Capítulo 53
CAPÍTULO 53
Simonetta Garuzzo de Lima torcia muito pelos seus pais, mas eles não pareciam mais um casal. A prova disso é que as discussões de Stella, sua melhor amiga, com seu pai, o novo historiador pró-aborto ítalo-brasileiro, eram muito mais interessantes do que as discussões dos pais de Simonetta. "Espero que a briga entre a dinda Stella e o seu avô dure até você nascer", dizia Simonetta em voz baixa olhando para a barriguinha de quase doze semanas.
– Olha, estamos chegando perto da casa da Stella, papai. – Comentou a moça em tom de deboche. – Dá para o senhor parar na casa dela e tomar um chá. O senhor poderia olhar o santuário que ela fez para Joana d'Arc e passar umas 28 semanas por lá, que tal?
– Eu preciso devolver o carro que eu aluguei, primeiro. E segundo, não sei que tipo de ervas alucinógenas ela cultiva na toca do dragão dela, filha. – Respondeu o historiador, à altura.
– Se eu tivesse um chá que fizesse evoluir mentes retrógradas, com certeza, eu lhe daria. – Defendeu-se Stella, num ato de genialidade.
– Eu não vou ceder aos insultos de nenhuma das duas. – Encerrou Luís Cláudio. – Tem uma lanchonete ali. Lá, com certeza, não tem bebidas batizadas.
Para infelicidade de Simonetta, sua arquirrival de colégio, Nathalia, e a mãe dela, Izabel, também estavam na lanchonete. Izabel era amiga de terço de Maria Marta, mas em retrocesso era bem pior do que sua tia, que parecia ser uma ativista dos direitos feministas em comparação à nora de João Muniz.
– Eu sabia que a família Garuzzo são os herdeiros do Anticristo. – Comentou Izabel, expelindo nojo e fogo pelo nariz. – Até você, Luís Cláudio, anda com esse tipo de gente?
– Esse tipo de gente tem nome, se chama Stella, e é uma pessoa muitíssimo melhor do que você. – Respondeu Simonetta.
– Olha quem fala. A"putinha" rebelde do cabaré. Se toca, sua desviada. – Xingou Izabel, sem perceber que a filha reagirá com um certo medo no rosto.
– A conversa estava até num nível legal de educação antes de você dizer que minha filha é uma puta. Se retire daqui antes que eu abra uma ação na justiça por desacato.
E foi nessa hora que Simonetta voltou a sentir um leve orgulho do pai.
****
Passaram-se cinco dias desde que Simonetta partira para Salvador com Stella e Luís Cláudio, e Gareth achou melhor assim. Eram 08 de março de 2015 e Gareth dali a poucas horas receberia alta. Helionora, meia-irmã de Gareth, estava abraçada com o rapaz em seu leito de hospital. "Não sei como você sobreviveu a duas paradas cardiorrespiratórias", lhe dizia a psicóloga . "De qualquer forma terá que manter seu coração tranquilo, o resultado do DNA sai hoje." E foi por isso que os médicos decidiram que Gareth deveria saber do resultado antes de ter uma alta definitiva. Enquanto isso, Asia Adams, mãe de Gareth e ex-amante de Simão Garuzzo, procurava manter um contato frio com o dono da S.V. Comunicações. "Foram muitas mágoas", pensou Gareth."Ou ela tem medo do que um contato mais próximo possa fazer com seus sentimentos", concluiu em seguida.
– Positivo. – Revelou Simão Garuzzo, que não conseguiu disfarçar a alegria.
– Eu preferia que tudo fosse apenas um terrível pesadelo. – Desabafou Gareth nos braços de Helionora, desejando que a sua dor não fosse eterna.
****
As leis do aborto eram ainda muito restritivas no Brasil e Luís Cláudio se dividia, nessa questão, entre seus conhecimentos como historiador e sua religião. Por mais que sua filha mais velha, Simonetta, achasse que seu pai era um machista Luís Cláudio defendia a legalização do aborto. Agora, sobretudo, ele devia ser feito. Luís prezava pelo futuro da filha e por sua reputação. Aborto em casos de incesto eram totalmente legais no Brasil e o historiador não precisou convencer muito o juiz: bastou dizer que a filha era menor de idade, que se envolveu com um ex-marginal, que também era seu irmão paterno. Pronto! A justiça aceitou o seu caso, depois de resmungar mil vezes "O Fim dos Tempos está próximo". A missão era clara: obrigar Simonetta a abortar a criança.
– O Fim dos Tempos está próximo! – Exclamara Maria Marta, de supetão, como se manifestasse o dom da telepatia. – Como é que um avô quer obrigar a filha abortar seu neto? Você acha que Adão e Eva e os filhos de Noé povoaram a Terra na base da inseminação artificial?
– Pronto, Maria Marta! – Respondeu o irmão da beata. – Eu não sei como você me aparece aqui na porta da delegacia em tempo recorde, mas eu sei de uma coisa: essa criatura não pode nascer.
– Marcelo é mais bem informado do que você havia pensando. – Respondeu a mãe de Eden. – E eu posso fazer o inferno subir até a Terra se você continuar com essa ideia absurda de matar um bebê inofensivo e ainda contra a vontade da mulher que carrega ele! É Luís, o tempo passa e a sua filha já é uma mulher!
– Só falta você Marta ser a nova ativista a favor do casamento avuncular e ainda sugerir que o Eden case com a Helionora, por exemplo.
– Eu sou totalmente contra a qualquer relação não-fraternal entre os dois. Bem, segundo o que Eden me disse e eu não entendi direito, eles não têm mais contato algum e só se comunicam por Coruja. – Reproduziu Marta, que ainda não tinha assistido Harry Potter. – Você não vai obrigar o senhor Simão escolher entre dois filhos varões, não é?
