Capítulo 44
CAPÍTULO 44
A loucura deveria ser considerada uma dádiva divina, não uma maldição. Pelo menos, se ficasse louco, Gareth poderia passar o resto de sua vida sem aquela maldita dor residente em seu peito. Mas o jovem suspeitava que mesmo que ficasse louco restariam resquícios da conversa que tivera com Simão Garuzzo em sua mente. Suas chances de se tornar uma pessoa melhor faliram. Em uma certa análise do ABC que, por enquanto, apenas ele sabia, ele se igualara ao nível imoral de Cássio e de Nicholas. Esse julgamento que Gareth fazia de si mesmo era agravado por um único sentimento: o amor que ele sentia por Simonetta e nunca deixaria de sentir. "Cuidado com as semelhanças", disse Virgo para Gareth no seu primeiro dia em Salvador. Simonetta tinha um tridente na bunda e ele uma espada. "Que caminho de sangue você vai escolher?", ressoava a voz da bruxa em sua cabeça. Tal caminho ele já tinha escolhido ao se dirigir para aquela farmácia. Pelo menos era o que ele pensava.
– Por favor, você pode me vender esse remédio aqui, Prominal? – Perguntou Gareth ao farmacêutico. – Eu tenho a receita.
– Você é o Eden? – Perguntou o farmacêutico.
– Não. É o meu sobrinho. – Disse Gareth com o coração em pedaços.
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A cúmplice devia saber de alguma coisa, se é que Gareth ainda falava seus problemas para Helionora. Além de Stella, Leônidas e provavelmente Marcelo, a psicóloga era a única que sabia do relacionamento que Gareth mantinha com Simonetta. Era a única, não é mais. Após Mikhael e Luís Cláudio descobrirem o romance, e não gostarem nada disso, a S.V. Comunicações e boa parte da sociedade soteropolitana devia saber até qual foi a cor da lingerie que Simonetta tinha usado na primeira vez que tivera com o pai do bebê que estava gestando. "Ele ficaria feliz em saber que vai ser pai ", pensou Simonetta. Era certo que com a barriga de Simonetta crescendo, Luís Cláudio ficaria sabendo de qualquer jeito o namoro da filha com o ex-menor infrator. Mesmo assim, havia alguma coisa de muito errada para Gareth tratá-la daquele jeito. Ele a amava e ela sabia. Com esses pensamentos, a virginiana bateu no apartamento da sua tia Helionora e para sua surpresa sua avó também estava lá.
– Tia, eu preciso conversar com você, é urgente. – Falara Simonetta à tia. – Eu sei que a vovó não deveria ouvir, mas é sempre bom ter alguém do lado coruja da força para me apoiar.
– O que houve, Simona? – Perguntou Helionora. – Qual é a bomba que você vai jogar nas minhas costas dessa vez?
– O Gareth brigou comigo. – Revelou Simonetta. – E disse que não me amava, que estava só me enganando. Dava para ver na cara dele que era mentira. Agora eu nem sei por que ele mentiria assim para mim. E eu preciso contar algo muito importante para ele.
– Gareth? Eu ouvi direito? – Perguntou Gina. – Simona eu preciso saber de onde você conhece esse garoto. É super, ultra, megaimportante.
– Vó, eu sei que algumas coisas são duras de dizer, mas o tempo passa para todos nós. – Dizia Simonetta. – Gareth é meu namorado e eu eles fazemos algumas coisas muito moderninhas, como sexo, e eu estou grávida.
– Simonetta repita essa última palavra, por favor. A ginecologista que te paguei não foi suficiente? – Pediu Helionora.
– Calma, filha. Eu também engravidei antes do casamento. – Interveio Gina. – Mas essa não é a verdadeira notícia ruim. Eu acho que eu sei o motivo desse menino aí, o Gareth, ter brigado com a Simonetta.
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Gareth já sabia como seria seu último capítulo: o seu penúltimo ato seria mandar uma mensagem para Leônidas descobrir sua última carta, a que ele estava prestes a escrever. O antepenúltimo seria confirmar o que Simão dissera com Asia e pedir as mais sinceras desculpas para a mãe. O último ato...
Bem, o geminiano esperava que a dor de ir para o purgatório ou para o Inferno fosse maior que aquela, para que pudesse esquecer daquilo pela eternidade. Respirou. Pensou no verde das árvores, no barulho dos rios, nos seus sonhos incompletos, em Simonetta... A vida não faria sentido se ele não estivesse junto dela, não pudesse tocá-la, beijá-la. "Eu espero que seja tarde demais quando tu leres isso. Me perdoe, Leônidas, eu sei que sou sua única família, mas eu não posso conviver com que descobri..."
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Ginevra estava entre a cruz e a espada e deveria, naquele momento, dar uma notícia chocante para sua neta mais velha. Em meio a isso, Gina não conseguia parar de pensar que, de um certo modo, o destino estava se repetindo...
– Fala vó, você sabe de alguma coisa? – Perguntou Simonetta.
