15 • como o sol ( I )
n/a: "como o sol" é um conto divido em duas partes, inspirado na música "Queima a minha pele" do Baco Exu do Blues que está na mídia.
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Amor, você é como o sol,
ilumina o meu dia,
mas queima a minha pele.
- Baco Exu do Blues
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12.06.2019
(I) Queima
Eu não queria reproduzir dessa forma coisas que eu já deveria ter desaprendido há tempos. Talvez chorar escondida atrás das cortinas quando criança não tenha me ensinado o suficiente sobre como evitar que as faíscas do amor se transformem em explosões atômicas. Talvez ter visto os meus pais brigando não tenha me ensinado que um armistício é sempre melhor do que dizer sempre o que pensa (sem antes pensar) e sair batendo portas, desfazendo laços, descuidando dos outros. De certa forma, eu aprendi a cultivar relacionamentos conflituosos. Naturalizar o conflito. Brigar é normal de vez em quando,não é?
De vez em quando, talvez. Mas não era só de vez em quando. Não mais.
"Não é possível que...", meu tom já desafiava as paredes do cômodo. Seu rosto estava vermelho e seus olhos brilhavam como se fossem um incêndio estável, sem chance de que qualquer água o apagasse. Compenetrados em mim, pareciam estar prontos para os insultos que sabiam que sairiam de mim para te atingir. "Como você pode ser tão idiota? Não, talvez eu que seja a idiota".
"Por que você tem que ser tão ciumenta? Era só a porra de um ensaio, quando era do Bangtan você não reclamava..." seus olhos se fecharam por instantes e você massageou o próprio ombro, enquanto eu continuei estática, queimando dentro do incêndio dos seus olhos.
"Ciumenta? Por Deus, Hoseok. Até às três da manhã? Sério? Explica pra mim que porra que está acontecendo que você não chega em casa antes das onze nenhum dia... E eu, a otária que achou que isso ia melhorar depois que aquele grupo acabasse."
"Por que você fala assim das coisas do Bangtan?" me fita por alguns segundos antes de jogar os cabelos para o lado de um jeito que eu gostava, mas que sequer me fez esboçar um sorriso, estava tão absorta naquela demolição: as faíscas depois que a edificação se transforma em escombros, a parte elétrica mostrando que sempre esteve ali e o quão capaz era de fazer estrago, a metáfora perfeita para quem achou que conseguiria sair ilesa dessa discussão. "Parece que você sempre escolhe as palavras que sabem que vão me magoar. Como você faz isso?"
"É uma arte." Eu poderia ter pedido desculpas, poderia ter voltado pra quando você bateu a porta de casa, tirou a camisa e deitou do meu lado. Poderia ter fingido que dormia quando colocou sua mão sobre a curva da minha cintura. Poderia ter fotografado o silêncio; respirado fundo; poderia ter bebido menos vinho antes de adormecer sozinha no sofá e acordar às duas da manhã com a sua ausência; poderia se suas mãos não tivessem me queimado ao me tocar. Mais calor do que poderia suportar sobre a pele. Cohabitar com você não era mais saudável para mim, aparentemente, para nós dois. "O seu silêncio também não me deixa muito feliz."
Perdi o ritmo da fala. Não era mais aquele tom bravo, ríspido. Não estava mais nervosa, meus sentimentos foram corroídos pelo fogo, em breve seríamos só cinzas no meio da sala. Não duraríamos mais nem uma madrugada.
Éramos apenas uma memória de um tempo bom onde o calor não queimava, onde era possível ver sol às 4 da manhã; aquela noite depois da festa de lançamento do álbum; disco de ouro; Grammy; tudo tão brilhoso, mas nada tão reluzente quanto seus olhos me observando desfazer o nó da sua gravata; o vaso de cristal derrubado no chão do hotel; as gargalhadas altas no terraço em Los Angeles; seu corpo magrelo depois da turnê me amassando em um abraço; eu te amo, fácil me baquear, era só sua voz no telefone; sua mão dedilhando minhas costas nuas; eu achei que soubesse o que era estar no topo, mas nunca tinha estado aos seus pés, aquela frase no cartão que acompanhava a caixinha, uma pulseira com um pingente de sol; você já quis estar comigo o tempo todo.
Essas memórias: uma folha em branco em minhas mãos.
E como se pegasse um isqueiro, fiz a chama alcançar só uma pontinha para depois ver o fogo consumindo aos poucos a celulose. Branco, chamas avermelhadas e, por fim, cinzas. Éramos calor antes, agora somos cinzas.
Ela é malvada, ela. Ela magoou Jung Hoseok, fez o Hobi chorar, olha só como ela deixa o j-hope infeliz. Talvez eu fosse malvada, com certeza me arrependo. Mas alguém já perguntou sobre mim? Aquela que nunca era o suficiente a ponto de ser individualizada, um relacionamento sendo sombra do sol.