– Não, eu não vou obrigar. – Concluiu Luís Cláudio. – Só não quero que minha filha seja vista como uma meretriz.
Dito isto, Luís Cláudio entrou no carro e, ressentido, não ofereceu carona à irmã.
****
Luís Cláudio tinha falado com o curso de Ciências Sociais da UFBA para dar um tempo para Simonetta se recuperar do último mês. Assim, Simonetta estava quase totalmente proibida de botar os pés para fora de casa, antes da decisão do juiz sobre abortar ou não abortar. O pai de Simonetta estava muito enganado se pensasse que a filha não tinha meios concretos de fugir. Na verdade, ela queria ficar em casa mesmo para preparar sua festa da vitória e se resguardar dos comentários maldosos como os de Izabel, no último dia 03.
Após esses pensamentos da virginiana, Ruthy abrira a porta levemente, acreditando que Simona estivesse dormindo agarrada em um de seus gatos de pelúcia. Para espanto da mãe, Simonetta, ainda com olhos fechados, lhe faz uma pergunta.
– Quais foram os descaminhos que me levaram a existir? – Indagou a sofredora.
– Como eu conheci seu pai? Como você foi concebida? – Questionou Ruthy. – Isso você já sabe de cor.
– Eu quero a verdade original, não a plagiada. – Exigiu.
– Eu, assim como você gostava, muito de ajudar as outras pessoas. Luís Cláudio não reconhece, mas nisso você puxou a mim. Foi no hospital que a sua tia Maria Marta frequentava na época da leucemia que eu conheci a família Garuzzo. E foi a partir de então que eu quis fazer parte dela. Como você sabe, seus avós maternos morreram quando eu tinha dois anos num acidente de carro e eu fui criada por uma comunidade indígena. Uma semana eu ficava na casa de uma família, na outra na casa de outra. – Lembrou a libriana. – Eu queria ter uma família, mas não esperava me meter numa tão complicada.
– Realmente, se tirar a teimosia, o orgulho, a rebeldia e a marca minha na bunda eu viro seu clone, mamãe. – Brincou Simonetta. – Papai não percebeu isso ainda.
– Seu pai sempre foi muito orgulhoso. Para eu conseguir transar com ele pela primeira vez tive que aparecer nua em sua frente. – Relembrou Ruthy. – Foi no dia em que o Lúcio morreu.
– No dia em que o Gare foi concebido. Muita coincidência não? – Observou Simonetta.
– Aí eu já não sei se foi apenas coincidência. Na minha humilde opinião aquele 11 de setembro não foi de coincidências. – Opinou a espírita.
– Mãe, eu sinto auras. – Notou Mona. – A única pessoa naquela festa revoltada, com a família desunida, imperfeita na dose certa e com uma marca de espadas na bunda era o Gareth. Impossível não me apaixonar. – Justificou-se a gestante.
– Então, você acredita em destinos?
– Eu acredito que a vida é uma mistura de destino e de escolhas. –Declarou Simonetta. –O melhor que posso fazer agora é propor uma nova campanha para o governo: "Antes de transar, faça teste de DNA." Perfeita, não?
– Filha, as tragédias, doenças e mortes fazem parte de nossa evolução. – Comentou a nora de Simão. – Como diz o poeta: "A lição sabemos de cor, só nos resta aprender ." Tudo um dia passa.
****
Gareth, ainda no Espírito Santo, também estava tentando processar os últimos acontecimentos e revelações.
– Tudo um dia passa. A vida também. A morte faz parte da vida. – Dizia Gareth a Leônidas, enquanto o melhor amigo chorava no túmulo dos pais.
Leônidas escondia atrás de suas piadas e brincadeiras uma das piores dores do mundo: a impossibilidade de despedir-se de seus pais.
– Eu matei os meus pais. Se eu não tivesse sido preso, minha mãe não teria se matado e o meu pai não teria se tornado um bandido pior do que era e não teria sido morto. Eu sou um assassino.
– E eu matei o bom senso. – Brincou o geminiano. – Você não tem culpa disso. Você tem culpa pelas suas escolhas, não pelas escolhas dos outros. E lembre-se: somos uma família!
– Ainda bem que não tenho o seu sangue, Gaetanio. Assim eu e a Liô antes temos chance de nos casar.
– Até triste você não perde a piada. – Comentou Gareth esboçando um inédito sorriso. – Como diz dona Asia: você não é da Deusa.
****
A vida de Maytê converteu-se num inferno durante as últimas semanas. Todas suas tramas e chantagens estavam, inevitavelmente, caindo por terra.
– O maldito Simão mandou-me outra carta exigindo o divórcio e obrigando o meu afastamento de toda sua família, até dos meus netos. Ameaça: contar que eu e você Virgo tentamos matar a Asinha e que eu planejei o sequestro da Simonetta junto com você. – Lamuriou-se a mãe de Mikhael.
– Malditos filhos de Adão! Precisamos unir nossas forças à deusa Lilith e acabar com esses cristãos miseráveis. – Respondera Virgo, sendo interrompida pelo sobrinho mais malvado.
– Garotas, eu sei que a conversa está muito boa, mas eu preciso apresentar à tia Edwirgens a nossa mais nova aliada, Mirella.
– Nunca achei que a casa do senhor Lúcio fosse tão gloriosa! – Exclamara Mirella. – Bem, não estou aqui para falar de arquitetura e sim que Leônidas deve voltar em breve. O Gareth saiu do hospital.
– Minha jovem, não ache que estou ficando louca! – Interferiu Virgo, ouvindo comentários de sua entidade predileta. – A deusa Lilith acabou de dizer para mim que gostou de ti, Mirella, e que tem grandes planos para você.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro