
026
Escapei naquela tarde logo após a aula, depois de um convite irrecusável do meu amigo professor. Ao lado dele eu me sentia segura e confiante para sair. Nós fomos no carro de até o centro de São Francisco, em uma avenida bem movimentada e arborizada, cheia de quiosques, casais, e crianças com seus patins. Quando paramos em uma das confeitarias mais chamativas, ele me sugeriu um café, e como não seria mal, aceitei. Bebemos e continuamos o nosso passeio pela calçada, simplesmente admirando as lojas para deixar o tempo passar. Foi revigorante fazer aquele programa e tonificar o meu espirito, lembrando-me de como era bom respirar um ar além dos muros da mansão.
Theo foi fisgado pela imagem de filhotes fofos, exibidos por trás do vidro transparente. Ele me mostrava os gatinhos na vitrine, sorridente, manifestando a sua paixão por felinos com informações curiosas sobre eles. Eu preferia cães, mas não dispensava os gatos, pelo menos quando eu tinha a sorte de me deparar com algum que fosse dócil.
- Veja este Dulce, ele está olhando para você!
Atenta, busquei o animal que ele apontava e vi que era um gatinho preto, de olhos castanhos. O filhote estava apoiado no vidro, quase de pé, tentando me tocar ao mesmo tempo em que brincava com seu próprio reflexo. Dando um sorriso bem aberto, agarrei no braço de Theo e dei alguns saltos, entusiasmada.
- É verdade! Ele é tão fofo, Theo... - Murmurei, maravilhada com a pureza daquele bichinho - Preciso leva-lo para casa!
- Sua maluca, como vai cuidar dele?
- Ora, não deve ser tão difícil assim.
- Deve pedir para o Wayne antes.
- Argh! Que irritante! porque está pondo tanta dificuldade?
- Dulce, não é dificuldade, você apenas não pode levar um animal para a casa dele sem avisa-lo com antecedência.
Ele tinha razão, Wayne gostava de ser informado sobre tudo, e estar a par de todos os meus movimentos. Mas eu já estava agindo contra a sua vontade desde que aceitei sair com Theo da mansão, então, um ato a mais não faria tanta diferença.
- E se ele não estiver aqui quando eu voltar?
- Seria muito bom se houvessem tantas pessoas dispostas a adotar animais - explicou um pouco decepcionado - Acho que ele vai estar sim.
- Vou confiar em você professorzinho.
Ele riu do codinome. Theo, todo moleque, me apanhou debaixo dos seus braços e começou a fazer um cafuné, bagunçando os meus cabelos, enquanto soltava gargalhadas. Como ele era maior do que eu - não que isso fosse tão incomum - foi simples me azucrinar com aquele tipo de brincadeira.
Eu gritei em gozação pedindo que me soltasse, rindo junto, e ele continuou me ignorando, seguindo com a sua brincadeira. Ambos riamos muito, sem dar tanta importância para os admiradores em nossa volta.
Até que, de um modo repentino, o corpo dele foi violentamente afastado de mim. Assim que ergui a vista, espantada pela abordagem, compreendi que Christopher foi quem havia empurrado Theo pelo tórax, jogando-o para a rua. Ele olhou de volta para Wayne, sem compreender o porquê do comportamento agressivo.
Em volta, o som dos passos acelerados das pessoas, que antes trafegavam tranquilas, foi interrompido assim que se deram conta do alvoroço que ocorria. O aglomerado que se formou me sufocou. Dois dos seguranças de Wayne se posicionaram ligeiramente ordenando que os curiosos se apartassem.
Achando tudo aquilo inaceitável, desci da calçada e fui para cima de Wayne, lhe dando um tapa nas costas.
- O que pensa que está fazendo?!
Christopher virou-se para me encarar, e em um rápido movimento, rendeu meus pulsos impedindo novos golpes.
- Vamos embora.
- O que? Não! - Contestei - Eu não vou.
- Não perguntei.
Ele me arrastou pelos braços e me levou contra a minha vontade, enquanto me debati de seu toque. Eu estava com muita raiva. Theo na tentativa de me proteger, se reaproximou de nós, segurando no ombro de Wayne.
