Sou uma mulher que simplesmente sabe das coisas, principalmente sobre seu passado amaldiçoado.
Minha boca secou quando ouvi Samantha falar sem nem um desconforto. Ela continuou sua alimentação, fatiando os morangos, até notar que meu semblante ainda estava extasiado desde a sua última afirmativa. Ela conteve o garfo próximo da boca, e revirou os olhos mais uma vez, engolindo e soltando o objeto de prata sobre um dos guardanapos brancos a mesa.
— Não fique com essa cara, e sou apenas uma mulher direta.
— Isso. Você é direta e sabe das coisas. Seria muito pedir que me contasse?
— Christopher me...
— Wayne já deu o ponta pé inicial — falei e ela se endireitou — Ele deixou claro o compromisso do meu padrinho em me manter segura.
— Que bom! Eu nunca entendi de verdade o motivo de tanto segredo com algo tão simples.
— Samantha, me fale o que sabe.
Ela do meu pedido.
Sorrindo como uma deusa de pedra, a morena pareceu amargar em meios as suas recordações. Levantou e levou o prato até a pia. Quem a visse fazendo aquilo podia acreditar que era um habito, mas estava longe de ser. Ela apenas viu naquela ação uma forma de afastar nossos olhares.
— O que quer saber exatamente?
— Essas pessoas que me cercam e que me querem... O que exatamente elas pretendem?
— Dulce, suas perguntas sempre são as mais chatas e difíceis — ressaltou pondo dois copos de vidro na bancada onde estávamos, servindo ambos com vinho tinto — Primeiro beba um pouco comigo. Você faz isso, não é?
Puxei o copo e em um único gole o sequei. Ela me admirou, estirando o canto da boca, elevando o seu em um comprimento estranho, antes de beber. Mas diferente de mim, seu gole foi mais raso.
— Agora fale!
Movendo os dedos ao redor da borda do copo, ela fingiu pensar e se concentrar.
— Você é filha de uma família bem conhecida, e o seu tio era um homem procurado, com dívidas. Às vezes as pessoas acabam nos condenando por erros familiares.
— Até alguns dias meu tio era bem diferente. Nas minhas lembranças eu sempre o vi como um homem bom, igual ao meu pai, mas agora eu não faço ideia do que ele foi.
— Não se sinta mal, seu pai com certeza era bem diferente do seu tio. Christopher sabe disso, Thomas sabia, e eu sei.
— Conheceu ele?
— Digamos que sim. Eu o vi na mesa dos Wayne em um dos muitos jantares beneficentes. Conversamos pouco, mas o suficiente para eu saber que ele era honrado. Thomas Wayne jamais aceitaria se ligar a alguém errado.
Em alguns momentos era estranho associar minha ligação com Christopher.
— Você é a única coisa que restou do sobrenome Escobar.
— Por isso, eu sou quem deve pagar as dívidas.
— Quase isso — reprimiu reflexiva.
— Samantha, eu sei que...
— Atrapalho a conversa? — Alertou a voz que acabava de invadir o nosso espaço.
Christopher encarou a morena, que já estava visivelmente assustada. Samantha parecia sentir a chegada dele antes mesmo do seu surgimento. Foi intrigante a reação dela, longe da segurança de sempre. Wayne caminhou até mim, e segurou minha cintura, sem tirar os olhos incomodados.
— Baby, eu disse que conversaríamos a noite, porque a pressa?
— Wayne — pronunciou-se Samantha — Dulce é uma menina inteligente, sabe se expressar bem melhor que você, e eu não vejo o porquê dos segredos.
— Se isso fosse mesmo um assunto relacionado com sua vida eu a deixaria opinar. Nos deixe a sós, por favor Béquer.
O tom de voz de Wayne tinha um efeito aterrador. Uma forma fácil de persuasão, que eu nunca tinha visto igual. Ela parecia bem chateada pela própria obediência. Samantha está longe de ser uma mulher obediente. Mas com ele nunca havia outra maneira ou solução. Bater de frente com o senhor da razão seria uma briga sem fins lucrativos, e todos que o conheciam sabiam bem disso, inclusive eu.
Como esperado, a morena se levantou fingindo arrumar uma mecha do cabelo, arfante como um touro embravecido e se foi. Logo em seguida ele se virou para mim, e nossos olhares de encontraram.
— Gosta de me ver chateado? — Questionou com certa seriedade.
— Gosto de saber verdades, é diferente, agora se isso chateia você...
— Dulce, e fui claro quanto ao jantar. Terá suas repostas. Não sou conhecido como um homem sem palavra.
— Eu sei, mas seria bom ouvir um outro ponto de vista de que não ligasse para a forma como eu me sentiria. Samantha não ia se preocupar com meu sofrimento.
