Capítulo 62
CAPÍTULO 62
Apesar de ser católica fervorosa, Maria Marta acreditava em fantasmas e assombrações. Na realidade, ela tinha certeza que já vira um espírito, muito iluminado (que Ruthy não escute seus pensamentos). Infelizmente aquele foi o momento mais difícil de sua vida e a beata, que enfrentava um duro tratamento contra a leucemia, foi vista como "delirante".
Mas, ontem, não foi nenhuma assombração que viera lhe visitar. Maria Marta, que havia trabalhado nos bastidores de umas das vinganças mais bem-feitas de Salvador, tentou disfarçar o sorriso quando seu filho mais velho, Eden, mostrou um vídeo onde Mirella confessava o envolvimento com Mikhael e o plano de ambos para destruir a imagem da S.V. Comunicações.
Quão assustada ficou Maria Marta ao se deparar com o meio-irmão em meio às suas orações? Ela queria mostrar ao filho mais novo de Simão que sua fama de amarga não fora ganha à toa, mas infelizmente não estava preparada para encarnar esse papel, apenas para chorar (bastante) e lembrar o que a existência daquele irmão até então desconhecido representava.
– Pobre Mikhael. – Desabafou Marcelo. – Ele está sendo alvo de piadas e memes por toda a internet. Dessa vez o Gareth e o Leônidas foram longe demais.
– Jura que foi o Gareth e esse tal de Leonardo que foram longe demais? – Ironizou Maria Marta. – Seu irmão caçula ameaçou minha sobrinha de todas as formas, sujou ainda mais a reputação da empresa da minha família, a amante dele seduziu o tal de Leonardo para obter informações sujas, e foi o meu irmão caçula que foi longe demais?
– Eu sei que foi errado o que Mikhael fez, mas ele só quer ficar com a Simonetta. Ele ama ela desde muito tempo e... – Tentou justificar Marcelo.
– Quem ama não força o ser amado a nada! – Opinou Maria Marta. –Ah, e para ser um bom irmão para o Mikhael não significa, necessariamente, que você tenha que passar pano para um bandido. Passar bem. – Concluiu Marta, subindo as escadas.
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Alasca estava temerosa em se aproximar do ninho da famosa madre degli scorpioni. E se ela fosse fã do jeito medieval do Catolicismo de adorar a Deus?
– Acho que vou morrer na fogueira. – Lamentou-se Alasca. – E vai ser a irmã do Gareth quem vai me botar lá.
– Não se preocupe, minha amiga linda e bruxa! Eu conheci a dona Maria Marta. Ela ajudou o Gareth. Não foi isso que ele disse? Basta falar de santos que ela se acalma! – Consolou Marina. – E olha: eu tenho entrada livre ali.
– Você esqueceu de um detalhe, Marina: eu sou uma bruxa.
– Se Maria Marta não tiver disposta a ajudar ou estiver em meio a uma novena, a gente recorre ao Eden. Ele vai adorar participar do nosso plano. – Sugeriu a aspirante à jornalista. – É só deixar bem claro que o plano é secreto, assim como você deixou comigo.
– Certo. Que a Deusa nos proteja. – Desabafou Alasca. – Ei, e se eu falar da Deusa em vez de Deus no meio dessa galera? – Indagou.
– Primeiramente, vamos repassar o plano: eu combino tudo com o Eden, e você diz que quer visitar a Simonetta pois é amiga dela. A nossa missão é conseguir alguém dentro da mansão dos Garuzzi ou dentro da casa do Eden, além dele, que nos ajude no plano. Quanto mais melhor. Então, já pode começar a ativar o Charme.
– Não acho certo usar o Charme para qualquer coisa, mas já que é por uma causa nobre, eu vou cometer esse pecado, digo, fazer esse feitiço. – Concluiu a filha de Américo.
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Eden precisava ser mais didático e isso incluía mostrar ao mundo o quanto Matemática e Física eram maravilhosas. Ah, sim. Ele também precisava ler o suficiente para escrever a história prometida à Marina e, logo depois, se tornar um cientista renomado e bastante claro em suas discussões. Parte de seu projeto passava por ler O Homem que Calculava, do brasileiro Malba Tahan, que na verdade se chamava Júlio César. Malba Tahan fora tão importante para a matemática brasileira que o dia da sua morte converteu-se no dia dos matemáticos.
Eden estava tentando entender o Problema dos Camelos, quando como uma Miragem, Marina Costa apareceu em sua casa, acompanhada de uma moça muito bonita, com uma auréola de flores na cabeça, vestido azul comprido e batom muito roxo.
– Marina estava pensando em você agora mesmo, embora eu ache surpreendente uma pessoa que mora em Vitória aparecer na porta da sala de minha casa, que é em Salvador, só pela força do pensamento. – Dissertou Eden. – Ah, olá, desconhecida.
– Acontece que tive compromissos importantes aqui em Salvador e isso implica em ter mais liberdade de viajar com pessoas que não se chamam Isaías Costa. – Respondeu Marina. – Ah, e essa garota maravilhosa, ela é prima do Gareth, e a gente precisa de um favor seu. Please.