Exausta de ser estepe silencioso das suas frustrações, a garota sem nome. Eu prometi que sempre estaria aqui pra te ouvir. Me desculpe, eu não cumpri essa promessa. No início eu conseguia te entender, quase como se falássemos mesmo a mesma língua, deixava com que você depositasse suas angústia em mim, mas eu não era como você, não soube ouvir em silêncio, engolir injustiças, seu sofrimento. Eu odiava todas as pessoas que te faziam triste e, que irônico, eu me tornei uma delas.
Lembro de alguns momentos difíceis, mas ver você chorar foi uma das coisas mais duras que tive que presenciar, foi quase tão difícil quando vi meu pai chorar. Eu te contei, você sabe. Estávamos aconchegados um no outro no sofá, os créditos de Amour passavam na tela, meu avô havia falecido há pouco tempo. Vi o seu reflexo na TV, você ajeitando seu corpo no sofá para me colocar no colo, sabendo que eu chorava. Eu vi meu pai chorar inconformado com a morte de meu avô, joelhos no chão, foi difícil de esquecer.
E assim foi quando ouvi seus soluços ecoarem em uma arena que caberia o mundo, mas não cabia a minha angústia por estar tão longe. E doeu muito ver você chorar, segurar o choro como se cada lágrima doesse, inseguro por nunca se achar o suficiente, quando para mim nunca precisou de nada daquilo. Aqueles holofotes todos forjavam o seu brilho, mas era você e era a forma que você quis brilhar no mundo. Eu queria te proteger, briguei com os outros, com você, comigo mesma, como se minhas palavras agressivas pudessem te convencer que chega de carregar o mundo nas costas. Mas eu nunca te convenceria e também não seria justo, afinal, era o que você queria. Você tinha que ser sol do mundo todo, eu não poderia querer ser egoísta e pedir por manhãs de sol só pra mim.
"Eu não sou exclusividade sua, eu tenho outros compromissos. Não é porque o BTS deu uma pausa que eu vou realizar tudo que não fizemos, o tempo passa." sua voz me atravessou, algumas palavras a mais estaria no chão, mas me mantive firme. Não posso te culpar por estar dentro dessa casa em chamas, estamos.
O tempo passa? não passa. No abismo do coração*. Eu te ensinei a declamar Drummond e você me ensinou a esperar, ser compreensiva com o seu tempo, o tempo das coisas. Resiliência e persistência, duas sabedorias que aprendi com você, mas que hoje já esqueci. Aquela folha em branco já queima no chão com as memórias, não sou mais capaz de segurá-las.
Mas eu não desaprendi as suas lições tão rápido assim, eu esperei por bastante tempo. Foram muitas manhãs nubladas, tempestades choradas sozinhas, garrafas de vinho para um, chamadas não atendidas no Skype, o desafio de acompanhar as suas viagens pelos fusos, noites mal dormidas. Não foi fácil pra mim ser sombra.
"Para bom entendedor, meia palavra já basta." minha voz não chegou a falhar, eu tinha certeza que ali já se tornara cinzas.
E até as suas lágrimas eu sequei. Por mim você não chora mais. Chega, seus olhos diziam, as chamas ardendo nas íris castanhas. Não é preciso dizer muito quando os olhos falam assim, os olhos fotografam o silêncio e é ensurdecerdor. Antes ficar do seu lado era seguro para mim, eu já morei no seu olhar, hoje é incêndio, queima e preciso fugir antes que não sobre mais nada de mim.
"Eu preciso pensar, eu... Eu vou dormir fora hoje..." você atravessou a sala atrás da chave do carro, parecendo não saber como realizar as próprias ações e eu não era capaz de esboçar a sensação que sentia, mas era como a pele latejava depois de colocada na água para tentar aliviar uma queimadura. Mas não era alívio, pelo contrário, ainda doía bastante, queimava e eu sabia que era só o começo.
Pensei em dar um passo em sua direção, mas não vi sentido nisso. A distância já estava criada, paradoxalmente, depois de tanto tempo tentando alcançar o sol. Então é isso, Ícaro, somos incapazes de nos aproximar do sol.
As nossas asas dependem da existência da nossa distância. Entendi.
"Você não precisa voltar."
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Notas solares:
Amour (2012) :- filme francês do diretor Michel Haneke que ganhou a palma de Ouro em Cannes (2012) e o Oscar e Melhor Filme Estrangeiro (2013). Filme lindíssmio. Sinopse da wikipedia pra vocês terem noção: "Georges e Anne são dois idosos apaixonados pela arte e, principalmente, um pelo outro. Os desafios da terceira idade afetam sua forma de viver e o modo como se relacionam com a filha, mas o amor entre eles segue inabalável."
O tempo passa? não passa. No abismo do coração: trecho de poesia de Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro (1902 - 1987), publicada pela primeira vez em 1985 no livro "Amar se aprende amando".
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Hello sunshine!
Isso é inesperado até pra mim (e pra minha revisora que não revisou - já aviso que se ela mandar apagar, não vou nem pensar duas vezes, tá legal? Jana que manda nisso aqui hahaha), mas eu queria que o dia de hoje me surpreendesse. Espero que tenha sido uma surpresa boa pra vocês! Aguardem pela parte 2, espero que tenham gostado!
Beijos da Maria ❤️
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