- Não faça isso com ela.
Christopher não respondeu espontaneamente com palavras. Antes, ele o fuzilou com os olhos, como se quisesse come-lo vivo.
- Não se meta nisso.
- Mas vou me meter - Perseverou Theo, chocado.
Eu só pude sentir a hora em que Christopher se soltou de mim e foi para cima de Theo, deferindo um soco certeiro no rosto dele, fazendo com que ele desse três passos para trás, cambaleante. Logo um dos seguranças de Wayne se enfiaram na briga para impedir que Theo revidasse.
Outra vez fui pega pelos pulsos e levada por ele, sem ter tempo de olhar o estado do meu amigo. Eu vi sangue na mão de Christopher, antes dele se limpar no próprio terno. Foi tão rápido. Momentos instantâneos, e letais.
- Meu Deus, você é maluco! - Repeli, nervosa.
- Fique quieta!
Christopher vociferou a ordem tentando me jogar para dentro do carro, e então eu me apoiei nas bordas da porta de metal, conseguindo fazer com que ele se desequilibrasse. Aproveitando a fraqueza, corri até Theo e o tirei das mãos do subordinado. Ele estava com o lábio superior ferido, e sangrava bastante, escorrendo muito sangue.
- Theo, você precisa de um médico! - Insisti, trêmula, tentando localizar qualquer coisa que limpasse aquilo.
- Vou ficar bem - Falou em rebate, tentando se afastar.
Ele segurava o maxilar, com uma aparência de dor, insinuando que estava incomodado.
- S-sinto muito... - rebaixei a cabeça, balbuciando envergonhada- E-eu não sei o que aconteceu.
Meus lábios trêmulos arriscavam se explicar.
- Vá Dulce, é melhor.
Theo me exigiu aquilo, abatido, se distanciando cada vez mais, até totalmente se virar de costas e sair em meio à multidão que o encarava receosa. A multidão se dispersou, e eu olhei para o chão, antes de retomar a postura. Por trás de mim, Wayne ostentou uma expressão vazia. Tentei conter a fúria, passando ao lado dele sem olhar em seus olhos. Foi mais fácil renegá-lo para evitar outra discórdia.
Me encolhi no interior do carro, bem perto da janela, fugindo do alcance de Wayne. Ele permaneceu mudo até entrarmos no estacionamento de um prédio muito luxuoso.
- Espere aqui, eu só vou buscar algumas coisas.
Simulei que não tinha ouvido, ou sequer me importasse, continuando a encarar o vidro. A porta abriu e fechou, e dentro do veículo, ficamos somente Alfredo e eu. O mordomo estava no banco da frente, dirigindo.
Depois de alguns segundos notei que aquele era o mesmo carro que cheguei pela primeira vez na mansão.
- Senhorita. Sinto muito pelo que aconteceu.
- Não se desculpe por ele Alfredo. Christopher já é grandinho o suficiente para assumir suas idiotices.
Alfredo me olhava pelo retrovisor, e quando conseguiu minha atenção. O homem pareceu aflito.
- Porque?! - Voltei a questionar - O que foi isso?
Eu estava abismada demais para acreditar.
- O patrão é quem deve dizer.
- Se você não disser o que sabe, eu vou correr para fora daqui, e duvido que me encontrem!
A minha ameaça alertou o mordomo de tal forma, que ele tossiu se ajeitando no banco. Ele arfou como se rompesse um regulamento.
- O Sr. Wayne recebeu uma ligação de um dos seus investigadores avisando que a senhorita estava sendo seguida. Ele me pediu para sair da mansão e encontrá-lo no local onde estava com o professor. Para não perder tempo ele pegou um taxi... e o resto já sabemos.
Minha boca abriu algumas vezes na tentativa de falar alguma coisa coerente, mas nada saiu.
- Onde é a sala dele?
- No último andar, porque a pergunt... Senhorita!
Não deixei Alfredo terminar de falar. Eu logo destravei a porta do carro e corri na direção dos elevadores. Apertando o botão certo, porém, dois homens vinham do subtérreo abaixo de nós, agilizando minha saída. O mordomo me observou subir, impossibilitado de evitar minha ação.
