
013
A mesa estava recheada de comidas, tantas que me fazia questionar porque aquelas mulheres preparavam aquela quantidade de coisas sem que eu nem comesse metade. Era um desperdício. Com a fatia do bolo de leite nas mãos, abocanhei, solitária, olhando a cadeira em que Christopher habitualmente sentava, vazia.
Alfredo estava parado do meu lado apenas acompanhando a minha refeição daquela manhã.
— Onde ele está? — Murmurei.
— Viajem de negócios.
— E quando volta?
Alfredo me encarou com aquele olhar fraterno de sempre, e pousou sua mão no meu ombro.
— Em breve, senhorita.
Aquilo soou como um tempo indeterminado, em que nem mesmo o mordomo que tanto controlava os passos de Wayne saberia dizer. Talvez fosse a minha presença "patética" que o incomodasse tanto como ele mesmo havia dito na manhã do dia anterior. Eu devia mesmo ser irritante, além de sozinha, e sem nada.
Aquilo me fez lembrar da minha verdadeira casa, e em como ela estaria, largada em West-Coast. Quase tinha certeza de que a hipoteca entregou a propriedade de vez ao banco depois dos meses sem meus pais para quitar as pendências.
— Alfredo, quero que se sente comigo.
O meu pedido foi como uma ofensa para ele. O homem pareceu estupefato.
— Isso está for de cogitação senhorita Escobar, meus princípios não permitem tal atrevimento.
— Estou pedindo a você, e não há nada de errado com isso.
— Sinto muito, mas ainda não acho apro...
— Alfredo! — Interrompi mais apelativa — Por favor, preciso conversar olhando nos seus olhos. O senhor Wayne não está aqui, só há nós dois.
Ele parecia muito desconfortável, mas Alfredo era humano demais para negar algo a alguém que realmente precisava. O mordomo se sentou como se a cadeira tivesse coberta de espinhos no estofado, e me viu sorrir satisfeita pela presença dele. Automaticamente o homem se rendeu.
— Preciso da sua ajuda.
— Em quê?
— Tenho que saber como está a minha casa — explanei controlando a tristeza — Foi a única coisa que me restou deles.
— Como eu faria algo assim? Sou apenas um mordomo.
— Mas você tem acesso à internet, pode pesquisar para mim, ver o que encontra.
— A senhorita também tem acesso, através do seu celular.
Minha mente clareou ao ouvir aquilo. Claro! Eu tinha um celular, podia usá-lo para saber mais alguma coisa. Alfredo nem precisou de explicações minhas. Só de olhar a forma como sorri, ele compreendeu que eu não tinha pensado naquela possibilidade.
Levantei rapidamente da mesa de jantar e corri até o lugar onde passava meus dias. Trancafiada, acessei todos os sites de busca, a procura de alguma notícia sobre acidentes de carro na época em que voltávamos de viajem, pesquisei endereços, qualquer coisa, mas a pesquisa foi sem sucesso. Não encontrei nada que falasse sobre o meu acidente, e nem da casa. Com uma sensação terrível, joguei o celular para longe de mim e me encolhi na cama, lamentando a má sorte.
Durante aquela semana dediquei meu tempo a leitura, e sem reclamar, permaneci dentro do quarto, fora os dias em que Alfredo me recordava da curta liberdade que Wayne tinha me cedido mesmo depois daquele episódio no escritório secreto. Aproveitando também a ausência dele, me alimentei nos horários corretos, todos os dias na sala de jantar, numa solidão implacável.
As vezes até me pegava checando a caixa de entrada do e-mail, esperando que ele houvesse lembrado de mim. Porque Christopher faria isso? Não fazia sentido algum alimentar aquela ideia ridícula, mas foi inevitável.
E como se não bastasse, num dos meus dias livres fui andar pelo jardim disposta a pegar com algum dos jardineiros um pouco mais de fertilizante para a minha planta, quando uma abelha demoníaca, vinda de algum planeta maléfico, resolveu deixar seu doloroso e fuzilante ferrão bem na minha perna esquerda. Não demorou muito para o meu rosto ficar como um balão de ar quente.
Alfredo se desesperou assim que me viu naquele estado, exigindo que era necessário um médico. Mas me neguei em sair dali. Christopher poderia estar longe, mas com toda certeza descontaria a sua ira em cima do mordomo assim que soubesse que ele me tirou da casa sem permissão, e isso eu não podia deixar acontecer. Me neguei ainda mais decidida.
