Capítulo 61
CAPÍTULO 61
Simonetta tinha medos piores do que o medo de perder Gareth. Isso era plausível: em parte, ela já tinha o perdido. O medo era em relação a Gabriel, fruto do amor dos dois: como ele reagiria àquela história maluca de sua família? As emoções de Simonetta na gravidez afetariam o filho? Foi assim que com poucas certezas, em meio de milhares dúvidas, que Simonetta decidiu ir até o bloco de Medicina da UFBA. Com então 20 semanas de gravidez, a jovem tentou pedir aconselhamento a algum obstetra de sua universidade. Pobre Simonetta... Ali estava uma velha conhecida, de caráter duvidoso e supostamente religiosa fervorosa, inimiga dos maus costumes que atacam a sociedade.
– Você devia ter vergonha. – Acusou Nathalia. – As pessoas vão pensar que uma situação dessas é normal. Carregar esta criança com tanto orgulho.
– O filho é meu. – Respondeu Simona à ex-colega. – Será que não tenho o direito de escolher carregá-lo em meu ventre?
– Você nem imagina o mal que está fazendo a si mesma, a sua família e a humanidade. – Replicou Nathalia.
– Não, e você não imagina o que é estar na minha pele, sentir o que sinto e ainda tentar ser forte. – Defendeu-se a neta de Simão.
– Ah se imagino. Eu posso imaginar muito bem. – Concluiu Nathalia, que parecia ter Simonetta não só como inimiga dos bons costumes, mas também como inimiga pessoal.
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Helionora estava gostando de ser irmã mais velha, pelo menos mais velha que Gareth. Apesar de ter passado toda a sua adolescência na companhia apenas de Gina, sentia-se inferiorizada por Luís Cláudio e Maria Marta. Sim, irmãos mais novos vivem isso. Não que ela quisesse que Gareth vivesse isso também (o presente do filho de Asia já era difícil até demais). Assim Helionora tentou ser a irmã mais velha boa e companheira, acompanhando Gareth até o cartório para confirmar a paternidade.
– Não entendo sua mudança de opinião repentina, mas a respeito. – Disse Helionora ao meio-irmão.
– Eu preciso encarar a realidade. – Respondeu o jovem. – E resolver alguns probleminhas, claro.
– Ei, eu quero que você saiba que vou está sempre do seu lado. – Revelou Helionora. – Para o que der e vier. Para onde Deus quiser. Só não tente se matar de novo, please.
– Não, isso eu não vou fazer mais nunca. – Afirmou o jovem, saindo do carro da psicóloga e encontrando-se com um belo homem, de cerca de 40 anos.
Sim, era ele. O Américo, o tio Américo, o grande confessor, conselheiro e matemático inteligentíssimo, tio Américo. Não, Helionora não sentia ciúmes de Gareth. Talvez, ela sentisse ciúmes do Américo. Vejam: Simão, pai de Helionora e Gareth, se assemelhava a Américo em alguns pontos, mas, algumas ações e omissões do italiano pesavam contra ele. E Luís Cláudio, seu irmão mais velho, futuro tio e avó? Era gente boa, de caráter, mas era tão orgulhoso.
Américo. Helionora queria um Américo só para ela. Qual não foi a surpresa da jovem quando o irmão de Asia veio falar com ela no carro?
– Eu atrevi-me a ler um pouco do Édipo Rei e, minha amiga, pelo que li que a nossa tragédia é bem menor. – Conversou Américo, com um sorriso encantador.
– No meu consultório eu escuto casos e casos. Eles parecem complicados, insolúveis, mas eu tenho que estar lá para apoiar as pessoas e ajudá-las seguir em frente. – Contou Helionora. – O bom é que eu deixei de ser vilã desse caso e virei coadjuvante. Estou até gostando, sabe? Uma família maior.
– Só está gostando de ser irmã mais velha ou de algo a mais também? – Perguntou Américo, inocentemente.
– Não. Eu estou gostando disso também. – Confessou Helionora, aproveitando a ausência de Gareth para beijar seu tio.
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Marcelo, mesmo com todas problemáticas visíveis, amava sua esposa e os filhos que tivera com ela. Maria Marta era o amor de sua vida e nada, nem mesmo sua amargura e extremismo religioso, era capaz de mudar essa realidade.
– Estou esperançoso quanto ao Abel e ao Caim. – Comentou Marcelo com sua esposa, olhando os filhos gêmeos brincarem com quebra-cabeças complexos. – Já imagino eles falarem sobre Sudoku e até se apaixonando por matemática como o Eden. Estamos no caminho certo.
– Isso só vai demorar mais uns nove, dez anos, não vai? – Respondeu Maria Marta, exalando seu veneno natural. – Quando especialistas vamos ter que ouvir? Uns cinco mil? Vamos ter que passar por quantos neurologistas, psiquiatras, psicólogos, contatar não sei quantos membros da nossa família muito unida. – Comentou em tom de deboche.
– Paciência, querida. As coisas hão de se resolver. – Prometeu Marcelo.
