Capítulo 94
CAPÍTULO 94
Gareth estava apreensivo do lado de fora do consultório de Regiane Herrera. Apertava a mão de Simonetta, como se daquele aperto dependesse a vida e a salvação de ambos. As crianças estavam sendo assistidas por assistentes de Regiane. Enquanto Olívia era ninada por uma delas, Gabriel parecia se divertir com um pequeno quebra-cabeças. Isso fez Gareth lembrar de Abel e Caim, que também tinham o brinquedo como divertimento.
– Mona, eu não consigo evitar de imaginar o quanto as coisas estariam melhores se eu tivesse evitado a tentação naquele dia do aniversário da Sam. – Desabafou Gareth. – Teria sido evitado tanto sofrimento desnecessário para mim, para você, para as crianças ... Eu acho que tudo estaria mais simples pra todo mundo. Talvez eu mereça todas as desgraças da minha vida.
– Não é porque você é irmão da senhora beata Maria Marta que deve puxar a responsabilidade de todo infortúnio para si. Lembre-se que você sozinho não pode causar todo o mal da humanidade. – Respondeu Simonetta. – Além disso, não sei se teríamos mais força separados do que juntos. Acredito que seríamos bem mais fracos, sabe? Mamãe me disse que sabíamos de praticamente tudo que passaríamos antes de nascer. Passar por isso foi uma escolha nossa, acredite!
Chamados pela irmã de Martins e do demoníaco Lázaro, o casal encerrou a conversa. Sabia Gareth que seus filhos teriam bem mais dificuldades de entender e se adaptar àquele mundo maldoso. Temia Gareth que suas duas maiores bênçãos lhe levassem a sua maior maldição.
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Helionora pensava em Gina enquanto lia o apócrifo lhe mandado por Maria Marta. "Não é canônico, mas tenho certeza que é inspirado por Deus", disse a beata à irmã. A religiosidade da mãe de Eden parecia mais suave e o espaço à tolerância estava aberto em seu coração. Quanto à Gina, esta era finalmente dona da felicidade que merecia e que evitava desde que se separou de Simão.
O protoevangelho de Tiago era um documento interessante. Ele explicara parte das tradições católicas, familiares à Helionora, que não estavam contidas nas Bíblias. Naquele texto miúdo, a psicóloga pode entender a dor de santa Ana, avó de Jesus, de não ser mãe em um tempo em que a utilidade da mulher era resumida a ser esposa e também mãe. "Ainda bem que nasci em outro século e nunca me desgostaria de não ser mãe. Mas por que você, bebê, me pegou assim de surpresa? Tantas mulheres que têm o seu sentido de vida atrelado ao sonho de ser mãe e não podem, enquanto uma que nunca desejou se tornará. Eu ainda nem tenho nome para ti!", dissera Liô à menina de seu ventre.
Com esses pensamentos, a imagem de Maria Marta retornou à mente de Helionora. Ela também não queria ser mãe, mas por motivos de sua fé exacerbada. Diante de uma ordenação não realizada, a escorpiana entregou-se à amargura e ao desafeto pelos filhos. Helionora não pretendia fazer o mesmo, mas até Maria Marta tinha nomeado seus rebentos ao chegar ao sexto mês de gestação! A gestante abrira dois guias no navegador de seu celular. Um era para pesquisar o significado de alguns nomes, outro para falar com a irmã. Ela precisava falar com a irmã, tentar entender o porquê dela se aliar matrimonialmente com uma figura tão horripilante como Mikhael. Além disso, parte do nome de sua filha já estava decidido: seria Maria, como a tia e como a mãe do Cristo Jesus. Visto que Ana era o primeiro de sua sobrinha dupla, a capricorniana pesquisou o significado do nome Joaquim: Deus estabeleceu. Sim, aquela menina era uma surpresa estabelecida por Deus.
Por sorte de Helionora, Maria Marta estava usando seu notebook naquele momento. Talvez estivesse assistindo a algum programa católico ou revendo fotos de Marcelo. A beata não tinha o usual lenço na cabeça e deixara o cabelo crescer mais do que era de costume.
– Precisando de conselhos da irmã mais virtuosa da família? – Indagou a mãe dos gêmeos. – Você está bem? A minha sobrinha está bem?
– Talvez eu que devesse perguntar se você está bem... Mas eu não estou aqui para causar conflitos, né? – Respondeu a gestante. – Como anda Eden? E Abel e Caim?
– Felizmente Eden, agora, parece um rapaz comum, não que seja ruim ser incomum... Temos bons exemplos de pessoas comuns que não falem os gases que solta. Ele tenta esconder que está saindo com a sua enteada, mas algumas coisas são bem óbvias ao olhar atento de uma mãe. Claro que eu preferia que ele estivesse saindo com uma garota terrivelmente católica, mas se a garota católica for como a avó Maytê dele, é melhor sair com qualquer outra. Eden é inocente, mas nem tanto. Afinal ele é meu filho, né? Tem que ter obrigatoriamente o "modo defesa" ligado. Já Abel e Caim falam como podem no novo idioma misto deles. Parecem saber muito bem de onde vem seus nomes, tanto é que se chamam por Abol e Cadim. Quando não podem falar escrevem algumas frases em seus respectivos quadros brancos. A mais comum é "Non incomoda".