– Antes de eu te contar tudo que sei, você tem que me explicar essa história de gravidez. – Exigiu Gina. – O Luís Cláudio sabe disso?
– Ele soube a poucos dias que eu e o Gareth estamos saindo. – Respondeu Simonetta. – Eu só vim ter certeza da gravidez hoje. Nem o Gareth sabe.
– Eu nem sei como o Luís Cláudio vai reagir com isso, além do mais quando descobrir a verdade sobre o Gareth... – Pressentiu Gina.
– Mãe, eu acho que o passado de delitos do Gareth o Luís já sabe. – Afirmou Helionora. – A senhora sabe de algo a mais?
– Simona, tem certeza que está preparada para ouvir isso?
– Fala vó! – Pediu a menina.
– Quando o Simão se separou de mim, na época que o Lúcio morreu, ele não estava me traindo com a Maytê. – Revelou Ginevra. – Ela estava saindo com uma mulher muito mais jovem, uma feiticeira. O nome dela é Asia...
– Vó, a senhora não está querendo insinuar o que eu estou pensando, não é? – Reagiu Simonetta.
– Ele pensou que a moça e o filho que ela estava esperando tivessem morrido num incêndio... – Contou.
– Vó, por favor, diga logo. Enfia logo a faca no meu coração!
– O Gareth é filho do Simão. – Finalizou a italiana.
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As equações de Schröndinger, cujo o próprio Eden pouco entendia, e a história do gato morto-vivo não era mais difícil de entender do que sua própria história de amor. Isso faria Simonetta nunca mais querer tocar, abraçar e beijar Gareth? Claro que não. Simonetta continuaria a relação amorosa com Gareth caso ele quisesse? Claro que sim! Ela só precisava organizar os nós não-enumeráveis que se acumulavam na sua cabeça. Aquela criança, que Simonetta esperava que fosse uma bela garota, seria neta de Luís Cláudio. Nipote. Neta e sobrinha. Meia-sobrinha. "Calma, Simonetta, calma", pensou. Aquela palavra dava fortes náuseas em Simonetta. Náuseas e uma vontade imensa de chorar. Ela tentou ser forte, pois naquele exato instante Helionora entrara no quarto de hóspede.
– Eu sei que você vai para Vitória de qualquer jeito e que não vai obedecer a sua avó sobre descansar. Eu te entendo e eu mesma vou te entregar o endereço da Asia. – Falou Helionora à Simonetta.
– Obrigada, tia. – Agradeceu Simonetta. – A senhora tem algum chá de camomila ou algum calmante? Já ligaram para minha mãe dizendo que eu estou aqui, omitindo 95% dos detalhes?
– Mamãe já disse que você estava aqui para a Ruthy e para o Luís Cláudio. – Respondeu Helionora. – Ela prefere contar os outros detalhes com muita calma, mas muita calma mesmo.
– Tudo bem. Eu vou pegar um voo para Vitória amanhã bem cedo, ao raiar do dia. Nos deseje boa sorte. – Pediu Simonetta.
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Mais uma vez, Gareth chegava em Vitória perto do meio-dia. A primeira e mais trágica delas fora quando partira para Salvador e Virgo lhe avisara para ter cuidado com as semelhanças... Bem, já faziam dois dias que ele só bebia água e fazia as necessidades básicas, coisas que a partir do amanhecer seguinte não importariam mais. Ele andou lentamente pela cidade se despedindo. Localizou o lugar do último suspiro. Ela fora parar ali quando fugira de casa, justamente porque Asia teimava em revelar quem era seu pai. Agora ele estava ali de novo, para fugir mais uma vez, preferindo ter qualquer outro pai que não fosse o seu biológico. Asia deveria estar prevendo sua chegada, porque ela estava orando à Deusa na pequena mata em frente à Caverna de Cérbero, local que a bruxa nomeara sua cabana e também local de consultas esotéricas.
– Eu sabia que você viria. – Revelou a mãe de Gareth com os olhos fechados. – Por favor me diga o por quê.
– Eu já sei de tudo. – Respondeu Gareth. – Eu preciso de explicações.
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Se os cálculos de Leônidas não estivessem errados, já faziam mais de trinta horas que Gareth não dera sinal de vida, nem de raiva, nem de sexo e muito menos que tinha ido para a cadeia, pois se tivesse ido, Leônidas também já estaria lá por ser condizente com aquele caso de amor maluco. Não era se convencendo mais Leônidas tinha muitos dons e um deles, que contribuíra muito em seu passado criminoso, foi o de arrombar portas. Uma carta bem sugestiva se destacava na kitnet de Gareth, que por sinal estava com um baita cheiro de queimado.