– Primeiramente você tem que me prometer ler O Homem que Calculava e fazer um resumo de, no mínimo, 10 páginas sobre ele e no máximo, 15. Assim, me sentirei seguro para lhe prestar um favor e para acreditar que você tem um ótimo especialista em Matemática como protagonista de seu livro. – Ameaçou o primogênito de Maria Marta.
– Isso não vai ser um problema. – Respondeu a desconhecida do batom muito roxo. – O Homem que Calculava conta a história de um gênio persa, num ambiente islâmico medieval, no século XIII. Seu nome era Beremiz Samir e ele é um exímio calculista, que mostra a beleza da matemática como ela deve ser mostrada e a relaciona com questões muito simples de nosso cotidiano, como o Problema dos Camelos, do dinheiro sumido, de como obter números apenas utilizando o 4 e as operações matemáticas básicas. O que torna a obra extremamente nova, apesar de tanto tempo de escrita, é a qualidade do conhecimento matemático e da cultura islâmica em geral do autor. Se o leitor gostar de romance, aviso que aí também tem. – Pausou a moça do vestido azul comprido. – Se você quiser eu escrevo exatamente 14 páginas de resumo para a Marina até hoje a tarde, contando que você ficará eternamente grato por nossa esperteza. Prazer, Alasca Adams, graduanda em Matemática.
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Gareth acordara tão feliz naquele 06 de maio de 2015 que no dia seguinte o mundo poderia acabar a vontade. Sim, ele precisava viver aquele dia, aquela tarde, aquela noite, e se tudo acabasse no outro dia ele teria certeza que alcançou seu final feliz.
As roupas femininas do Cruzeiro e do Palmeiras, os Palestras Itália, estavam em cima da cama gigantesca de Gareth juntamente à letra de música que Marina escrevera para ele. Era incrível como anônimos haviam torcido mais pela felicidade de Gareth do que ele mesmo. "É Gaetanio, você é mesmo um idiota", assim diria Leônidas se ouvisse seus pensamentos naquele momento.
– Meu amor, eu já estou indo para as kitnets. Dependendo do que acontecer hoje, eu posso ficar ou não aqui em Salvador. – Falou Asia, despedindo-se do filho. – Boa sorte.
– Obrigado, mãe. Embora, na minha humilde opinião, duas kitnets, uma mal arrumada e outra recuperada das chamas é pouco para cinco pessoas. – Reconheceu. – Por favor, fale com a Stella e tente ser hóspede dela.
– Falarei, querido, mas só depois de hoje à noite. – Respondeu Asia. – Você sabe, não sabe, que ela e o Luís Cláudio estão juntos e eu não quero que um possível envolvimento dela no nosso plano atrapalhe o namoro dos dois. Se cuida. Que a Deusa lhe proteja e ilumine!
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Eden estava feliz e aborrecido ao mesmo tempo: havia conhecido a encarnação humana da Matemática, mas esta era amiga de Marina. Assim, a capixaba teria muito mais facilidade de escrever seu livro e de ter uma protagonista marcante. Emburrado (seu protagonista não podia ter hiperfoco em Matemática ou Física) e decidido tomou duas grandes decisões para seu livro: a irmã de seu Eden, de Espectro, seria engenheira e contaria a história do irmão! E mais: o único nome possível para ela seria Alasca.
– Como seus irmãos são fofos, Eden. – Comentou a Miragem Congelante, muito bonita e de batom muito roxo. – Oi, fofurinhas, eu sou a Alasca, prazer! – Continuou a prima de seu tio, que graças a Deus não era nada sua, sendo ignorada pelos gêmeos autistas.
– Me desculpa por eles! Eles são ótimos garotos, só não podem responder você. – Revelou Eden. – Eles não falam desde que nasceu e possivelmente também são autistas...
Para a infelicidade de Eden, os gêmeos, que também se aborreciam fácil, foram muito mal-educados com A Miragem Congelante. Abel, que tinha cabelos e olhos castanhos, deu língua e apontou um dedo para Alasca, gesticulando para Caim ajudá-lo a apanhar os quebra-cabeças do chão. Caim, que tinha os cabelos negros encaracolados e olhos verdes, obedecera Abel instantaneamente. O engraçado que Eden não achava Abel parecido com ninguém em da sua família, nem com seu pai, seu avô ou sua tia Helionora, que tinha tinham olhos verdes da cor da folha da roseira de jardim; porém olhando para um dos irmãos mais novo, foi impossível não notar sua semelhança com seu mais novo tio. No final, para desgosto geral de Eden, Caim virou-se e roubou auréola da cabeça de Alasca, provando que tinha tudo para ser o clone do Gareth.
– É, eu vou ficar muito feliz de chamar a Simonetta de tia. – Confessou Eden, tentando disfarçar a vergonha que Abel e Caim tinham lhe feito. – Ele sempre foi isso para mim: mui mandona, protetora, chata, escondia meus podres...
– Certo, Eden. – Disse Marina. – Você tem certeza que essa Dona Elisa e esse Seu Raimundo vão nos ajudar?
