Capítulo 60
CAPÍTULO 60
Ora era ela, ora era ele. Ou eles ou elas. Alasca nunca fora uma pessoa muito sexualizada ou que desejasse demais fazer sexo. Na verdade Alasca ainda era BV: o amor de sua vida, Kelvys, fora preso e morto lá mesmo. Kelvys fora um dos motivos que fizeram Alasca relutar em ser bruxa, além da Senhora Aparecida. Não, não foi culpa de Gareth a morte de Kelvys, como Diana insistia em afirmar. A culpa foi do destino, das pessoas ruins e das circunstâncias.
De início Kelvys tinha um corpo feminino, seios bastante fartos e despertava desejo em Alasca, que sempre teve certeza que era heterossexual. Depois, Kelvys tornou-se um monstro horrível e Alasca torceu para que o ex-amor não estivesse em um lugar ruim, que pudesse ser comparado ao Inferno Cristão. Alasca tinha uma espécie de orgasmo em sonho e as dores e desgaste espirituais que sentia eram insuportáveis. Por fim, o ser que copulava com Alasca voltou a ser mulher, mas não tinha mais o rosto de Kelvys. A mulher que agora aparecia para Alasca era extremamente bela. Tinha a pele escura, olhos verdes, cabelo castanho liso e uma enorme energia intimidadora. O ser, que carregava uma enorme maçã em sua mão, surpreendeu ao falar com Alasca, não só pela fala, mas por ter a língua bifurcada, como de uma Serpente:
– Espere que tenha a sensatez de me escolher, meu anjinho. – Exclamou a mulher, fazendo Alasca acordar com os lençóis repletos de sangue.
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Asia sabia muito bem o que a sobrinha passara. Era comum que mulheres adultas, não ativas sexualmente, tivessem sonhos eróticos assustadores. Junte isso ao fato de que Alasca estava prestes a se tornar uma bruxa e Lilith era a rainha dos súcubos. Bingo!
– Não, minha querida, você não perdeu a virgindade para um íncubo ou para um súcubo. Foi apenas sua menstruação. – Afirmou Asia, acalmando a sobrinha.
– Ufa! Isso é um sinal que estou preparada? – Perguntou Alasca à tia, sobre o ritual de Iniciação Wicca.
– É melhor esperarmos pela Lua Cheia para fazer o ritual. Mas, antes da lua cheia, preciso te perguntar de novo: tem certeza que sabes o suficiente sobre nossa religião? E que não se amedrontarás fácil com as coisas que você ainda não conhece e que são altamente perigosas e enlouquecedoras? – Indagou Asia, em um tom mais sério que o comum.
– Sim, tia. O meu destino é ser uma bruxa. – Afirmou Alasca.
– Tome cuidado. Provavelmente o sonho que tivestes foi por intermédio de Lilith. – Aconselhou a avó de Gabriel. – Lilith é uma ótima aliada nas questões de sabedoria e empoderamento, mas ela é desproporcionalmente perigosa, vingativa e carrasca.
– Eu sei disso, tia Asia. – Respondeu a moça. – Lilith não vai me seduzir.
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Uma das coisas que todo autista deveria aprender a conviver era com seus hiperfocos. E o hiperfoco de Marina naqueles últimos meses era a história de amor de Gareth e Simonetta. Sim, ela conseguira fotos secretas do casal e além de compilar informações do trágico romance em seu diário, se dera o esforço de compor músicas e poemas em homenagem a eles.
– Sol em Touro no horizonte e o idiota do Gareth ainda está sozinho naquela casa. – Reclamou Alasca no carro da família Setembrino, acompanhada de seu pai, sua tia e sua melhor amiga, Marina.
– Se eu fosse ele já teria me convertido à Endogamia e fugido com a Simonetta para uma ilha indígena. – Respondeu Marina. – É só aprenderem uns rituais wiccas e dar um foda-se para toda Sociedade Católica Divinatória Italiana. Falando nela, saudades do Eden.