"Eu espero que seja tarde demais quando você lê isso. Me perdoe, Leônidas, eu sei que sou sua única família, mas eu não posso conviver com que descobri. Peça perdão à Simonetta em meu nome. Talvez ela saiba de tudo quando essa carta chegar até ela e ela entenda, da maneira dela, porque eu fiz isso. Eu não posso conviver com isso: ser filho de quem sou, amar a quem eu amo e sonhar o que eu sonho. Será muito difícil me tornar um bom homem com esse amor imortal que eu sinto. E se, por obra da Deusa, eu me tornasse, quem iria acreditar? Se ela não souber de nada, pergunte ao avô dela. Ele não mentiria para mim e, nessas circunstâncias, não mentiria para ela. Eu espero que ela encontre um amor VERDADEIRO, sem empecilhos, que não lhe cause problemas, nem estragos. Adeus, amigo. Gareth."
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Gareth precisava colocar os pingos nos 'is' antes do seu ato final. Sim, o geminiano não conseguia imaginar um futuro após a revelação saída da boca de Simão. Não, a sua escolha de ser uma pessoa boa não era compatível, para os olhos da sociedade, com sua paixão desenfreada por Simonetta.
– Eu só queria confirmar uma coisa. – Disse Gareth à Asia. – O nome do meu pai é Simão Virgínio Garuzzo, não é? E a senhora não pode ficar com ele porque ele tinha, sei lá, uma outra amante, três filhos, uma delas com leucemia e o seu patrão tinha sido morto num motel. Ele morreu num motel. Todo mundo na S.V. Comunicações sabe disso. Vocês estavam lá, não é?
– Meu filho... – Suspirou Asia. – Como você sabe o nome da empresa do seu pai?
– Então ele é mesmo meu pai. Certamente eu não esperava a boa notícia de que ele não fosse... – Respondeu Gareth com lágrimas nos olhos. – Eu trabalhava na empresa dele. Eu também sei mentir, como a senhora pode ver.
– Quando você descobriu isso? Quem te contou? – Indagou Asia.
– Ele descobriu não sei como e me contou. Por isso, eu vim te pedir desculpas. Agora eu entendo por que a senhora sempre me escondeu tudo. – Finalizou Gareth, partindo em direção a outro destino.
– Filho, fica mais um pouco! Eu preciso te explicar... Eu prometi cortar todas as ligações com a família de seu pai para que Virgo não conseguisse nem matar a você nem a mim. Filho...
– Eu preciso partir. – Respondeu. – Essas explicações não importam mais para mim. O que aconteceu não pode ser mudado.
– Não faça nada por impulso, por favor. – Pediu a bruxa, pressentindo algo que nenhum feitiço de proteção poderia ser capaz de evitar.
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Simonetta havia acabado de pegar um táxi no aeroporto quando Leônidas ligou para ela. Não que Mona fosse adepta ao crime, mas a quantia que ele pagara para aquele motorista desrespeitar todas as leis de trânsito não estava no gibi...
– Primeiro, você sabe de alguma coisa que eu não estou sabendo, porque o Gaetanio nunca escreveu uma carta tão deprimente quanto essa que está em minhas mãos. – Gritou Leônidas.
– Estou sabendo de tudo. Primeiramente, sente-se. – Pediu Simonetta. – Ele é meio-irmão do meu pai.
– Caramba. Meus pêsames. Eu shippava muito vocês dois. – Respondeu Leônidas. – Desculpa lhe incomodar, mas eu preciso ler esta carta urgentemente.
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Gareth comprou gasolina, fez suas confissões a Deus e chegou no seu destino final. É, seria um fim trágico para o garoto que sempre fora amaldiçoado e agora sabia o por quê. Gasolina com anticonvulsivantes deveria lhe matar rápido. E assim ele desejou que fosse.
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Simonetta estava desesperada com a possibilidade de perder o amor de suas vidas por uma façanha desdenhosa do destino. Não, aquele parentesco inesperado não iria acabar com seu amor por Gareth. Não, Simonetta não deixaria seu grande amor morrer.
– Você tem certeza que esse seria o único lugar que o Gareth iria numa tentativa de suicídio? - Perguntou Simonetta a Leônidas, mandando seu taxista mudar a rota.
– Sim. Foi para lá que ele foi quando fugiu de casa. – Respondeu Leônidas. – Ele me contou isso milhão de vezes na cadeia. Mas, por favor, liga logo para Asia Adams.
– Calma, eu preciso achar o filho dela vivo antes. – Esbravejou Simonetta. – Pare ali! – Gritou Simona para o motorista. – Parece que eu achei ele. Depois a gente se fala.
Com gritos e ameaças grosseiras, Simonetta conseguiu que o motorista ainda ficasse esperando por ela:
– Você vai ter que saber onde fica os hospitais nem que seja na base da bruxaria! Eu não vou ser mãe viúva. – Ameaçou a virginiana.
Ele estava lá com sua roupa preta favorita, aquele só usava pros melhores eventos, se contorcendo. Graças a Deus ele ainda estava vivo.
– Meu amor, como você é idiota! – Exclamara Simonetta ao namorado, recebendo um olhar confuso em troca. – Vai ficar tudo bem, viu? Tem que ficar... Eu estou grávida.
E essas foram as últimas palavras que Gareth ouviu antes de desmaiar.
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