
015
A dor parecia não passar nunca, e o infeliz episódio com Christopher a minutos atrás acabou com todo o meu sono. Meu Deus, porque fui tão humilhada daquela forma? Porque deixei que ele me beijasse?
Aquele foi o meu primeiro, e pior, beijo. Totalmente diferente do que sonhei para o dia em que isso acontecesse.
Mas o que mais destruía a minha dignidade não era o fato de Wayne ter me beijado, e sim de eu ter sentido coisas estranhas quando ele fez isso. Foi como se não houvesse chão abaixo dos meus pés, e a dureza que construí durante todo esse tempo nem existisse. Até que ponto cheguei. Era puro castigo ter acontecido o que ele próprio me alertou. Não... Tudo menos isso. Eu não podia estar apaixonada por aquela pessoa.
Seria a minha autodestruição.
Depois de mais de duas horas na tentativa, consegui dormir um pouco, levantando algumas vezes durante a madrugada.
Acordei com a cena do nosso beijo se repetindo num sonho, sem a desagradável parte final. Estirei o corpo na cama e olhei o teto pensando que jamais seria capaz de entender o que levaria um homem como ele a dar uma quantia tão alta numa pessoa que fazia tanta questão de manter distante e ignorar. Christopher me repudiava, e talvez fosse porque na sua concepção eu não lhe agradava fisicamente. Refletindo, minha autoestima decaiu e eu fiquei vagamente decepcionada. Isso me levou a ir frente ao espelho para me autoanalisar.
Meus traços não eram feios, meu corpo não era flácido, e mesmo que fossem, qual o problema nisso?
Com um lento giro me olhei de todos os ângulos, mas logo me policiei balançando a cabeça negativamente "Qual o seu problema Dulce? Desde quando se importa com o que ele pensa?!".
Até onde eu sabia, a única coisa pela qual lutei por todo esse tempo foi para impedir o abuso contra mim e contra o meu corpo. Lutei para não ser objeto de ninguém, e querendo ou não, Christopher tinha me comprado daquelas pessoas a pedido do pai. Mas porquê e para que?
Não liguei para quem me veria, e nem quem estaria acordado naquele horário, apenas abri a porta do quarto, abruptamente e sai. Não sei como, mas nem um daqueles brutamontes estava do lado de fora me vigiando. Desacreditando na sorte, andei devagar, olhando ao redor de tudo, confirmando que eles realmente não estavam por perto.
Corri pelo corredor apressadamente e fui de imediato para o quarto dele. O lugar que nunca deveria ser violado...
"Foda-se!"
A porta também não estava trancada, e aquela foi a segunda surpresa do dia.
Pego pela minha imagem deprimente de baby-doll, Christopher parou de engolir a água que bebia e me encarou, pela primeira vez desde que o conheci, verdadeiramente surpreso. Mas aquilo não era o pior. Como se não bastasse, diferente dele, Samantha me olhou de cima a baixo "Arqueando aquele par de sobrancelhas finas e horripilantes" de forma crítica. Se fosse possível, cavaria um poço e me jogaria dentro. Naquela altura eu já tinha me arrependido amargamente de ter saído do meu quarto.
Porque ela tinha que estar lá também!
— Pensei que as suas pernas fossem mais grossas. — A voz irritante daquela mulher quase fez minha mão voar na cara dela. Por sorte, Christopher pareceu notar o fogo sair pelos meus olhos e se pronunciou.
— Samantha, é melhor continuarmos a conversa mais tarde.
Isso! Vai saindo sua bruaca de quinta! Pensei internamente, quase gritando, mas nem foi necessário, ela nitidamente percebeu o que eu sentia.
Levantando do divã, Samanta pegou sua bolsa e andou para perto dele, beijando seu rosto, lentamente, e proposital. Revirei os olhos pela inocência dela achar que eu me importaria com aquilo. Ao passar pelo meu lado, ela sorriu sutilmente e fechou a porta.
— O que você acha que está fazendo? Quantas vezes falei que não te quero dando voltas por aí?
Christopher só esperou a oportunidade de ficarmos a sós para jogara suas famosas pedras sobre mim. Ele falava aquilo sempre tão natural, como se fosse algo comum de se dizer a alguém. Um segundo... Desde quando você assumiu o posto do meu pai?
— Você não é meu pai! — Falei aquilo pelo calor do momento, e quando me dei conta do ultraje que cometi, já era tarde demais.
— Para de agir como uma menina tola — repugnou, segurando o meu punho.
Puxei-o de volta, e esfreguei o local onde doía graças ao toque "sutil" dele.
— Não me toque! — Reclamei.
— Então não me desafie. — A ordem foi dada num tom calmo. Wayne readmitiu a postura centrada e indiferente de sempre. — Você esperava que eu fosse te receber de braços abertos aqui?
— Não vim para nada disso. Só precisava esclarecer algumas coisas.
— O que você quer esclarecer Maria?
