CAPÍTULO 65

Asia estava com muito medo. De fato, não era todo dia que você deixaria de seguir o catolicismo para virar uma bruxa. Bruxas. Pelo que Asia sabia dos livros de história muitas delas morriam nas fogueiras; pelo que os pais de Asia, João Hélio Setembrino e Maria das Graças de Jesus Setembrino sabiam, bruxas eram enviadas do diabo. Asia tinha 17 anos e um pentagrama feito com o sangue da sua menstruação em sua testa. Escolhera a alcunha Adams por achar até então o mundo das bruxas muito sombrio. Talvez ela também fosse um pouco sombria.

De olhos vendados, em meio às velas coloridas, bruxas desconhecidas e um ritual ao mesmo tempo macabro e fantástico, liderado por Virgo, Asia se prometera aliar a Lilith, que segundo Virgo e seu ainda imaturo pensamento, fora injustiçada pelo Deus Hebraico Yeshua e pelo Cristianismo Apostólico Romano.

– "Prometo dedicar minha virgindade a ti, ó Eu Feminino, Lua Negra, primeira mulher, deusa e demônio, Lilith. Minha prole será a ti dedicada, após em ato entregar minha virgindade a ti, rompendo meu hímen por ti através de um nascituro concebido sem sexo. Ó Lilith, não quero imitar a mãe do Emmanuel, mas apenas trazer a Verdade e o Conhecimento aos seres humanos da Terra", prometera Asia, ficando com o pentagrama, antes vermelho, da cor dourada.

Dito isto, quatro chamas de fogo apareceram ao redor de Asia. A primeira chama era vermelha, que lhe incitara ao erotismo, e dela saiu uma mulher de pele negra, com escamas de serpente. Asia só se lembrou, depois de alguns anos, que a sua vontade de se masturbar aumentou 3000% ao ver aquela mulher. A segunda chama era de um lilás encantado, que flertava com tons de roxo. Dela saiu uma jovem mulher que carregava em suas mãos uma bola de cristal parecida com a lua cheia, cuja habitação era o céu naqueles dias. Aquela mulher parecia ser a dona da magia, a rainha das bruxas, um ser primordial.

A terceira chama era laranja e flertava com tons de dourado. Dela saiu uma mulher de olhos amendoados marcantes e que cheirava a livros e profecias medievais. Mais tarde Asia saberia que ela se tratava de Lua, líder das bruxas na época da Inquisição. A quarta chama era de um azul muito brilhante e mulher que dela saía tinha a pele negra como a noite e pequenos sinais pontilhados, que lembravam as estrelas. Ela estava grávida e, da sua barriga ao seu colo uterino, saia uma luz muito incandescente que cegaria Asia instantaneamente, caso esta não tivesse entre bruxas tão poderosas.

As quatro entidades conversavam entre si um idioma distinto, mui parecido com um grego misturado ao latim. Parecia haver uma briga entre as mulheres da chama vermelha e a da chama azul, tendo as outras duas mulheres como apaziguadoras. Elas estavam disputando algo ou alguém. Elas estavam disputando Asia.

– Asia, minha discípula, quanta honra! – Exclamou Virgo. – Em minha iniciação só Lilith deu as caras. Na sua Lilith, Hécate, a líder contra a inquisição, e ela, a tão falada Virgem do Sul.

– E os que ela falam, Edwirgens? – Perguntou Asia.

– A Virgem do Sul quer impedir que você se alie a Lilith. Não caia nessa. Lilith te trará o conhecimento.

Passadas essas lembranças vívidas o sonho pulou para outro momento vívido, que a Deusa teimou fazer Asia reviver.

– Menina da Lua corre aqui. Acho que conheço você. – Insistiu Simão.

– Eu não sou da Lua, pois eu sou um continente. – Reclamou Asia.

– Além de bela, é modesta. Pelo que eu saiba a Lua é bem maior que um Continente. Prazer, Simão Garuzzo.

Nisto Asia acordou do sono muita assustada olhando para o relógio, ao lado da sua cama de hóspede na kitnet de Stella, o dia e a hora daquelas visões: era 00h42 do dia 11 de junho de 2015, aniversário de 20 anos de Gareth.

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Algumas coisas eram bastante complicadas de serem entendidas por Eden. Se seu tio Luís Cláudio, sua mãe e 90% da população soteropolitana achavam errado o casamento de Gareth e Simonetta, por que o juiz autorizou-o? E se virgens engravidavam com a intercessão do espírito santo, por qual razão Virgo também engravidara virgem se ela, de longe, não tinha nada a ver com a entidade cristã?

– Não acredito que a minha tia-avó te pariu virgem, prima! – Exclamou Eden para Stella. – Ela é mais atípica do que eu, sério.

– É, Eden, isso aí é de extrema loucura da parte da Virgo. – Respondeu Simonetta, que acompanhava Stella e Eden no diálogo. – Mas, isso não é novidade. Basta olhar para a Grécia e suas deusas virgens e a própria mãe de Jesus Cristo, Virgem Maria, tida em virgindade perpétua pelos católicos.