– Senhor, senhor, por que és tão pegajoso comigo? – Reclamou Maria Marta, indo para seu quarto, sentindo que aquele dia lhe reservava grandes emoções ainda.
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Depois do fracasso das tentativas de Luís Cláudio contra a vida de Gabriel, Simonetta pensara que alcançaria a paz. Ledo engano. Os olhares de nojo e repulsa de alguns conhecidos da família Garuzzo provara que o caminho que Simonetta tinha para seguir não seria nada fácil.
– Acho que vou acabar tendo o mesmo tipo de alucinação religiosa da tia Maria Marta. – Desabafou Simonetta para Ruthy. – No fundo eu sei que mereço ser humilhada. Olha só que tipo de filha eu fui. Eu devia ter contado ao menos para você que estava saindo com o Gareth.
– Mas você contou para tua tia Helionora, que conhecia ele melhor e julgou-o digno de você. – Respondeu Ruthy. – Nem sempre a gente adivinha o que o destino nos reserva. Faz parte da nossa evolução espiritual.
– Você sabia que na maioria das vezes que supostamente eu estudaria Filosofia com a professora Ágatha, era, na verdade, para ir transar com Gareth e passar a noite com ele? – confessou Simonetta. – O Tarcísio, além da Stella, sabia dessas coisas. Eu subornava ele. Aliás, falando nele, ele sumiu do mapa, não é?
– Eu desconfiei das suas verdadeiras intenções depois que descobri que a tal da professora Ágatha era a sua amiga Stella.
– A senhora sabia que eu estudava propositalmente as matérias da faculdade dele? Assim eu ajudava ele nos trabalhos e sobrava mais tempo para a gente namorar. Foi nesse embalo que eu decidi ser Cientista Social e, quem sabe, talvez me especialize em Antropologia. – Planejou Mona.
– Seu pai ficaria orgulhoso em saber de seus objetivos profissionais. Mas, para isso, orgulhoso e a teimosinha teriam que dar o braço a torcer. – Opinou Ruthy.
– Ei, mãe, eu preciso te contar uma coisa. Por favor não pire. Eu presenciei papai se apaixonando pela Johana e vice-versa. Eu conheço ela. – Confessou.
– Eu sabia! De onde você a conhece? Não me diga que ela é tua colega de turma e só tem 16 anos, porque se for isso... – Esbravejou Ruthy.
– Mãe, calma! Ela tem 25 anos. – Contou Simona. – E ela é a minha melhor amiga, a Stella , cujo nome completo é Johana Stellium Darcano. – Desembuchou.
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Gareth era a pessoa mais corajosa do mundo e Leônidas, certamente, a mais medrosa. Sim, Leônidas sabia que se, por algum milagre, Helionora caísse em seus braços, ele deveria aprender a conviver até com as partes mais obscuras dos Garuzzi. Não, ele não estava preparado para chegar perto da temível Maria Marta.
– Você sabe mesmo a alcunha dela? – Perguntou Leônidas, com alvoroçado no Uber. – Madre degli scorpioni, cara. Não tem medo de ser envenenado não?
– Eu vim blindado de uma nova certidão de nascimento. – Comentou Gareth. – E, ah, quem transa com a concubina do Mikhael e entrega "sem querer" o melhor amigo não tem direito a opinar.
– Gareth, por tudo que há de mais sagrado no mundo: chame sua mãe e meta um veneno no café desse cara. Pronto! – Sugeriu o aquariano.
– Se a Maria Marta ainda não teve a audácia de fazer isso nem com o Mikhael e nem com a Maytê, quem sou eu para fazer? Aliás, inimigos em comum são ótimos para se fazer alianças. – Observou Gareth.
– Ok. Então, sendo assim, me disperso de ti, querido Gaetanio.– Lamuriou-se Leônidas.
– Eu vou lá. Torça para que ela tenha as chaves. – Pediu. – Ah, não perca a câmera.
Depois de aproximadamente quinze minutos, Gareth saíra da casa da meia-irmã aparentemente vitorioso e sem ferimentos pelo corpo. "Ufa! A mãe dos escorpiões não é tão perigosa assim", pensou.
– Amigo, estou tão feliz de te ver vivo! – Comemorou Leônidas. – Bem, tem certeza que não quer colocar a certidão na testa?– Sugeriu.
– Não. Se sou capaz de suportar uma inofensiva escorpião-fêmea depois de tirá-la do seu terço, sou capaz de suportar um demônio. – Gabou-se Gareth.
– Jura que ela não te bateu com uma cruz? – Especulou o ex-ficante de Mirella.
– Não, e eu achei isso bem estranho. – Comentou o irmão caçula da beata. – Depois que me deu as chaves, ela foi chorar em cima de uma Bíblia.
– Bem, você deve ter uma aura bem maléfica... – Brincou o moreno.
– As pessoas não são o que parecem ser. – Opinou o geminiano. – Tipo, a Mirella. Parecia ser apenas uma gostosa ambiciosa, mas não, era só concubina do herdeiro do diabo.