No fundo esperei que ele fosse se negar a me dar respostas, mas não, Christopher disse sim e eu naquela hora não sabia se realmente estava pronta para saber de alguma coisa. Com a voz trêmula, entrelacei os dedos e olhei vagamente para o nada.
— Por que me aprisiona? — Perguntei, e ele instantaneamente segurou o queixo como de hábito.
— Eu já expliquei porquê.
— Então apenas diga de quem me esconde.
— O que eu posso fazer para que deixe de perguntar as mesmas coisas? — Retrucou nervoso — O que falta para que se conforme que está num lugar melhor?
— Me dê respostas, apenas isso.
— Dulce, se está assim pelo que aconteceu ontem...
— Ontem, — Interrompi — Não aconteceu nada.
— Então pare de perguntar por coisas que não importam.
— Estou cansada de tantos segredos Wayne — supliquei enfadada — Farta de não saber o que fazem com a minha vida. A vida é minha!
— Você quer sair desta casa? — Abri os lábios na mesma hora para responder, convicta, mas internamente fui impedida, incapacitada de falar.
O que está acontecendo?
Apenas diga, grite que "sim" Dulce!
Mesmo com toda a minha vontade eu não respondi, e isso o incentivou de alguma maneira a ir para perto de mim.
— Não sabe o que dizer? — Me questionou novamente, tão próximo e ousado como sempre adorava fazer.
Ele se sentia no controle, forte, e eu não podia continuar a permitir aquilo. Se recomponha! Ordenei e finalmente me ergui com mais força, conseguindo dar dois passos para trás.
— Só não entendo porque me mantém aqui se é óbvio que não me suporta e nem aguenta conviver comigo.
Eu queria mesmo chorar, mas desde que entrei por aquela porta aquilo foi a única coisa que me concentrei em não fazer. Não podia me rebaixar a tanto novamente.
— Não foi o que perguntei, e eu não disse em nem um momento que não suporto a sua presença. Isso foram coisas que você mesma deduziu sozinha.
— Não... — Grunhi indignada — Você não disse, mas demonstra. Me evita, me trata mal e sempre fingi que não existo. Como posso pensar diferente?
— O que você quer de mim Maria?
Foi então que minha raiva deu lugar ao medo. Fiquei presa e perdida. Eu nunca tinha pensado naquilo antes... Eu queria alguma coisa dele? Revoltada pela forma como estava sendo encurralada pelas minhas próprias palavras, empurrei seu peito fazendo ele ir abruptamente para longe de mim, e gritei.
— Quero que vá para o inferno!
Virei aborrecida e andei para fora, mas ele me segurou e me impediu de ir mais longe. Christopher mais vez me pegou pelo punho e me puxou para perto, a centímetros dele, provocando a minha ira sem se preocupar com as consequências.
— Nunca mais me desobedeça. — Ordenou, olhando profundamente em meus olhos.
— Não se preocupe, a partir de hoje terei o maior prazer de evitar ver você.
Ele me soltou, calado, quando eu lhe respondi aquilo. Livre, fui até a porta e girei a maçaneta, mas bem na saída, um dos seguranças me olhou surpreso revezando entre mim e Wayne.
— Sai da minha frente!
O gigante deu um salto para o lado ao ser ameaçado. Naquele momento eu não me importava com nada além do desejo de sair de perto de Wayne o mais depressa possível.
Corri chorando para o meu quarto, limpando no meio do caminho toda e qualquer lágrima que teimava em molhar meu rosto. Eu estava com vergonha e repulsa de mim mesma e pela minha idiotice em teimar ir naquele lugar. Sem perceber acabei esbarrando em alguém, e o mais desagradável foi perceber em quem tinha sido.
— Calma menina! Você quase me derrubou. — Ela arrumou os cabelos após reclamar, me olhando de volta — Wayne reclamou por causa das nossas compras.
— Agora não Samantha — rebati, me afastando para sair.
— Ei, eu não sou sua inimiga Dulce Maria.
— E nem amiga — respondi voltando ao percurso sem lhe dar mais ouvidos.
Quando voltei ao meu quarto, a cama parecia estar pronta para me receber. Me lancei sobre ela e abracei a almofada. Mergulhei minhas lágrimas salgadas na fronha branca, e em cada memória que me levava de volta aos meus pais.
Se eles estivessem vivos talvez eu tivesse para onde ir, onde buscar socorro. Na verdade, nada daquilo nem estaria acontecendo. Nós devíamos estar em casa...
Ele me fez pensar naquilo, certamente, desde que fui aprisionada pela cafetina o meu objetivo de todas as manhãs era achar uma forma de sair, me libertar, e agora, presa novamente, continuava a pensar assim, mas se eu fosse realmente livre dele, para onde iria?
Eu não tinha ninguém me esperando. Nada.
Aquela casa não era como a vida no sótão, com toda certeza não, e mesmo frívolo Christopher não deixava faltar nada do meu agrado, mas ainda assim me mantinha em cárcere privado, até certo ponto.
O que ele queria de mim a final?
Wayne me fez essa pergunta, mas era eu quem devia tê-la feito a ele:
O que você quer de mim Christopher?
***
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