– Ela usou todo sangue que resistiu botar para a fora no meu parto como um sacrifício a Lilith, a Serpente. – Completou a namorada de Luís Cláudio. – Ela fez tudo isso no meio de uma floresta...

– Esse negócio de parir no meio da floresta não é apenas coisa da Edwirgens não. A Asia, minha sogra, pariu o Gareth no meio da mata e... 

O alvo da conversa aparecera logo em seguida, sorridente. Não era todo dia que se completava 20 anos.

– Olá, amor.  Por que você está falando meu santo nome uma hora dessa da madrugada? São só 10h00! – Interrompeu o noivo de Simonetta.

– Parabéns, titio.  – Apressou-se Eden. –  Eu esperava ver a Alasca primeiro, mas você também serve. – Completou.

– Eden, pare de ser grosseiro! – Exclamou Simonetta.

– Tudo bem, eu gosto de pessoas verdadeiras... – Confessou Gareth. – E eu agradeço a todos, de verdade, que estão nos ajudando nessa minha festinha.

– Errado! Nossa festinha. Nossa, despedida de solteiro adiantada. Se bem que a gente é solteiro só no papel e em breve vamos deixar de ser, mais especificamente, daqui há dez dias.

– Eu não entendo... – Opinou Eden. – Qual foi o feitiço que vocês usaram para aceitarem vocês casarem, assim, tão depressa?

– Isso se chama achar brechas na lei, Eden. – Respondeu Simonetta. – No Brasil casamento avuncular é permitido, desde que se prove que a prole nascerá sadia e o casal anda bem da saúde mental. Os exames genéticos do Gabriel foram feitos várias vezes na minha tentativa de vencer o namorado da Stella nos tribunais. Como eu e o Gare temos acompanhamento com o Dr. Wanderson e , ele, apesar de ter todos motivos para nos odiar, nos apoiou, ficou muito mais fácil. Além disso ficou constatado que eu e Gareth somos estudiosos, trabalhadores, que mantínhamos um relacionamento saudável e que não somos indecorosos com amigos e família.

– Mentira deslavada. – Gritou Leônidas, que chegava em frente ao Stellium. – Eu e Stella vimos 90% dos beijos de vocês e ainda vamos ter que ser padrinhos e pagar presente caro. – Debochou o aquariano. – Qualquer um pediria desculpa para nós. Mas ele é o Gareth.

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Não que aquilo fosse mais um Haloween Fora de Época, ou que Stella só soubesse fazer Haloweens Fora de Época, mas a festa de Gareth e Simonetta parecia mais uma reunião de bruxas ou de aliados de um suposto Anticristo. Donatello, intrometido a penetra, também estava presente, desta vez desgarrado de Cecilia e Silvana. Ninguém ali parecia normal ou típico para a sociedade humana.

– Então o primeiro nome daqui foi Cruzeiro do Sul? – Indagava Donatello em uma conversa com Ruthy. – Sempre gostei dessa constelação. Fico feliz por Cristo ter escolhido uma região com tão belo nome para pôr o seu espírito.

– Não sou eu quem digo. Foi Humberto de Campos a Chico. – Respondeu Ruthy, que se esquivava de Stella toda vez que via seu cabelo beterraba de longe. Com motivos.

Stella observava todas as conversas como uma coruja. Claro, ela usava um pouco de magia para manter seus ouvidos prontamente antenados.

– Você não acha estranho um padre acreditar tanto em espiritismo? – Falou Gareth para Simonetta. Ambos escutavam de perto a conversa de Ruthy e Donatello. – Eu mesmo quase que fui excomungado da igreja em que eu frequentava porque acreditava em alguns preceitos do Wicca.

– Eu acredito que o Doni só esteja procurando uma nova roupagem para o que já acredita. O jeito dele, todo eufórico e guerreiro faz lembrar os dos primeiros cristãos. Talvez seja isso que ele esteja procurando e talvez seja até por isso que ele tenha vindo aqui para o Brasil. Ele quer se aproximar do pensamento dos primeiros cristãos e muitos deles eram médiuns. – Comentou Simonetta. – Foi mamãe quem me ensinou isso. Foi ela também que me aconselhou a me manter católica e mesmo sendo católica não ser deveras extremista, a ponto de saber conversar e entender pessoas de outras religiões. Sei que pareço morna na fé e eu não queria ficar assim. Eu só quero entender o mundo de uma forma mais completa e de uma maneira mais plausível.

– Eu vou me casar com essa mulher e não sabia disso. Sou muito fraquinho para você! – Exclamou Gareth. – Tenho muita coisa a aprender ainda com minha deusa.

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Asia estava se sentindo bastante aflita desde o sonho vívido que tivera com Virgo. "Calma, Asia, isso foi há 28 anos", pensou ela. Nessa época Stella nem havia nascido e Asia estava prestes a conhecer a Simão, a viver um amor imoral e engravidar de Gareth. Gareth. Ela esperava que seu filho fosse finalmente feliz, sem sombra de nenhum segredo ou agouro em sua vida. Naquele dia ele fazia 20 anos e estava finalmente se tornando um adulto completo. Ela devia muita coisa a ele, principalmente sua vontade de viver.