– Já estou adorando o apócrifo que você me mandou. Não, não pense que eu quero ocupar o lugar do mosteiro deixado pela tia Silvana, mas ele me ajudou muito, tanto espiritualmente quanto na decisão do nome da minha filha: ela será Maria Joaquina. Maria como a tia e Joaquina porque Deus estabeleceu-a para mim. Não sei bem quais são as intenções D'ele, mas algum propósito ele deve ter. Ah, eu quero que você e o Luís sejam os padrinhos da Maria. Apesar de todas as nossas diferenças, Deus nos quis como irmãos nesta vida, não é mesmo?
– Eu fico grata pela homenagem e pela escolha, embora eu não me ache tão merecedora assim. – Respondeu a viúva de Marcelo. – Quando eu e Marcelo finalmente consumimos o casamento e engravidei de Eden, desejei que o bebê fosse uma menina, pelo menos. Ela seria minha companhia em todos os terços e missas. Meninas gostam mais de igreja, não é isso? Infelizmente não posso ter agora o que eu desejei... Uma pequena Eva, não é mesmo?
– Não fique assim, minha irmã. Como eu sei que esse seu casamento novo é totalmente de fachada, lhe incentivo a pensar em suas netinhas. – Respondeu a loira. – Acho que Alasca não se oporia se você levasse suas netas para conhecer um pouco da igreja. Ela já foi terrivelmente católica.
– Que as suas palavras sejam as de um anjo. – Desejou.
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Depois da descoberta de Donatello, Silvana não tinha a cara de pau de continuar com a vida religiosa. Não que ela não gostasse do sacerdócio, pelo contrário. Durante anos e anos de angústias e traumas, só uma conexão mais próxima com Deus foi capaz de fazê-la aguentar o martírio da existência. Silvana estava arrumando sua mala para viajar em missões de conversão pelo continente asiático, juntamente a outras ex-religiosas, quando foi surpreendida por batimentos na porta de seu quarto. Sua visitante tratava-se de Nathalia Muniz.
– Veio se despedir de mim, minha menina? – Indagou a filha do meio de Gaetana.
– Não, eu vim acompanhá-la nessa missão. – Respondeu a jovem acadêmica. – E não pense em dizer não. Já me voluntariei para as mesmas missões que as suas como médica assistente e isto não me atrasará em nada na faculdade, apenas melhorará o meu currículo.
– Por que teve essa ideia maluca? Não sabes que não é bom uma moça como tu andar viver como uma nômade nesse mundo de nosso Deus? – Questionou a ex-freira.
– O nome do meu mal é paixão. – Confessou. – Além disso, preciso achar o paradeiro de uma certa garota.
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Era 23 de julho de 2017 quando Ginevra decidiu compartilhar sua decisão conjugal com o restante da família. Para isso, avisou antecipadamente a Marina e Isaías sobre a viagem que faria a Salvador para falar com dois de seus três filhos e netos. Contatou também a Eden para que colocasse Helionora, que estava estudando a pós-graduação na Itália, ao vivo na hora do anúncio. A italiana esperava estar em outubro em sua cidade natal para que pudesse acompanhar o parto da filha mais nova. Esperava também que a filha mais nova viesse ao Brasil antes do nascimento de Maria Joaquina para a celebração que Gina estava prestes a anunciar.
Marina estava radiante com o fato de ter Gina como nova mãe. A moça, tão diferente no jeito e nas ideias, só precisava de uma mão amiga que lhe compreendesse e zelasse por ela. Todos estavam reunidos na casa de Simão previamente, com exceção de Simonetta e sua família, que chegaram dez minutos atrasados. A neta mais velha de Gina parecia estar com dificuldades de controlar o ânimo dos filhos. Felizmente a presença desagradável de Mikhael não se fazia presente, o que deu ar de vida ao rosto pálido de Maria Marta.
– Filhos, netos, família. É bom vê-los reunidos sem indícios de brigas ou chateação. Como eu quis, muitos natais, que vocês não tivessem no semblante ódio uns pelos outros. – Desabafou. – Liô, já avisando que não aceito um não como resposta, estarei aí em Gaeta para o nascimento de minha neta. Sim, eu sei que aí me traz lembranças dolorosas de mais de quarenta anos, mas eu preciso superá-las. Antes disso, eu gostaria da companhia de todos. Eu e Isaías decidimos que isso será feito daqui há exatos dois meses. É com alegria que convido vocês para meu segundo casamento! – Revelou a matriarca para surpresa de todos.
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