CAPÍTULO 54

Gareth tinha apenas 19 anos e já tomava três tipos de remédio tarja preta: o famoso Rivotril, o antidepressivo Amitriptilina e o para cardíacos, Entresto. Ainda bem que, movidos por um amor sobrenatural, Asia e Américo compraram vários pijamas para Gareth, caixas dos remédios (caríssimos) para os próximos três meses e ainda lhe reservou uma quantia de R$1000,00 para quando Gareth e Leônidas estivessem prontos para voltar à Salvador. É, Gareth era o Setembrino Pródigo. Infelizmente, o garoto que voltara à casa (e tomara meia caixa de anticonvulsivantes e passara 17 dias no hospital) tinha que voltar para Salvador.

– O Leônidas, dormindo antes de jantar? Estranho isso. – Observou Asia, bruxa, mãe e dona de um carma assustador.

– É que amanhã vamos voltar para Salvador. – Respondeu o garoto do dedo e do coração podre. – Preciso recomeçar minha vida imediatamente.

Asia, obviamente, fez uma cara de desgosto. A Setembrino mais velha recebera o filho, recém-saído do hospital, com chás, massagens, aninhou-o como se fosse o seu ovo dourado de coruja e cantava feitiços em uma língua estranha, que Gareth só não havia decorado totalmente porque tinha o bendito sangue hipercatólico dos Garuzzi.

– Eu preciso voltar a estudar. – Comentou Gareth. – Eu preciso superar tudo isso pelo meu garoto.

– A Simonetta quer uma menininha. Como você tem tanta certeza que é um menino?

– Simplesmente me escapou. – Falado isso, Gareth é interrompido por uma abraço de sua mãe.

– Eu sempre soube que você seria assim... – Confessou a bruxa.

– Amaldiçoado? – Indagou o rapaz.

– Não. Especial. – Completou.

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Não era tradicional começar faculdades nas terças, mas Marina não era vista como uma pessoa normal: ela era autista e, embora, agora estivesse na sua versão "Marininha Paz e Amor", ela seria eternamente conhecida como "A Marina Chuteira Psicótica". A moça seguiu os conselhos de Helionora e se matriculou em duas matérias na UFES, uma de letras e outra de Educação Física. Marina queria ser jornalista esportiva um dia, mas também queria ser escritora e desabafar com anônimos sobre como era ser diferente num mundo sem empatia. Além disso, devia O Especialista para Eden, sobrinho de Helionora, garoto que conheceu num hospital psiquiátrico. Marina passara 19 meses nesse hospital bem distante de suas origens, inclusive, para que a "honra" de seu pai não fosse manchada.

– Oi, eu sou a Alasca. E aquele grupinho ali está prestes a te chamar de "Marina Chuteira Psicótica". – Revelou a moça, morena e com o batom muito roxo. – Por favor, não jogue a tua bola azul neles.

– Como você sabe como eles me chamam e que eu trouxe a bola azul? Eu ia trazer a verde, mas preferi a azul mesmo, porque segundo minha psicóloga eu sou um anjo azul e isso pode agradar minha assistente suporte de hoje. – Desembuchou a filha de Isaías.

– Adoro saber que aqui nesta universidade tem outros seres mitológicos. – Brincou. – Estou prestes a me tornar oficialmente bruxa.

– A piada foi boa, mas não gostei. – Revelou Marina em mais um episódio de sinceridade fatal.

– Ah, eu faço Matemática. Por favor, não descrevas um estudante de matemática desse jeito que tu estás pensando. Eu não iria ler seu livro. – Acrescentou Alasca.

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Simonetta sentira-se uma loba naquele momento. Era chegada a hora de defender o que estava nascendo dela, o que tinha sido gerado do amor. Um amor estranho, de fato, mas isso não o fazia menos amor que os outros tipos.