— Acredita nisso?
— Acho que sim.
— Sei que não são melhores amigas, longe disso. Mas ela foi a pessoa que mais me encorajou a ir atrás de você. Não acho que sua dor lhe agradaria.
Fiquei silenciosa, refletindo sobre o que ele falava, tentando buscar algum sentido em tudo aquilo, mesmo assim ainda não consegui assimilar muito.
— Vá se vestir — Continuou — Em alguns minutos sairemos.
Com um beijo na testa, ele se despediu e me deixou sozinha.
***
O lugar era mesmo agradável. Nunca duvidei do gosto refinado de Wayne, mas aquele restaurante era a prova viva de que ele sabia mesmo o que estava fazendo. Até o cheiro de lá era diferente de qualquer outro. Cheirava a flores do campo. Talvez pelos revestimentos serem decorados por um jardim magnífico e florido. Era com toda certeza uma construção bem alegante. Sentamos em uma mesa reservada, próximo de alguns casais silenciosos, e esperamos o jantar. Christopher conversava com o garçom sobre o tipo de vinho e safra que seria servida a nós dois naquela noite. Eu não entendia nada do que eles falavam, mas fingi me importar.
Quando voltamos a ficar sozinhos, ele serviu minha taça e logo após a sua. Brindamos e bebemos. A sua escolha era mesmo muito saborosa.
— Sem vinho seria impossível essa conversa.
— Pretende me embebedar?
— Quem sabe... ao que parece, as mulheres são mais ousadas depois de umas doses alcoólicas.
Fiquei levemente envergonhada e curiosa, me endireitando na cadeira para abafar a sensação carnal.
— Nossa conversa já pode começar — Christopher riu sem som, e soltou o ar.
— Sempre muito direta.
— Sempre.
— Por onde começamos?
Enquanto puxava o zíper o do vestido, dentro do closet do meu quarto, separei mentalmente as perguntas que queria fazer naquela noite para ele, embora metade delas haviam sido esquecidas o meio do caminho quando Wayne tocou minha perna com a desculpa de sentir a textura do tecido de veludo.
— Podemos começar com a minha decisão de depor.
— O quê?
— Quero ajudar nas investigações.
Aquilo foi como um golpe contra ele. Christopher fez uma expressão de reprovação, franzindo o cenho.
— Não sabe do que está falando. Pare com essas ideias.
— Houve um dia que sem querer, acabei ouvindo uma conversa sua com Lucius. Ele deixou claro que uma declaração minha ajudaria na prisão de alguém.
— Não quero você nisso.
— Mas a escolha é minha Christopher.
— Eu já disse que não — reforçou — Não vou permitir que tenha contato com essas pessoas outra vez.
— Existem outras meninas, assim como eu, presas lá. E elas tem família, gente que as esperam aqui fora. Christopher temos que ajudá-las.
— Sinto muito, mas meu compromisso é apenas você e a sua segurança.
— E a minha felicidade? Serve? Porque estou muito infeliz de comer bem, dormir bem, enquanto que... — me contive, prendendo uma lágrima — Eu tenho uma amiga lá.
— Dulce, não posso arriscar. Essas pessoas são perigosas, e por isso, precisamos ter calma. Meus investigadores estão fazendo o possível para juntar dados e informações. É muita gente envolvida. Gente rica.
— Você é rico também.
— Sim, mas não tenho super poderes, e estou longe de ser o Batman.
Revirei os olhos e baixei a vista, irritada pela incapacidade de ajudar Anna com tanto desejei. Me senti de mãos atadas, imaginando os horrores que ela ainda vivia. Fazia um tempo que eu não me lembrava apenas dela, mas nunca a esqueci.
— Vou ao banheiro. Me espere aqui.
Eu o fitei quase berrando "aonde mais eu iria"
Christopher se levantou da mesa e foi até onde havia dito.
Eu continuei sentada, olhando meu copo de vinho ficar cada vez mais vazio, aumentando os efeitos em mim. Quando pensei que aquele seria o meu último gole, uma sombra surgiu por cima dos meus olhos, entre os arbustos do jardim. Pisquei algumas vezes mais tentando acreditar que era uma mentira feita pela minha mente, e a última conversa. Mas não, a silhueta ficou ainda mais evidente sob a luz de uma das lâmpadas penduradas na pequena árvore. Era Red. Ela estava mais limpa, porém, com o mesmo olhar triste.
Levantei imediatamente e andei na sua direção, apressando os passos. Quando nossa distância parecia quase nula, a menina se esquivou um pouco mais, sumindo. Me inclinei para segui-la, mas uma forte pressão em meus ombros me impediu de continuar me movendo, puxando o meu corpo para o lado.
***
<3
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