– Eu quero fazer um discurso para o meu aniversariante, minha existência em metade, meu bonequinho com olhos da cor do oceano. – Começou Asia, pegando o microfone disponibilizado por Stella. – Há 20 anos eu me encontrava em uma mata muito fechada, em desespero e agonia, me martirizando e me autoflagelando. Ele estava nascendo. O trabalho de parto foi das 04h00 da manhã às 12h00. Ele nasceu com o Sol em pino e seu choro acalmou minha alma. Eu lhe peço desculpas: eu deveria ter sido uma mãe mais completa, uma mulher mais digna e íntegra, um exemplo melhor para o meu filho. Não espero apagar o passado como se ele fosse nada, só espero que o nosso futuro seja bem melhor. Te amo Gareth!

O filho de Asia saiu de perto da noiva grávida e abraçou delicadamente a mãe.

– Eu que tenho que pedir desculpas. Eu tenho orgulho e me gabo da mulher que Deus escolheu para ser minha mãe. Sou muito grato mesmo.

– Bravo, bravo, bravo!!! – Gritou uma voz invisível do meio da plateia. – Eu daria o prêmio de melhor loba e lobinho para vocês dois, se eu não tivesse sido amaldiçoada por essa traidora a restringir minhas andanças debaixo do Sol.

– Virgo, sua serpente, apareça! – Gritou Asia, de volta. – Eu só me protegi de você, sua enfiteuta. Ou você preferia que eu te deixasse livre, leve e solta para matar a mim e meu filho?

– E você pensou em mim e em minha filhinha? – Indagou Virgo, se tornando visível. – Não, você não pensou. Olha ela: se tornou tão linda, mas tão limitada! Agora ela anda ceando com nossos assassinos e dando-os de comer da maçã do amor.

– Não acredito que seria uma mãe maravilhosa e menos cruel, Edwirgens Darcano. Você é tão podre que nem admite as consequências de suas maldades. – Respondeu Stella, inflamando-se contra a mãe, e lançando-se um feitiço de autoproteção.

– Olha ela! Tornou-se afrontosa. Agora só falta abrir os olhos e usar o poder dela por completo. Infelizmente ela gastou a virgindade bônus dela com um carcereiro de bruxas. Não te julgo, eu também já fui influenciável. Já que estamos em clima de gratidão, vou agradecer minha filhota: graças a ela me tornei poderosa o suficiente para manter meus trabalhos em dia mesmo com a maldição da fura-olho da Asia. Só vou deixar um lembrete: eu vou passar por cima de todos e todas que estiverem no meu caminho. Convido desde já minha querida filhota Johana, Simonetta e seu servo, eles têm crédito aos olhos de Lilith, e aquela mocinha ali, a que tem poder para superar a Asia e me superar, Alasca. Já a Asia não vai ter perdão. Até mais amiguinhas. – E desapareceu numa nuvem preta.

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Maria Marta estava cansada. Cansada de Deus ser tão bom com ela. Ela queria mais: que Deus fosse justo e lhe fizesse pagar seus pecados na Terra mesmo. Talvez os últimos acontecimentos, que atiçaram suas lembranças mais cruéis, fossem um tipo de penitência. Um tipo de penitência pior do que a do tempo que passou indo e voltando do hospital, lutando contra as idas e voltas da leucemia, contra seu amor por Marcelo e aquele casamento de fachada. Maria Marta tinha muito que se penalizar e precisava desabafar. Não, ela não era desabafar com Helionora, nem com nenhum padre. Decidira ser como a menina que era, antes da leucemia aparecer: comprara um diário. Ele seria um confidente surdo, mudo e paciente.

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Stella ainda estava abalada com o episódio da noite anterior. Agora, ela temia mais do que nunca alguma retaliação de Virgo e isso a machuca e a preocupava profundamente. Uma carta havia chegado. Devia ser de Luís Cláudio, parabenizando-a pelo Dia dos Namorados. Ela esperava que o filho mais velho de Simão comparecesse à sua kitnet, mesmo sendo totalmente contra a despedida de solteiro que ela organizara para Gareth e Simonetta. Uma carta.

"Prezada Johana Stellium Darcano, vim por conhecimento e pedido de vosso companheiro, lhe solicitar a venda se sua loja Stellium, para trabalhar com assuntos didáticos, que envolvam um novo olhar sobre a Inquisição na Idade Média. Graciosamente, João Muniz, dono da Didática de Munique."

É, parece que Virgo tinha conseguido o que queria fazendo aquele estardalhaço todo na festa de Gareth e Simonetta. Inconformada e com razão, Stella decidira que seria ela que faria uma visita para o namorado naquele 12 de junho. Ou ex. Stella amava demais aquele homem para fazer tudo que ele quisesse. Assim, a feiticeira, com sangue nos olhos, se direcionou à antiga casa de Simonetta, para pedir um tempo a Luís Cláudio.

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