Algumas pessoas entraram, outras saíram, até eu por fim chegar ao último andar. A porta se abriu e eu levantei a vista, dando de cara com uma mulher ruiva, de cabelos presos em um coque, com um fone de ouvido, e microfone, posicionado na cabeça. Por trás do balcão ela sorriu e me perguntou o que eu desejava, mas eu a ignorei, atordoada, vendo o nome de Wayne identificado na parede ao lado de uma porta branca semiaberta. Caminhei até ela sem dar ouvido a mulher que gritava atrás de mim.
- Hey! Você não pode entrar ai!
Empurrando a porta, meu olhar foi de encontro aos de Christopher, fazendo-o parar o que fazia. Ele conteve a fechadura da gaveta, paralisando perante a minha figura. Voltando a se mover apenas quando a recepcionista entrou, temendo ser demitida após a falha ao me impedir de entrar, mostrando um sinal de "pare" com a mão direita para ela.
- Deixe Rebeca.
Eu consegui sentir que a mulher olhou minhas costas, antes de se retirar obediente.
- Podia ter ligado.
Comecei, sem ambicionar ser respondida.
- Haviam homens atrás de você, eles iam te sequestrar Dulce.
- Porque não me disse antes? Podia ter avisado Christopher!
- E você, pelo menos, devia me avisar quando resolver sair com seus amiguinhos! - Repulsou alterado - Você dificulta demais a minha função Dulce.
- Função. Então é isso?
- Eu cuido da sua segurança, e você sabe disso. Mas é complicado demais quando você acha que pode agir como bem quiser.
- Então foi eu que agi com bem quis... olhe a sua atitude! Christopher você machucou o Theo.
- Que se foda Escobar! Não posso fazer tudo por todos, a prioridade era você. Eu não tinha tempo... Só precisei tira-la de lá, e ele ia me impedir.
- Talvez você tivesse razão... eu não devia ter me apaixonado. Não devia te ver diferente do que eu vejo agora.
Ele ficou estático, talvez porque fosse uma das primeiras vezes que me ouviu dizer aquelas palavras com tanta certeza.
- Dulce, entenda as coisas como elas realmente são. Eu tinha que protegê-la.
- E para isso existiam muitos meios mais fáceis, ao invés do comportamento demente que teve. Theo não tem culpa, não merecia, ele é meu único amigo desde que tudo me aconteceu, e agora duvido que queira me olhar depois de hoje.
- Eu não sabia o que esse professor significava para você - mal pude ouvi-lo expelir aquilo.
- Não importa mais.
- Não fique chateada comigo. Eu pedi que compreendesse meus meios de agir. Eu não sei como ser mais sereno Dulce.
- Isso é vida real, nós não estamos em uma história de amor onde tudo é aceitável, até mesmo as insanidades. Ninguém é realmente capaz de aceitar comportamentos egoístas, opressores como os seus - lamentei - Alfredo me disse que você era bom, gentil, e desde que te conheci isso se revela e se esconde com a mesma facilidade. O que eu realmente significo para você Wayne?
O silêncio ensurdecedor foi a minha resposta. Ele não disse nada, apenas contraiu a mandíbula e fechou os punhos sobre a sua mesa, olhando para ele afim de evitar um encontro com as minhas lágrimas recém-criadas.
- Obrigada Christopher, a sua função de me manter segura foi efetuada com sucesso. Eu estou bem, veja... - Ressaltei com sarcasmo - Parabéns.
E ele permaneceu calado.
- Vou voltar para casa com Alfredo. Agora.
- Eu vou no Mercedes - disse, rompendo o silêncio.
- Ótimo.
Eu virava para me ausentar quando a voz rouca dele me obrigou a parar para ouvi-lo depois da pergunta mutiladora:
- Dulce, e nós dois?
Engoli o que restava de saliva dentro da minha boca, na tentativa de umidificar a garganta seca pela amargura.
- Nunca houve realmente "nós".
Contradisse, saindo de vez de lá, com o corpo entorpecido pela dor.
***
NOTAS
Bom carnaval a tod(a)s as minhas amoras<3
Juizoooo povo de Deus!!
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