Minha reluta também não durou muito, já que os efeitos da picada me fizeram perder os sentidos nos dois minutos seguintes, decaindo sobre a grama molhada.
Quando abri os olhos, tentei me situar, saber onde estava, e foi quando uma onda de tranquilidade me invadiu ao ver a cortina bege que Alfredo havia trocado naquela mesma manhã. Eu estava no meu quarto.
Ainda olhando em volta, com a visão turva, senti que algo feria a minha pele bem próxima do punho, delatando a agulha que estava grudada lá.
Mas a maior surpresa foi quando a luz do ambiente ficou mais intensa e meus olhos conseguiram ver a imagem de Wayne conversando com Alfredo, bem ao meu lado. Eu quis abordá-lo, e minha boca me impediu. Ela estava pesada demais, e quando tentei tocá-la para saber o motivo pude sentir o quanto estava inchada e dolorida.
Que droga! Eu devia estar tendo um daquele ataques anafiláticos em que a pessoa fica deformada.
Saia Wayne! Corra daqui!
Eu não queria que aquele homem me visse naquele estado tão ridículo, como se não fosse suficiente as minhas gafes perante ele.
Ainda como um baiacu inflado, percebi exatamente a hora em que o mordomo saiu e Christopher se sentou na beirada da minha cama, afundando o colhão, para checar meu rosto, tocando-o, e olhando cada lugar que, acredito eu, estava túrgido.
Pronto, agora ele vai me criticar, certeza.
— Você pode me ouvir? — Perguntou desconfiado.
— E posso falar também — rebati falando engraçado pelo também inchaço na língua. Era mesmo o inferno.
— Você é mesmo muito teimosa. Porque não foi ao médico?
— Não quis.
— Dulce, isso é sério, você poderia tem sofrido uma parada cardíaca.
— Mas você disse que eu não posso sair daqui...
— Num caso como esses não se brinca.
Se não fosse todo o meu medo e dor, eu podia acreditar que o semblante dele parecia preocupado, mas nada daquilo me deixou analisar. Porque está aqui Christopher? Alfredo me disse que ele estava longe, muito distante de nós, mas no mesmo dia do meu acidente eu o tinha do lado, como se sua viajem nem tivesse acontecido. Os efeitos dos remédios me deixaram anestesiada e com um sono inconsciente, e logo acabei adormecendo novamente, deixando Wayne sozinho.
Foi o dia inteiro vendo flashes de Alfredo passar de um lado ao outro, com pessoas vestidas de branco, até elas pararem de acompanhá-lo. Quando realmente acordei com completo meu corpo parecia mais leve e ao tocar meus lábios me certifiquei de que eles também estavam voltando ao normal. Aliviada, abri os olhos completamente e me espreguicei, também livre da fisgada no pulso.
O mordomo já tinha preparado algo para eu comer, e a julgar pela escuridão da janela, era noite. Alfredo me esclareceu que eu tinha passado quase dois dias adormecida pelos remédios e que era normal a minha noção de tempo estar afetada.
Debruçada na cama, saborearei com ânsia aquele jantar, devorando tudo bem rápido. Foi então que o barulho de passos firmes andando na minha direção me fizeram largar o último pedaço do sanduíche de atum para acompanhar a imagem de Wayne vindo até mim e puxando uma cadeira para se sentar ao meu lado.
— Como se sente?
— Melhor — respondi um pouco retraída.
— Realmente seu rosto está mais calmo — disse, pegando nas minhas bochechas com cuidado — Isso é bom.
— Você não estava em viajem? — Tive que fazer aquela pergunta.
— Sim, mas Alfredo me repassou o que aconteceu e eu vim o mais rápido que pude.
As palavras dele fizeram o meu peito expandir, numa respiração forçada e pesada, quase que agoniante. Cruzei os braços confusa e o encarei.
— Porque?
— Eu sou responsável por você, e é meu dever fazer isso.
— Claro — concordei desanimada, retirando a bandeja de cima das minhas coxas para colocá-la de lado.
— Tome mais cuidado da próxima vez Escobar.
Não respondi ao aviso dele, apenas voltei a deitar na cama virando-me de lado. Minhas costas arderam pelos olhares dele, mas o homem não se demorou muito ali, logo Christopher levantou e me deixou como antes.