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Mikhael tinha um sexto sentido. Melhor, um sétimo: o pilantra conseguira acabar definitivamente com a chance de Simonetta ficar com o ex-amante.
Ele tinha que reconhecer que não tinha tantos méritos nisso, afinal nunca imaginaria que Gareth fosse herdeiro de Simão Garuzzo. Mas, ele tinha mérito em uma das maiores vilanias vista em Salvador, terra do axé: a deterioração do nome da santa família Garuzzo e da querida e cobiçada Simonetta. Simonetta... Sim, depois que Mona entendesse que seu romance tragicamente proibido não tinha mais jeito, ela acataria os conselhos do bobalhão do Luís Cláudio e se casaria com Mikhael.
Infelizmente, para a desilusão do vilão, algo estava muito errado. Seu escritório parecia remexido. E justamente nos lugares mais sagrados, aqueles que ele guardava com tanto carinho, imaginando-os em Simonetta. O biquíni do Cruzeiro, o perfume Asteria de Marina Bourbon, as fotos de Simona quando ainda estava na pré-adolescência e não... O pior tinha acontecido: os contatos dos jornalistas parceiros de Mikhael haviam sumidos.
O caçula de Lúcio Leão ainda estava se recuperando do golpe quando ouviu a voz do arquirrival... Gareth Gaetano Garuzzo.
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Mirella, também conhecida como serpente, a secretária do ouro e amante da encarnação do mal, chorava em frente aos colegas da S.V. Comunicações. "Lágrimas de crocodilo", gritou Gareth. Já Leônidas, que estava ao lado do amigo, fez questão de humilhar a ex-namorada.
– Chora sua falsa, sua dissimulada, sua gostosa. – Gritou Leônidas. – Eu acabei de fazer um vídeo da sua confissão e ele já está recebendo curtidas no YouTube. Olha só, ele já recebeu um comentário de @ArcadosStelliuns, dizendo o seguinte, deixa eu ler: "Sabia que você era um corno, Leônidas."
– Por favor, diga a verdade: você não gravou minhas partes íntimas, gravou? Eu não quero mostrar nada assim de graça, sabe? Eu tenho que lucrar!
– Não, meu precioso pênis nunca mais entrará em cavernas obscuras, sua maldita, sexy e sedutora! – Exclamou Leônidas, sentindo uma estranha nostalgia.
Enquanto isso, o amaldiçoado e inteligente Gareth fazia seu barraco particular. Não que o filho de Asia fosse barraqueiro, mas Mikhael merecia toda aquela baderna.
– E eu, como herdeiro devidamente registrado... – Gritava Gareth, subindo no balcão. – Como herdeiro, vim fazer minha primeira e única intervenção nessa empresa que é acabar com o teatrinho do Encantador de Serpentes.
– Eu gostei do apelido, eu diria, um pouco lendário demais para minha figura. – Pronunciou Mikhael, saindo de seu escritório. – Você é uma pessoa realmente criativa. Quero te ver no meu casamento com a Simonetta.
É. Gareth já era para ter desistido de vez da ideia de ficar com a Simonetta, em prol do seu sonho de se tornar uma pessoa boa. Mas a fúria e o sangue nos olhos de Gareth, ao ouvir aquela frase debochada e imaginar a sua mulher nos braços do desgraçado do Mikhael, falou mais alto.
– Sabe quem eu shippo bastante? – Ironizou Gareth, embravecido. – Você e a cadeia: casal da década! – E assim Gareth atacou Mikhael, no chão e abaixo do geminiano, com uns três socos, no mínimo.
– Desse jeito eu não vou poder nem te apresentar ao seu filho quando ele estiver me chamando de papai. – Jogou o vilão.
– O meu filho só vai chamar a mim e a Deus de pai, seu idiota! – Respondeu Gareth, imaginando os piores xingamentos possíveis para Mikhael. – Se você para o meu filho te chamar de pai eu tinha virado presunto, seu imbecil, alma do nono círculo do inferno, conquistador de alcaguetes, herdeiro de Lúcifer. Você, seu pedófilo, não vai me tirar o direito de criar meu filho!
– Ok, ok... Vamos fazer um acordo. – Disse Mikhael, se levantando do chão. – Você cria a criança, ela te chama de pai e em troca eu me caso com a Simonetta e faço mais uns três filhos nela. Você deveria me agradecer por ter a disposição de tentar fazer a Simoninha feliz já que você não pode fazer isso e nem podia.
Gareth retirou-se da S.V. Comunicações prometendo um troco épico a todas aquelas palavras duras e supostamente verdadeiras de Mikhael. Mas, antes, ele precisava chorar, no mesmo ponto de ônibus onde conheceu Helionora.
– Ei, Gaetanio, pare de chorar. – Pediu Leônidas. – Você sabe que o Mikhael é um idiota mesmo, não sabe?
– Eu sei, mas eu não posso deixar que tudo que ele falou para mim se torne verdade. Eu preciso seguir o conselho de Alasca.
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