– O Gareth é um homem maduro e deve ser capaz de tomar suas próprias decisões. – Afirmou Américo. – Ele está tentando engolir tudo isso sem vomitar, então está seguindo no caminho certo.
– Evitar passar pelo bloco de aulas da Simonetta é uma atitude bem irracional. – Proferiu Alasca. – Nisso eu concordo com a Marina. Existem maneiras mais fáceis de curar as feridas.
– Trabalhar como garçom sendo milionário é a pior das idiotices. Ele não vai conseguir devolver os 200 mil para o pai dele num emprego tão mal remunerado. – Disse Marina, em um surto de sinceridade.
– Espero que não fale isso na presença do Gareth. – Pediu Asia. – Ele é um cabeça-dura corrigível à base de muito esforço e fé. Se ao menos tentasse se entender com o pai dele...
– Gente, é melhor a gente dar uma pausa nessa história. De qualquer forma, Gareth, Leônidas e Stella nos ajudarão no nosso ritual e, quem sabe, a gente convença o Gareth a conversar com a Simonetta, pelo menos como pai do Gabriel, não é?
– Achei lindo o nome do bebê. – Comentou Marina. – Mas de qualquer forma "Se cada passo fosse reinventado, guiado pelo livre-arbítrio das escolhas, o destino seria menos cruel. " A Alasca escolheu ser bruxa, Gareth poderia escolher simplesmente ser feliz.
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A casa de Gareth era pintada de amarelo e tinha um belo pé de Palmeira em sua frente. Gareth duvidava que aquilo ali fora apenas 200 mil. Depois de muito insistir, Américo decidiu revelar este valor e Gareth tinha certeza de uma coisa: Américo falara a verdade, Simão não.
O melhor mesmo para Gareth era esquecer de Simão e focar só em Gabriel. Sim, Gabriel era o nome de seu filho, segundo Helionora. Agora ele devia só focar em Gabriel e em toda família Setembrino, que viria para Salvador para o ritual de Alasca. Gareth acabaria se encontrando com Stella e talvez soubesse por ela notícias mais precisas de Simonetta. O unigênito de Asia esperava que Simonetta revelasse à amiga que já tinha desistido da ideia de ficar com o Gareth pois, assim, tudo se tornaria mais fácil para ambos. Gareth não queria tomar aquela decisão, não por seus valores morais que já deixavam tudo claro: ele tinha medo de ver Simonetta como alguém diferente do amor da sua vida.
A porta se abriu. Era Américo e sua tropa que se reuniria a Gareth naquela enorme casa. Gareth decidiu parar seus pensamentos confusos da melhor forma: abraçando sua mãe, por quem criou um forte sentimento de afeição nos últimos 2,5 meses.
– Que a Deusa continue lhe abençoando, meu anjo. – Disse Asia ao filho. – Soube que não falará mais do meio ambiente em sua monografia. A raiva de sua mãe é tão grande que não quer nem se lembrar dos hobbies dela?
– Não, meu ex-orientador, Dayano Minato não me quis mais. – Revelou Gareth. – Sorte a minha. Agora um professor monarquista se apegou a mim de maneira radical. Novo tema: "A importância da diplomacia internacional para o crescimento da Economia Nacional. "
Antes que Gareth pudesse discursar sobre seu finado projeto e choramingar mais uma vez de sua maldita sorte, ele fora interrompido por um problema aparentemente inocente de Marina.
– Ei, Gare! As blusas esportivas que eu trouxe não cabem em mim mais. – Reclamou a moça estrategicamente logo após ter retirado todas as roupas de sua mochila. – Você tem alguma blusa esportiva, de preferência feminina ou que caiba em mim? Quero ir para a Iniciação incentivando as bruxas ao esporte.
– Tenho sim. – Respondeu Gareth, cabisbaixo.
Gareth foi até seu guarda-roupa e viu lá as roupas dela. Simonetta era, de fato, uma descendente de italianos e tinha orgulho disso. Tanto é que torcia para Palmeiras, de São Paulo, e Cruzeiro, de Minas Gerais, todos antigos Palestras Itália.
– Você prefere a camisa do Palmeiras ou do Cruzeiro? São femininas e são do seu tamanho. – Indagou Gareth à filha do delegado Isaías.
– Prefiro a do Cruzeiro. Lembra mais o céu e o céu, a lua e as estrelas lembram mais as bruxas. – Explicou-se Marina. – Ei, eu fiz isso para você. Leia e reflita. Ser e desejar coisas fora do padrão não faz de ninguém uma pessoa necessariamente ruim. – Concluiu Marina entregando uma pequena carta a Gareth.
****
Américo, Gareth, Leônidas, Asia, Marina, Stella e Alasca adentraram-se pela floresta. Stella estava diferente do que Alasca lembrava. Parecia menos serena, mais séria, mais poderosa, menos ingênua.
– Hora de deixar de enxergar o mundo material e voltar-se para o espiritual. – Disse Asia, a suprema que realizaria sua iniciação.
– Meninos, fiquem aqui à nossa espera. – Ordenou Stella.
Asia e Stella fizeram pentagramas mágicos em suas testas e um pentagrama com o sangue menstrual de Alasca em sua testa. Em seguida, Alasca teve os olhos vendados com uma faixa preta.
Era 03 de maio de 2015, dia de lua cheia. Segundo o ritual pré-definido por Asia, bastante parecido com o da Seita, grupo de bruxos e bruxas liberados por Virgo, Stella e Asia iriam fazer círculos e pentagramas mágicos naquela mata soteropolitana e usariam a famosa vassoura para varrer as energias negativas dali. Marina, que estava usando uma blusa feminina do Cruzeiro, estava acendendo velas coloridas, cuja fumaça de odor diferenciado Alasca sentia instintivamente.
–"Homem é tudo igual, mulher é Eva ou Lilith." – Declamara Marina, nos ouvidos da amiga. – "A Terra não é só nossa...".
– Alasca pode sentar-se aqui. – Ordenou Asia Adams. – Pode iniciar algumas de suas orações.
– "Que o Pó da Sujeira, disseminado no Pecado Original, não nos afaste do Pó das Estrelas, ideia prima da Deusa Mãe. Que nossa Lilith interior seja sempre a guerreira, não a cobra rasteira cobiçadora do poder e da dominação. Nos afaste das fogueiras, grande Deusa, e dai-nos união e determinação para honrar a majestosa Irmã Natureza e sermos luz no Tempo da Escuridão." – Pedira Alasca.
– Pode continuar as orações. Você precisa se conectar com sua deusa interior. – Comentou Stella.
– Como está o céu? – Perguntou Alasca. – As estrelas estão encantadoras como sempre?
– Sim, estão. – Respondeu Stella, enquanto decodificava o céu acima. – Bem, podemos ver a Constelação de Touro, o Cruzeiro do Sul, as Três Marias Virgens...
– Posso rezar qualquer coisa, mesmo? – Questionou.
– Pode declamar qualquer feitiço comum, minha querida. – Encorajou Asia.
– "Ó Virgem do Sul, concebida humana sem a mancha do Pecado Original. Tudo para pôr o Deus, teu filho, entre humanos e nos dá novamente uma segunda chance. Ó minha Deusa protetora, rainha dos céus. Para sempre digníssima mãe, libertai-nos de nossas amarras espirituais e guiai-nos ao caminho da luz. Aconchegai-nos nos braços da perfeita Criação. Amém." – Declamou a filha de Américo.
– Eu acho que alguém já sabe de entidades poderosas, assim, só por intuição. – Comentou Asia.
– Quem sabe ela apareça hoje para você. – Pausou a mãe de Gareth. – Reflita, minha doce Alasca Adams, até ser capaz de falar grego ou latim. Peça por uma mensagem interior, alguma revelação da Deusa.