~~~
Espreguiçando-me relaxada, despertei mais recuperada e com o corpo praticamente sem dor alguma. Foi revigorante, e até mesmo engraçado, refletir em como coisas cômicas sempre aconteciam comigo. Quando puxei o celular debaixo do travesseiro como costumava fazer todos os dias ao acordar, um sorriso longo invadiu os meus lábios, me deixando com um semblante bobo.
Tinha e-mail novo.
De: Christopher Wayne
Assunto: Voltando
Data: 12 de junho de 2014
Para: Dulce Escobar
Olá senhorita Escobar, achei justo avisá-la de que retornei à minha viajem de negócios já que você me pareceu bem melhor esta madrugada, quando indiscretamente, a observei dormir.
Retornarei em breve.
Christopher Wayne
CEO, Wayne Enterprises, inc.
Eu estava rubra quando terminei de ler, só de imagina-lo me olhar dormindo. Será que fiz algum som estranho ou careta? Automaticamente sorri pelo pensamento bobo.
E sucedeu como ele mesmo disse. Christopher voltou para a sua viajem e passaram-se mais dois dias desde o seu e-mail. O meu tédio não era uma novidade plausível, o próprio mordomo que me rondava se habituou a ouvir minhas reclamações de sempre. Aquela tarde estava bem ensolarada e tranquila, pelo menos até a porta do meu quarto abrir severamente interrompendo meu momento relaxado em que observava os jardins através da janela.
Samantha adentou plena como sempre, olhando em volta para aquele ambiente desconhecido. A sorte foi que eu não tinha muito o que discutir com ela quando Wayne não estava perto, e a julgar aquela "visita" repentina, tentei me manter o mais confiante possível.
Soltei os braços, que antes estavam cruzados, para me erguer e falar com ela a altura.
— Boa Tarde — adiantou-se a morena.
Eu ia responder, mas uma luz brilhante vinda do lado de fora jorrou sobre ela iluminando toda a pele da mulher, e eu não evitei perder a fala, era impressionante a beleza do tom negro daquela pele, invejável. A confiança que tentei manter foi quase por agua a abaixo. Era triste me olhar tão desbotada perante ela.
— Queria te fazer um convite Ninfeta — comunicou, já se sentando no meu sofá.
— Se você parasse de me chamar dessa forma eu agradeceria.
— Ah, não me leve a mal, gosto de te chamar assim. Digamos que para mim é como um apelido carinhoso.
— Fale logo o que quer — repeli voltado a olhar os jardins.
— Quero que sejamos amiga.
Eu me virei instantaneamente para tentar entender onde ela tinha batido com a cabeça.
— O que?
— Olha, Dulce, você é uma menina bonita, jovem, e eu adoro moda. Trabalho com isso. Minha vista dói quando a vejo vestida dessa maneira, e como Christopher não está aqui, pensei em leva-la comigo para fazer compras.
Era uma oferta tentadora, porém, podia ser alguma cilada ou armadilha daquela mulher. Meus olhos a analisaram, cuidadosos, e embora a minha desconfiança nela não fosse forte, eu queria trocar aquelas roupas, mais ainda depois de Christopher me intimidar dizendo que elas eram minha proteção. Mas eu não fazia ideia do que exatamente elas me protegiam, e a única forma de saber era mudando-as.
— Compras?
— Sim! Você vai gostar.
— Alfredo vai comigo — impus praticamente já confirmando minha presença.
— Faça como quiser. Se quer levar o mordomo.
— Mas tem os seguranças, eles podem impedir a minha saída.
— Não seja por isso — afirmou otimista — Vamos sair agora.
Ela me pegou pela mão e me levou para fora, e quando os seguranças se aproximaram de nós, a mulher deu um sermão dizendo que ela podia me levar aonde quisesse.
E foi incrivelmente assustador.
Eles obedeceram a ela, como faziam com Wayne. Samantha era mesmo muito influente naquela casa, e depois daquilo eu tive mais certeza ainda disso.
A mulher era como um furacão incontrolável, e no meio do caminho para fora, encontramos Alfredo. O mordomo também foi arrastado conosco, quase sem poder articular nada.
Logo estávamos os três dentro do carro de Samantha já saindo da mansão.
***
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