Capítulo 64
CAPÍTULO 64
Simão Virgínio Garuzzo, 64 anos, virginiano, natural de Gaeta, Itália, era realmente um homem influente, já que conseguira, em poucos instantes, que um juiz ouvisse o caso do seu filho e da sua neta. O bom é que esse juiz era ateu e devia favores a Simão, caso contrário a moral social dele falaria mais alto e Gareth e Simonetta deveriam viver como concubinos pelo resto da vida. Concubina. Era inevitável pensar nesse termo e não lembrar dela, a doce e forte Asia Adams. A bruxa se sujeitara durante quase seis anos a ser sua concubina, sua amante, a destruidora pagã de lares, que acabou tendo que criar o filho sozinha e fingir sua morte. Asia. Seus erros faziam ela não ser uma humana perfeita, mas sua garra, beleza e sabedoria, até nas piores horas faziam beirar a perfeição.
– Me leve para a S.V. Comunicações, Raimundo. – Pediu o magnata ao seu motorista. – Preciso pôr as coisas em ordem por lá.
– E a sua cabeça está em ordem, patrão? É pleno dia de domingo, deveria descansar. – Perguntou o pai de Mirella. – Sou muito grato por continuar me acolhendo depois das trapaças de Mirella. Mas, esse não é o foco do assunto. Tem certeza que os seus sentimentos, Simão, não estão confusos?
– Não sei se tem algum para divinatória, meu amigo Raimundo, mas realmente me encontro muito confuso. – Confessou Simão. – Sempre tive a certeza de ter tomado a decisão mais correta e sensata possível, mas ando me perguntando se não havia opção melhor, mais moral, ética. Acabei perdendo a mulher da minha vida e de criar nosso filho por causa de uma decisão tomada. Agora minha família se encontra em estado de guerra, armados até os dentes e declarando Morte aos seus iguais. Talvez toda culpa deva recair sobre minhas costas, meu amigo Raimundo.
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Silvana e Cecilia tinham uma probabilidade de 90% de serem excomungados da Igreja Católica e Donatello não parecia se importar com isso. Aliás, ele estava bastante animado com a alegria das freiras e também pelo fato que conheceria o filho caçula de Simão. Ruthy, que acompanhava o trio religioso, se encontrava apreensiva, talvez pelo fato de não ter a filha mais velha por perto.
– Não me importo se isso é contra meus valores morais e se vou ter que me fingir pagã depois. O que importa é que Simão vai sorrir aquele belo sorriso amarelo dele e estaremos na rota de quebrar a maldição. Jesus Cristo sabe mais! – Discursou Cecilia.
– Não entendo que tipo de maldição é esta que vocês tanto falam. – Questionou Ruthy. – Talvez seja a maldição da família em ser extremamente obcecada pela "Santa" Igreja Católica Apostólica Romana.
– Também não entendo ainda, mas acredito que minhas tutoras estejam falando em códigos secretos, então confio nelas. – Respondeu Donatello.
O quarteto aproximou-se da nova casa de Simonetta. A casa amarela tinha um pé de Palmeiras na frente, ao redor de um pequeno jardim. A rua era de frente a praia e o casarão continha uma varanda na janela que deveria ser a do quarto de casal. Ruthy mandou uma mensagem para o celular de Simonetta, que devia estar dormindo ao lado do marido naquela manhã de domingo, 10 de maio de 2015.
– Desculpa a bagunça, mãe. – Disse Simonetta, com os olhos inchados e vestida com uma camisola lilás. – Ainda preciso arrumar esse montão de mala surpresa que vocês me mandaram. O Gareth está ali com preguiça de levantar, mas ele é assim mesmo. Na minha humilde opinião, ele não quer receber as visitas daquele jeito acabado que ele está.
– A vontade mais profunda de minha sofredora alma seria que estes eventos não tivessem acontecendo e manchando a história de nossa família em vermelho vinho tinto! – Dissertou Silvana. – Queria tomar meu sobrinho caçula e fazê-lo conhecer as graças divinas e superar toda dor que se proliferou em sua curta vida.
– Felizmente acabamos a Idade Média e Gareth não vai ser obrigado a virar padre como elas querem. – Respondeu Ruthy.
– Falando nisso, o Gareth não vai se levantar? Será que ele está escondendo diarreia ou hemorroida? Ou você, Simonetta, deixou-o roxo ao ponto de envergonhá-lo apresentar-se para estrangeiros? – Indagou Donatello, em tom de brincadeira.
– Donatello, controle seus dizeres! – Esbravejou Cecilia. – Isso não é coisa que deva sair da boca de um homem casto e sábio como você. Nem passar pelos seus pensamentos angelicais, correto?
A discussão sobre a castidade e sabedoria de Donatello fora, felizmente, interrompida pela chegada do outro dono da casa.
– Bom dia, meu amor. – Disse um jovem rapaz de cabelos encaracolados e olhos azuis-esverdeados, que havia saído do que devia ser o quarto de casal e acabou por beijar Simonetta. – Não sabia que havia alugado nossa casa para reuniões dominicais dos celibatários. Apresente-me essa trupe.
– Cecilia e Silvana Garuzzo que, pelos meus cálculos, são tão suas parentes quanto o Américo. A tia Cecilia tem a cara encantada ali e a tia Silvana é aquela ali com a cara mais séria. Elas são freiras de Gaeta, Itália, e fazem algumas missões pelo mundo, junto com o Donatello, que é uma espécie de discípulo delas. Como elas não vieram com um carro de som cantando músicas gospel ou apocalípticas prever-se que vieram em missão de paz. Ah, e aquela ali é Ruthy, tua sogra.
– Bom dia, minha sogra. Bom dia, gringos. – Cumprimentou o rapaz. – Qual é a missão de paz que foi dada a vocês e por que o Simão não mandou 50 telefonemas comerciais, avisando que queria fazer as pazes comigo?
– Adivinhou, meu sobrinho, que viemos em nome de Simão e em nome da harmonia. Diante de tudo e me intitulando como uma mulher mais vivida, peço por livre e espontânea vontade e conselho que tire essa raiva que sente de seu pai do seu coração. – Pediu Silvana.
– Não sinto raiva dele, tanto é que aceitei essa casa em nome do afeto que ele sente pela Simonetta. Não tenho nada contra ele e nem teria, a única coisa que eu tenho raiva é justamente disso: do fato dele ser meu progenitor.
– Licencinha, aqui, me dê a vez da palavra, Silvana. – Pediu a irmã mais tagarela. – Segundo Tiago, a Virgem Santa havia sido preparada cerca de 12 anos para ser tomada em casamento, depois de ser criada num templo divino, concebendo divinamente o Salvador do Mundo. Visto que Simonetta não passou 12 anos em nenhum templo, mesmo que tenha uma idade muito semelhante da Virgem Maria e de ser temente a Deus e tudo mais, sabemos que essa criança que ela espera não é um fruto imaculado. Concordamos na sua decisão de se reunir a ela para criar essa criança, mesmo que isso nos custe negar nossos mais singelos valores morais e respeito à família. Acredito que o seu caso possa ser considerado como uma distinção aos olhos dos juízes brasileiros e de uma parcela muito pequena de padres. – Discursou Cecilia.
– Resumindo: o seu pai quer fazer as pazes, mas ele não vai lhe cobrar um afeto que é mais que natural não ser sentido. Ele pediu para dizer que conseguiu um juiz que vai cuidar da união de vocês dois e que em breve conseguiremos um padre que realize a cerimônia. O Donatello poderia meter o bedelho e celebrar, mas preferiu não interferir tanto neste assunto. – Completou Silvana.
– Na festa eu quero ser o convidado, não o celebrante. Aliás, nunca realizei casamentos. – Defendeu-se Donatello.
– E o que ele vai querer de mim em troca? – Indagou o caçula de Simão.
– Que você seja feliz. – Respondeu Cecilia.
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Eden andava se esquivando das missas muito mais do que de costume. De fato, se ele não fosse da família Garuzzo-Leão, também sentiria medo dele mesmo após o épico episódio do altar em chamas. Na verdade, Eden preferia encontrar Deus de outra forma. Estava cansado das pregações batidas sobre o grande Salvador, concebido de uma Virgem sem pecado e virtuosa, que havia aturado crescer em um Templo, engravidar sem conhecer o amor e ser julgada pelos seus iguais por uma ação que não havia cometido, no caso o sexo antes do casamento.
O amor, o sexo. Eden queria conhecer o que era aquilo e já tinha quase certeza de quem seria sua escolhida. Ela era linda, inteligente, amava Matemática. Era mística e tinha o batom muito roxo. O jovem autista dava graças ao Deus e à Deusa que estava conseguindo imprimir aquela enorme quantidade de papel longe dos olhos de seus pais. Ele precisava escolher as melhores fotos e pôsteres que remetiam a O Homem Que Calculava e ao frio congelante do misterioso e congelante Alaska. Alasca. Doce Alasca, sábia Alasca, de lábios muito roxo, Alasca. Aquilo que Eden estava sentindo não estava explicado em nenhum gibi. Talvez Simonetta, sua mais nova tia, pudesse lhe explicar aquilo qualquer dia desses.
– Alasca, meu hiperfoco é você! – Disse o menino para si mesmo, como se houvesse encontrado o Paraíso Perdido.
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O calor humano dos brasileiros podia facilmente encantar ou afastar qualquer estrangeiro. Particularmente, Donatello não se importava muito com isso e apenas agradecia a Deus pela oportunidade de conhecer tão abençoado país.
– Que bom que o Gareth se encontra mais calmo com a presença das tias. – Observou Donatello para Ruthy, enquanto Simonetta fazia os bons agrados às tias-avós. – Encanto-me com a harmonia que eles transparecem como casal. Espero que sejam muito felizes, mesmo.