– "Treis pezopóroi aímatos prin apó tin katastrofí kai ísos éna tétarto stin períptosi tis pistótitas. I katára tha stamatísei ótan oi ánthropoi pou ypoféroun tha epistrépsoun sti gi tous kai i Theá se antállagma tha zitísei énan ypállilo." – Profetizara Alasca, em grego, entendendo, do nada o significado da profecia em português. – "Três caminhantes de sangue antes do juízo final e talvez um quarto no caso de fidelidade. A maldição cessará quando o povo sofrido à sua terra voltar e a Deusa em troca pedirá uma serva."
– Minha Nossa Senhora! – Gritou Marina. – O pentagrama dela ficou dourado.
– Acho que Hécate lhe aceitou, Alasca. Bem-vinda ao nosso grupo! – Exclamou Stella.
– Vamos retirar a faixa, minha doce menina. – Orientou Asia. – Vamos ver se alguma entidade aparece a ti. Mas, se acalme! Geralmente elas não aparecem.
Ao abrir os olhos, Alasca a viu.
– Qual é o seu nome, minha mestra? – Questionou a bruxa, para o espanto das outras três mulheres.
– Eu me chamo Lua e vivi na Idade Média. Meus escritos se perderam durante as revoltas cristãs. Peço-te para liderar a caça aos meus escritos no plano material. Tu és mariana e surpreendo-me e agradeço por escolher ser Bruxa. A Virgem do Sul te protegerá. – Revelou a entidade, que tinha uma voz ecoante e, no final de sua aparição, revelou-se para todas as presentes. – Que Hécate as abençoe.
A missão dada para Alasca surpreendeu a todos que estavam ao seu redor. Mas tal missão não tinha surpreendido a nova bruxa mais do que a profecia que ela ouvira anteriormente. Alasca precisava fazer alguma coisa e isso dizia respeito ao romance de Gareth e Simonetta.
– Vocês viram aquela mulher maravilhosa? – Indagou Marina. – Eu não estava louca, não é?
– Não! Eu também vi aquela bruxa. Minha Deusa. Era ela, Lua!!! – Exclamou Stella.
– Meninos, podem voltar para casa. Teremos a madrugada das bruxas e da Marina. – Ordenou Asia ao filho, ao irmão e Leônidas.
– Tia, eu queria falar com o Gareth rapidinho, por favor. – Pediu a mais nova praticante da religião Wicca.
– Ei, Gare. Me tornar bruxa foi uma escolha minha, mesmo sabendo que continuar sendo católica seria o mais sensato, o que me tornaria uma garota "perfeita" aos olhos da sociedade. Mas eu decidi ser feliz e ouvir a voz do meu coração. Pense nisso e lembre-se que qualquer caminho que escolher seguir de agora em diante será de sofrimento, muito sofrimento, mas em apenas um deles você encontrará a felicidade. – Aconselhou Alasca, que recebeu como resposta um abraço do primo, acompanhado de lágrimas.
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Gareth odiava admitir que estava errado, mas o que Alasca falara para ele fazia todo sentido do mundo.
– Simão me contou que já reconheceu a paternidade. Só falta você ir a algum cartório, com os devidos documentos e confirmar. – Revelou Américo, enquanto dirigia o carro em direção à casa de Gareth.
– Para mim tanto faz. – Respondeu Gareth, com um tom desanimado. – Um sobrenome importante não vai mudar 20 anos de ausência da figura paterna.
– E nem a omissão do sobrenome tirará automaticamente o seu DNA paterno italiano. – Comentou Leônidas, esperando uma reação acalorada do amigo. – Ei, Gaetanio, pode me xingar.
– Eu acho que não estou cego, nem maluco... – Dizia Gareth, surpreso com o que estava vendo pela janela do carro. – Aquela ali é a Mirella se agarrando com o...
– Mikhael... Eu sou corno! Eu sou um deus cornífero! – Exclamou Leônidas.
– Se você botar os olhos na minha irmã, Leônidas, eu juro que ficará sem eles. – Ameaçou Gareth, pensando qual seria a vingança que Mikhael, o intolerável, merecia.
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