– Certamente. O seu Raimundo trabalha como motorista para o meu avô e ele daria qualquer ajuda para o Gareth se ele mostrar a certidão de nascimento. – Revelou o garoto de 12 anos. – E dona Elisa é bajuladora de minha tia e minhas primas, digo, de minhas tias e minha prima. Vou lá falar com eles, aproveitando que Simona está na faculdade e desde já vocês ficam hospedadas em um dos quartos do meu avô.
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Simonetta Garuzzo de Lima, 16 anos, grávida de cinco meses, nunca desconfiou muito de ninguém (exceto de Mikhael, que nem é gente). Mas pelo menos metade das pessoas ao seu redor estava agindo com estranheza naquela noite. Dona Elisa, sempre muito pontual em seus compromissos, inventou de arrumar seu quarto à noite, alegando ter tido um imprevisto durante o dia.
E olha só: Alasca Adams, prima de Gabriel e sua amiga, apareceu em Salvador, trajando roupas estranhas e com um batom muito roxo, acompanhada de Marina Costa, melhor amiga de Eden. O mais estranho: Eden, entusiasta fanático de livros, estava participando normalmente daquela reunião sem nenhum livro na mão e olhando compulsivamente para o celular, que nunca foi seu hiperfoco.
– Então eu decidi visitar você e meu priminho, aproveitando a companhia de Marina, minha amiga lá da UFES. – Contava Alasca. – Foi a escolha mais difícil da minha vida, mas a melhor também: sou oficialmente uma bruxa! Assim eu poderei entrar diretamente em contato com os espíritos e pedir proteção para os que amo!
– Eu também poderia me tornar uma bruxa, mas prefiro a visão espírita da minha mãe, ou seja, eu prefiro me tornar médium. Segundo dona Ruthy, que aliás foi está muito entretida com a Sam, assistindo ao filme espírita da Mônica, os profetas e santos católicos também tinham mediunidade. Mesmo o papo estando muito bom, eu estou louca para tomar um ar lá fora. Vamos?
– Não, vai começar uma tempestade agorinha mesmo e você pode pegar um resfriado. Tudo pela saúde do Gabriel!
– Realmente, está na previsão meteorológica que terá raios e trovões aqui em Salvador. – Disse Eden, na sinceridade.
– Tudo bem, vou pedir para dona Elisa pegar dois guarda-chuvas: um para mim e para o Eden e outro para a Alasca e para a Marina. – Disse Simonetta, subindo as escadas mais desconfiada do que nunca, acreditando fortemente na mediunidade que sua mãe dizia que ela tinha.
Depois de voltar do quarto e de notar uma dona Elisa estranha e incrivelmente sorridente (que mãe ficaria feliz em saber que sua filha, no caso Mirella, além de ruim, é naja?), Simonetta encontrou Eden, Alasca e Marina, nessa ordem, enfileirados e preparadíssimos para sair para o jardim. Aliás Simonetta tinha que parabenizar a divinatória de Alasca: realmente estava chovendo lá fora.
– Alasca pesquisou um feitiço antichuva aqui, então nem precisava trazer estes dois guarda-chuvas enormes. – Contou Marina.
– Deixa que eu seguro a sombrinha, prima. – Pediu Eden
– Está bem. – Respondeu Simonetta, desconfiada, passando a ser escoltada pelos três jovens mosquiteiros.
Simonetta sabia que eles estavam escondendo algo, isso era um fato, mas também não esperava ver um anjo no meio da chuva, parado em frente ao carro, vestido com roupas pretas, cabelos aparados, olhos azuis-esverdeados e um crucifixo no pescoço. Esse anjo tinha um nome, mas Simonetta também o conhecia como o grande amor da sua vida.
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O coração de Gareth disparou ao vê-la novamente, com aquela barriga gigante, carregando o filho deles. Ele a amava e tinha mais certeza disso do que da morte. Não, o mundo não podia acabar amanhã. Ele precisava ser feliz com ela, com Gabriel, com os outros filhos que eles teriam.
Simonetta, linda como sempre, estava com os cabelos um pouco mais longos e encaracolados, com um girassol enfeitando eles. Vestia também uma jardineira xadrez e mostrava no olhar que aquele amor que sentia intensamente só havia aumentado.
Ambos, aproximaram-se um do outro, debaixo da chuva mesmo, ignorando os demais presentes, tomando, como se fosse por telepatia a mesma decisão. O beijo de reconciliação fora demorado; o coração não parava de acelerar e, se aqueles dois não morressem de infarto naquele instante, certamente seriam imortalizados de algum forma; o trovão, que amedrontava as criancinhas soteropolitanas, não era capaz de pôr um pingo de medo naquele amor. Só Deus ou a Deusa é que teriam, no fim, a permissão para julgá-los.
Gareth, ajoelhou-se, certo que esse era um dos caminhos de sangue que deveria escolher, independentemente das consequências:
– Simonetta Perséfone Garuzzo Setembrino das Virgens, mais bela do que todas as deusas que disseram ter pisado na Terra, aceita se casar comigo?
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