Capítulo 59
CAPÍTULO 59
Era humilhante para o ego de Luís Cláudio, mas ele tinha que admitir para si mesmo: boa parte de sua implicância com Johana Stellium Darcano não se devia ao fato desta apadrinhar o romance proibido de sua filha, mas pelo desejo de viver um romance deste tipo com a jovem bruxa.
– Você não é a filha da Serpente. – Confessou Luís Cláudio ao acordar ao lado de Stella. – Eu que sou filho do lobo vestido na pele de cordeiro.
– Eu não acho que o senhor Simão seja um lobo. – Respondeu Stella. – Por favor, me passe aquela lata ali.
– Você não sabe de nada, Johana. A gente era tão feliz antes da Maria Marta contrair leucemia. Depois disso, as brigas começaram. Daí surgiu a Ruthy e nosso relacionamento de aparências. – Defendeu-se Luís Cláudio. – Eu sei que é difícil de imaginar Ruthy e Maria Marta como melhores amigas, mas elas foram. A Ruthy trabalhava como cabeleireira, às vezes voluntária. Ela era louca pelo meu pai, eu sabia. Do jeito que ela olhava para ele, até parecia que torcia para que meus pais se separassem. Um dia ela cansou disso e certamente procurou Simão Garuzzo em seu filho mais velho. Eu só queria estudar, estudar e estudar e só depois casar com a Ruthy. Eu amava aquela danada. Não sei como tudo aquilo se acabou, mas acabou. Mas como começou, eu sei muito bem: ela ficou nua na minha frente e nós transamos. Era o dia 11 de setembro de 1994, o dia em que o seu tio Lúcio morreu. Depois disso tudo desmoronou, mas não porque eu e Ruthy transamos. Meus pais se separaram, meu pai casou de novo e com um tempo tornaram-se amigos. Agora tudo está desmoronando de novo.
– Eu deveria agradecer por você ter transado com a Ruthy e ter se casado com ela. – Proferiu Stella. – A Simonetta é a melhor pessoa que já conheci e certamente é uma das melhores desse fútil planeta.
– Você sabe que é a segunda, não sabe? A segunda mulher com quem tive intimidade. – Confessou Luís Cláudio, desviando do assunto da filha. – Para que mesmo você quer essa lata, nesse momento tão especial e único?
– Essa é minha lata de tinta vermelha. Quando eu voltar para a kitnet e tiver posse de tudo que eu precisar vou pintar meu cabelo. Em definitivo.
– Calma, Luís, Calma. – Disse o homem para si mesmo. – Eu tenho algumas perguntas: por que você não pinta o seu cabelo numa cabeleireira? Segundo: onde você mora mesmo? Pensei que morasse dentro dessa loja.
– Eu sempre pinto o cabelo sozinha. Sou uma mulher completa, não só pelo fato de você ter inaugurado minha vagina. Estou livre de qualquer possibilidade de conceber crianças bruxas ou demoníacas para servir os propósitos de Lilith. – Começou a contra. – Assim, vou pintar meus cabelos de vermelho mesmo, em homenagem à Hécate e a todas outras bruxas de cabelos ruivos. Não quero esconder mais nada. Ah, eu moro nos dois locais. Eu moro onde eu quiser, até nos lugares mais improváveis como, por exemplo, o seu coração.
****
Samantha estava passando por uma nova fase em sua vida. Não, não era por causa das recentes dores de cólicas e ciclos menstruais que estava passando. Estavam reunidas na mesa da cozinha, naquele momento, de Simão Garuzzo, Samantha, Mônica e Simonetta.
– Não sei por que Simona sente tanto nojo do Mikhael e tem esse apego doido a esse tal de Gareth. – Reclamou Samantha. – É praticamente a mesma coisa.
– Não, não é. – Defendeu-se Simonetta. – Em um caso há amor recíproco, no outro há amor pela verdinha. Você vai entender isso quando se apaixonar.
– Não, eu nunca vou entender esses tipos de relações apocalípticas. – Prometeu a menina.
– Isso aí foi porque sua mãe beijou o seu avô? – Revelou Mônica, a nova melhor amiga de Samantha.