– Eu espero que o casamento deles seja muito mais abençoado do que o meu foi com o Luís Cláudio. – Desabafou Ruthy com o padre. – Não que o meu não tenha sido: eu tive a Samantha e a Simonetta! Mas, mesmo assim, eu sinto que poderia ter sido mais completo, que eu poderia ter tido mais voz sobre as nossas necessidades, que eu poderia ter feito ele me ouvir, que eu poderia ter trabalhado ao mesmo tempo que criava minhas filhas. Infelizmente não se pode voltar atrás. Como cresci sem uma família fixa, dependendo da ajuda das comunidades indígenas lá em Teixeira de Freitas, eu não queria perder a família Garuzzo, que havia se tornado minha família.
– Você continua sendo uma Garuzzo, pois os laços de afetos e de sangue feitos entre você e Luís Cláudio não podem se desfazer. – Comentou Donatello. – Porém entendo seu medo de perder a família a qual se apegou. Segundo as freiras e os padres de Gaeta, fui abandonado ainda recém-nascido na porta do convento. Como ninguém se proclamou meu familiar, Cecilia se apegou a mim e me criou como se eu fosse seu filho. Ela ainda diz: "Você tinha os olhos azuis mais bonitos de Gaeta e eu não podia deixar você chorando e desamparado." Silvana, como irmã e companheira dela, acompanhou-a indo em sua onda e entregando um pouco de seu afeto a mim, mesmo sendo mais fria, mais séria, mais orgulhosa que a irmã mais nova. Entendo que o orgulho deva ser uma marca característica da família Garuzzo, mas não entendo por que você se viu incapaz de trabalhar.
– O Luís Cláudio sempre deixou claro que supriria todas as minhas necessidades e que esse era seu dever insubstituível e preferencial, já que ele havia rompido o meu hímen e eu era uma moça sem família. Durante os anos que se aproximou-se a cura definitiva da leucemia da Maria Marta e o casamento de aparências que ela arranjou com o Marcelo, para superar a dor de não ter sido aceita em nenhum convento brasileiro, empenhei-me em trabalhar em ações de apoio em favor aos pacientes com câncer e às vezes me via remunerada por esse trabalho. – Relembrou a libriana. – Infelizmente quando Simonetta foi sequestrada pela Virgo, Luís ficou temendo qualquer mulher desconhecida que vinha até a nossa casa, me solicitar serviços de beleza. Entre os impasses da briga e a confusão mental que minha filha se encontrava após passar 17 dias no cativeiro, preferi guiá-la espiritualmente, segundo o que diz a minha doutrina, a doutrina espírita, e ceder aos desejos do Luís Cláudio.
– De certo que não se encontra arrependida. A Simonetta tornou-se uma garota bastante sábia e inteligente e felicito-me que ela tenha herdado e aprendido muito de suas qualidades com você. – Elogiou Donatello. – Mas sabe aquele ditado que a gente cansa de ouvir os padres repetirem nas missas? "Não só de pão vive o homem, mas de qualquer palavra que também alimente sua alma." Descartando, por um breve tempo, o fato de Jesus ser filho de Deus, ele foi o homem mais bem remunerado do mundo. Não há pagamento maior do que se ver útil ao próximo, principalmente nas curas de suas feridas espirituais. Você deve conhecer pessoas da sua doutrina que fazem trabalho com os mais sofridos e oprimidos. Permita-se tomar como vocação o amor e a serventia ao próximo. A sua vida jamais voltará a ser vazia de sentido.
– Muito obrigada, Donatello. – Agradeceu Ruthy. – Você é um bom amigo.
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Nicholas se encontrava aos beijos com Cássio, o traidor de sentimentos, o Dom Juan do crime. No fundo sabia que aquele homem estava prestes a lhe levar à perdição completa e a um poço sem fundo. Mas seu amor por aquele traste era gigante e ele não se importava em dividi-lo por um breve tempo com a sua cunhada, Izabel.
– Amor, eu gostaria de tomar um ar fresco, ver as pessoas comuns andarem na rua, antes de ficarmos milionários e dar um pé na bunda da Izabel.
Cássio, que parecia entediado em fazer amor naquele quarto abafado, satisfez os pedidos do amante e, com um leve sorriso, encaminhou-se para o banco da praça, onde os dois podiam se fingir de homens de bem e cidadãos ressocializados.
– Vocês irão ser presos novamente em questão de segundos se não tiverem alguém mais experiente que possa escondê-los e ajudá-los a administrar sua fortuna. – Gritou uma voz enigmática de uma mulher, cujo corpo físico não era capaz de ver.
– Quem é você? Por que não te vejo? Estou maluco? – Perguntou Cássio, afobado, em série.
– Olá, meus trambiqueiros. – Respondeu a mulher, vestida de preto e com um capuz de mesma cor, se revelando. – Eu sei o que vocês estão para fazer com a Izabel e eu poderia até defendê-la se ela não fosse uma cristã incurável. Meu nome é Edwirgens Darcano, a Virgo, sou bruxa e seguidora da deusa Lilith, e também velha conhecida do pai de Nich. Venho propor-lhes uma aliança.
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