– Amanhã completo noventa dias de gravidez, exatos três meses. Um terço já foi percorrido. Depois de amanhã vão ser treze semanas e na maioria dos países onde o aborto é permitido não seria mais possível retirar esse bebê de mim. Eu quero essa criança e não estamos falando de abuso sexual. Esse neném tem chances de nascer anormal? Sim, um pouco superiores a que qualquer outro bebê com pais sem consanguinidade. É mais fácil o meu filho nascer com graves problemas por conta de um mosquito do que por qualquer ligação sanguínea que eu e o pai dela tenhamos. Essa criança é fruto de um amor. Boa parte dos brasileiros são filhos de primos em algum grau e a consanguinidade que eu e Gareth levamos, se eu não errar as contas, é de 12,5%, equivalente a consanguinidade de primos de primeiro grau. Eu não sou boba, senhor juiz. E eu não faltei às aulas de Biologia, por isso que não errei as contas. Ter ou não ter esse filho devia ser uma decisão apenas minha. E eu quero ele. Eu vou ter ele e ele será a criança mais perfeita do mundo, porque ele vai ser meu filho e filho do grande amor da minha vida.

E foi com essas palavras que Simonetta saiu da audiência sobre o seu aborto acompanhada de sua mãe, sem ao menos dirigir o olhar para seu pai, que estava fisicamente há alguns passos dela, mas em uma distância infinita no desejo.

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Stella se encontrava apreensiva em sua loja, esperando Simonetta dar-lhe notícias sobre a audiência que tivera. Mona fora a primeira pessoa que fez a filha de Virgo a sair da inércia e ser melhor do que era, logo era lógico que ela gostasse tanto daquela menina. Vejam bem: Stella lutou contra a própria mãe para libertar a virginiana do cativeiro e depois entregou-se a um mundo que mal conhecia. "Se Luís Cláudio entendesse que eu não quero o mal de ninguém daquela família e fui mais uma vítima de Virgo...", pensou a ariana, sem saber ao certo por que se importava tanto com a opinião do primogênito de Simão Garuzzo.

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Luís Cláudio compreendia, em partes, a insistência de Simonetta em relação ao bebê, mas ele entendia também tudo que sua filha passaria se tivesse uma criança defeituosa, fruto de uma paixão que jamais deveria ter acontecido.

– Ela ainda é muito nova para me entender. – Dizia Luís Cláudio para Mikhael. – Como ela vai explicar para a criança que o cara é pai dela, mas é ao mesmo tempo tio-avô? Qualquer criança, por mais perfeitamente normal que seja, vai surtar.

– Meu caro Luís Cláudio, você conhece bem a Simonetta. Ela não quer que ninguém mande no corpo dela e em partes tem razão. Ameaça-a. Diz que ela só pode ficar com o bebê se tipo se casar com outrem, tipo eu. Depois a gente convence ela a dar o bebê para adoção. – Sugeriu.

– Em tese parece simples, mas a Simona te odeia. Por enquanto, o meu plano é o melhor.

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Davi fora escolhido por Deus para ser Rei de Israel e, apesar de todos os seus talentos e qualidades, ele errou muito e errou feio. Basta citar que mandou matar o atual marido de sua amante, Betsabá, para depois desposá-la. E, como consequência do pecado, a desgraça recaiu sobre Israel até Davi se arrepender verdadeiramente. Da união inicialmente pecaminosa nasceu Salomão, o mais sábio dos Reis de Israel.

Não. Silvana não achava que seu sobrinho-neto seria o grande rei de Israel e ela devia ir para o Brasil, acompanhada de Cecilia e Donatello, para impedir seu sobrinho, Luís Cláudio, de cometer um dos maiores erros da história. Silvana sabia que incesto era um pecado horrível, mas imaginava mais do ninguém como doeria se tirassem o direito de sua também sobrinha-neta, Simonetta, a criar o seu filho.

– Ansioso para conhecer o País do Evangelho! – Exclamou Donatello, um homem puro de 32 anos, olhos azuis e cabelos loiros cacheados como os do Rei Davi.

O trio se dirigiu à casa de Simão Garuzzo e graças à Maria Marta já tinham as chaves da mansão. Silvana encontrou o irmão solitário no sofá, lendo um livro em português, cujo nome ela não consegue se lembrar, inconsciente de sua presença. A surpresa foi quebrada quando Cecilia, sua irmã caçula, correu para os braços do primogênito de Zeus e Gaetana e lhe deu um abraço.

– Quanta saudade, meu irmão! – Disse a mais nova dos três.