– Gente, agora sou eu que preciso de explicações. – Pediu a desatualizada Simonetta.
– Seu pai flagrou dona Ruthy e seu Simão se beijando. Sua mãe confessou isso para a minha. A coisa realmente está feia. – Contou a irmã de Mirella.
Revelado isto, as três moças escutaram um barulho peculiar. Peculiar, não, desculpe a narradora. Um grito que parecia uma bomba mesmo. As jovens puseram-se atrás da porta da cozinha, para presenciar o espetáculo.
– Não adianta se esconder, devorador de mulheres inocentes. – Gritou Luís Cláudio, enfurecido.
– Seu pai saiu logo cedo hoje. Acho que foi para algum terço com a Silvana e a Cecilia. Pode falar as suas grosserias comigo. Eu repasso para o Simão.
– Como foi a noite de vocês? – Provocou Luís Cláudio.
– Para a sua informação aquele beijo foi um impulso. Eu realmente sinto uma afeição forte pelo Simão. Mas nós sempre nos respeitamos e respeitamos você. – Defendeu-se Ruthy. – E falando nisso, que cheiro é esse? E por que você não me atendeu quando te liguei, ontem a noite?
– Eu poderia ser desonesto como você, mas não vou ser. – Debochou Luís Cláudio. – Eu deitei com outra mulher. Sente-se satisfeita? Não é só você quem conheceu o meu corpo.
– Ah, agora você passou dos limites. Eu quero o divórcio, acabou! – Exclamou Ruthy. – Aliás, quem é ela? Alguma prostituta? Ou é a filha mais velha da dona Elisa? Eu soube que ela arreia os quatro pneus por ti.
– Não, não é a Mirella. O nome dela é Johana e ela tem muito mais caráter que você. – Confessou Luís.
Neste instante, o sobrinho de Samantha pulou na barriga de Simonetta. Ou será que foi Simonetta que deu aquele pulo desproporcional sozinha?
– Você conhece essa tal de Johana, não conhece? – Concluiu a irmã de Simonetta.
****
Simonetta não aguentou e acabou expondo a versão mais aceitável de Gênesis para suas tias freiras. Ela também queria dizer que seu romance com Gareth não era a primeira tragédia incestuosa do Nordeste (vide Uma Mulher Vestida de Sol de Ariano Suassuna), mas preferiu não tocar no assunto.
– Acho a Virgem bem mais feminista que a Serpente. – Confessara Simonetta, após um sermão de suas tias freiras sobre Gênesis.
Simonetta preparava-se para tirar seu segundo ultrassom, acompanhada de Ruthy, Silvana, Cecilia e Donatello. É, eu sei caro leitor. Aquele grupo era extremamente engraçado.
– Você devia estar mais preocupada em começar as aulas do que acreditar nessa teoria maluca que a Serpente era uma mulher e, ainda, criada do barro! – Reclamou Silvana para Simonetta.
– Eu começarei, tia Silvana, eu começarei! – Defendeu-se Simonetta. – Primeiro o meu ultrassom. Segundo, sem o Donatello. Ela não é mãe, muito menos menstrua.
– O Donatello é muito sensível e não conhece o Brasil direito. Ele vai sim conosco para o médico. – Interferiu Cecilia.
– E eu estou disposto a estudar a possibilidade de ter uma mulher antes de Eva. – Assegurou Donatello.
– Menos mal. – Disse Simonetta, suspirando de alívio.
– Falando em serpentes demoníacas, quem será a cascavel que te tomou o marido, Ruthy? –Perguntou Silvana.
– A única coisa que eu sei é que ela se chama Johana. – Respondeu Ruthy. – A Simonetta sabe de algo a mais, porém não quis me dizer.
– Só sei que não lembrarei do que sei até a senhora me dizer o que rolou entre você e o vovô. – Ameaçou Simonetta. – Papai só faltou comparar ele com o próprio Lúcifer.
– Chega. O seu pai é um desconfiado sem-vergonha, assim como aquele tal do Bentinho de Dom Casmurro. – Defendeu-se a espírita.
– Epa, você não vai xingar o meu sobrinho na minha frente, mulher pagã que finge santidade! – Ofendeu-se Cecilia.
– Pare, você também, Ceci. Mulher santa, santíssima mesmo, só Virgem Maria. – Disse Silvana.
– Por isso que eu disse que ela é mais feminista que a Lilith. Engravidar virgem é uma grande responsabilidade, ainda por cima de Deus. E digo isso sem ser da Seita e nem a Jane. Sim, e de virgem só tenho o signo.
– A passagem que o Arcanjo Gabriel anunciou à Virgem Maria é uma das que mais gosto na Bíblia. – Comentou Donatello, trocando de assunto de uma forma nada sutil.
– Legal: um sacerdote católico reconhecendo que Arcanjo Gabriel, um espírito de luz, apareceu à Maria de Nazaré, uma médium. – Comentou Ruthy, implicando com a parte mais católica dos Garuzzi.
– Dá para ser menos naja? Respeite à Santa Igreja Católica Apostólica Romana! – Rosnou Cecilia.
– Todas vocês aqui tenham calma. Estou gostando de ouvir históricas bíblicas sobrenaturais e olha que eu não sou fanática como a tia Marta. – Confessou Mona. – Incrivelmente apenas o homem do rebanho está contribuindo para a minha paz de espírito e do neném. – Declarou Simonetta. – Continue, Doni. Pode nos falar sobre este anjo?
– Atendendo ao pedido da futura mamãe irei ensinar resumidamente parte do meu ínfimo conhecimento. – Disse o padre italiano. – Antes de tudo é importante saber o significado do nome arcanjo. Alguns afirmam que arcanjo, arcanjo mesmo só São Miguel, aquele que derrota o dragão e dá a vitória final ao povo de Deus. Mas comumente também consideramos São Gabriel e São Rafael como arcanjos. O nome anjo por si só significa por mensageiro e arcanjos consequentemente seriam os chefes dos anjos. Gabriel seria aquele sentado à esquerda de Deus, portanto o segundo em maior importância. Ele é, por méritos, um anunciador, tanto de boas-novas quanto de desgraças. Anunciou a vinda de João Batista, a vinda do Rei Jesus e anunciará o início do Fim dos Tempos e do Juízo Final. É também tido como o governante do Eden, então seu lar e seus domínios devem ser inimaginavelmente belos. Ele é o arcanjo revelador. Peçamos, todos nós, a São Gabriel Arcanjo para nos revelar os melhores caminhos a seguir em tempo de tribulação.
– Estou emocionada. – Revelou Simonetta, com algumas gotas de lágrimas escorrendo do olho esquerdo. – Acho que ele me revelou muitas coisas boas nesse meu tempo de tribulação, mesmo sem eu ter pedido. Avante São Gabriel Arcanjo!
****
Simonetta havia passado um pouco das 16 semanas de gravidez quando entrou com Ruthy para observar o filho, que agora tinha o seu direito à vida assegurado. Seu filho e de Gareth: será que ele teria os olhos azuis ou castanhos? Seria temperamental como Simonetta? Indeciso e sensível como Gareth? Seus peitos estavam doendo muito nos últimos três ou quatro dias, mas a pior dor já tinha passado: ela teria aquele bebê fruto de um amor tão lindo! O engraçadinho pareceu fazer uma expressão de riso no ultrassom e nesse exato momento Simonetta saiu de si: uma aura azul com branca dominava aquele recinto, mas não era sua, da sua mãe, do médico ou do bebê. Ou seria dele? Simonetta saiu do transe ao ser questionada pelo médico.
– Quer saber o sexo? – Indagara o médico.
As tias-avós da moça e Donatello esperavam ansiosos por alguma fala da mamãe e da vovó. Teria Luís Cláudio razão ao dizer que o bebê seria defeituoso ou a criança nasceria normal como se fosse filha de pais sem parentesco?
– E aí? – Perguntou Cecilia. – Ele ou ela será perfeito?
– Ele será mais perfeito do que eu imaginava. – Afirmou Simonetta. – E será chamado Gabriel, um anjo de traços azuis, que revelará nossos obstáculos e como encontrar o tão sonhado perdão entre nós, os Garuzzi.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro