Capítulo 125
CAPÍTULO 125
Gareth nunca imaginara que viveria dias de paz gratificantes como aqueles, mesmo com uma pandemia em pleno curso de destruição. Eleito prefeito de Gaeta e tendo como vice o segundo melhor amigo, Donatello, o geminiano estava prestes a se tornar pai de quatro filhos. Sim, Gareth e Simonetta tinham sido fiéis um a outro e aos sentimentos que tinham.
– Como vai o prefeito de Gaeta uma semana antes de sua diplomação? – Indagou Simonetta ao sair do celular.
Nos últimos dias a novamente gestante tinha se tornado mais próximas de seus pais: Ruthy, que era mãe da recém-nascida mais sortuda de Gaeta, provavelmente estava grávida de Donatello (Pontos para Asia, que profetizara isso no dia do casamento dos dois); Luís Cláudio, que mostrara ter superado a maior parte de seus preconceitos e planejava uma surpresa para o casamento dos pais de Gareth, cuja diplomação seria feita no mesmo dia.
– Quem é dessa vez: seu pai ou sua mãe? – Questionou o mais novo político. – Ou será a Marina te pedindo dicas de como realizar a peça da forma mais perfeita possível?
Sim, caros leitores. Gareth e Simonetta se submeteriam à dívida que tinham com a madrinha de Gabriel, afinal Marcos Lins havia perdoado Gareth, mesmo tardiamente, de forma épica.
– Não. É Samantha. Ela está avisando que ela e o Leônidas vão cuidar da nossa casa no período em que estivermos fora. Ou seja, eles tomaram a nossa casa. Já Asia e vovô vão se mudar para a mansão traumatizante mesmo, enquanto a tia Liô vai arranjar um emprego na UFES pra ficar perto da vovó. – Descreveu Simonetta. – Menos mau, já que só metade da família vai precisar pegar avião em meio a uma pandemia. Tudo isso, claro, para realizar o casamento dos sonhos de uma bruxa de 50 anos e um senhor de 70.
– Mamãe devia esperar a pandemia acabar e a Joanninha nascer... – Suspirou Gareth. – Eu jurei pra ela que essa é a nossa última criança, mas ela está obcecada pela data 21 de dezembro de 2020...
– Não é pra menos, Gareth. Teremos um extraordinário solstício de inverno aqui na Itália. A grande conjunção entre Júpiter e Saturno ocorrerá em Aquário. Estamos entrando para uma Nova Era, meu amor.
– Tudo bem. Eu só queria que essa menina tivesse a benção da avó ao nascer. Ela já passou por tanta coisa nos primeiros dias da sua concepção...
– E ela terá! – Acreditou Simonetta.
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Alasca deixara os irmãos de lado para deitar-se ao lado de Eden, na toalha de mesa devidamente esparramada por seu amado. Ao ver a namorada chegando para o grande evento, o futuro físico, lhe entrega o devido vidro de máscara de soldador no 14. Eden além de inteligente era precavido.
– Seu pai e a tia Liô não vêm observar o início do eclipse? Já são 13h08. – Observou o primogênito de Maria Marta.
O eclipse solar parcial daquele 14 de dezembro de 2020 começaria às 13h11 em Vitória, terminando às 15h25 e tendo seu máximo, de 24%, às 14h22.
– Eles estão cuidando de duas crianças pequenas ... Precisam verificar, primeiro, que as crianças irão dormir para que possam sossegar. – Respondeu Alasca.
– Falando em crianças, será que Eva e Lyli serão amigas como eu e Marina somos? Afinal Marina se tornará mãe da Lyliane quando ela se casar com Mônica e eu sou meio-irmão da Eva... Além disso elas passaram juntas por uma baita aventura.
– Não sou capaz de dar uma previsão exata já que Eva crescerá na Itália, mas do jeito que o mundo está se tornando pequeno e tecnologia ruge como um leão, eu chutaria que sim. Todas as crianças de nossas famílias irão se dar muito bem quando crescerem.
– Também espero que a próxima geração de Garuzzi e agregados cresçam mais unidos. – Confessou Eden apertando a mão de Alasca.
Ao bater 13h11, Alasca colocara o vidro de máscara de soldador 14 diante de seus olhos. Porém, não é o começo do eclipse que ela consegue ver e sim um belo homem de olhos verdes e vestes brancas.
– Eden, eu preciso ir ao banheiro. – Disfarçou a médium.
– Tudo bem. Não demore muito. – Pediu Eden, sem imaginar que a moça estava prestes a receber um recado de seu falecido pai.
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Stella estava ansiosa para o casamento de Asia. Não, não era só a felicidade da amiga que lhe trazia aquela sensação, mas, também, a suposta chegada da Era de Aquário no dia que se seguiria. Sim, o mundo daria os primeiros passos para a saída daquele materialismo exacerbado e encontraria luz em prol da coletividade.
– Estava com saudades de ver essa família bagunçada ... – Dizia Luís Cláudio à esposa. – Será que esquecemos de como pegar um avião em tão pouco tempo?
Os Garuzzi e agregados se reuniram às 10h00 da manhã do dia 20 de dezembro de 2020 para celebrar o casamento de Asia e Simão. Graças à Deusa, a bagunça no aeroporto de Salvador era apenas externa e os membros daquela família já sabiam se amar com o jeito torto deles.
– Lhe aconselho a não se meter em brigas. Precisa manter suas cordas vocais inteiras até a festa de casamento de seu pai. – Sugeriu a mãe de Ágatha.
– Certo, prometo não brigar, mas só porque eu sou o pai da primeira-dama de Gaeta e preciso está com meu italiano intacto. – Respondeu. – Ah, eu te amo! – Finalizou Luís Cláudio para em seguida beijar a esposa.
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Gareth não tivera sossego no último dia 21 de 2020. Após a diplomação para síndaco de Gaeta, o geminiano tivera que se deslocar de sua nova cidade para Ischia. Nem parecia que quatro meses antes ele não tinha esperança alguma de viver ...
A sua família (sim, agora ele não tinha medo e nem vergonha de chamar assim) se reunira no Castelo Angioino-Aragonese para contemplar o pagamento da promessa e o casamento, com a exceção dos noivos, que estavam se arrumando para o casamento de logo mais. Marina, a feliz tia por afinidade da bebê Lyliane, dera alguns pulinhos de alegria antes de apresentar sua obra-prima.
– A história se passa logo após a Segunda Guerra Mundial. Perséfone e Hades, insatisfeitos com a enorme quantidade de mortos que receberam, decidem "devolver" 10% destes para o mundo dos vivos. Porém, os deuses do submundo não contavam com a fúria de Zeus: eles são condenados a encarnarem na Terra e viver um amor terrivelmente proibido, nascendo como filhos de mesmo pai e mãe distintas. – Apresentou a filha de Isaías.
E fora assim, logo após a resenha da autora, que entraram os protagonistas da peça, que compostas por diálogos simples. "Ah, se Marina soubesse que parte das ideias que a Mona deu de fato aconteceram na vida real!", pensou Gareth. Lá estavam os dois: ele, vestido de roxo, interpretando o senhor do submundo; ela, com uma peruca loira e vestido florido, dando vida à rainha da primavera. Ambos encenavam diante de um falso céu e falavam sobre vida, morte, tragédia e fim do mundo.
– A tragédia precisa ser eterna pra ser tragédia, a ponto de que nada possa ser feito para que deixe de ser vista como tal. A tragédia deve ter apenas a morte como paliativo, para que assim sejas uma tragédia lendária. – Dissera Gareth, olhando encantado para a esposa e para a quarta filha que ela carregara no ventre.
– Mas, meu amor, se realmente acredita nos deuses, sabe que haveremos de pagar por essa tragédia tão brutal após a morte. Dou como oferenda para um acordo de paz estas romãs, que deveremos plantar juntos espiritualmente todos os dias, para que os homens nos perdoem e os deuses diminuam nossas penas. – Falara Simonetta, dando fim à peça.
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"Nada foi em vão. Sofri, mas reencontrei meu amor. Teremos o resto de nossos dias em paz", pensava Asia enquanto Stella lhe passava um spray de tinta azul no cabelo. "Quero mechas azuis em meu casamento. Quero harmonia, serenidade, espiritualidade... Eu quero amar", justificou-se a senhora de 50 anos. Acabado o penteado, que também era composto de um coque e uma rosa azul artificial, a virginiana preparou-se para colocar seu traje de noiva. A túnica era branca e simples e tinha contornos dourados em suas extremidades, o que era ainda mais embelezada pela toga (também azul) que escolhera.
Após os retoques finais Gareth, que parecia um príncipe com roupas de Hades, viera buscar a mãe para levá-la ao altar. Em seguida, Luís Cláudio subiram em um palco improvisado. Pai e filha outrora protagonistas de combates de fogo pareciam finalmente se aceitarem como eram.
– Mãe, eu lhe devo um pedido de desculpas. – Dizia Gareth, quebrando o silêncio. – Eu fui um filho que ultrapassou todos os limites da rebeldia, da incompreensão. Eu deveria ter me contentado em ser teu filho e não sair quebrando a cara pelo mundo afora. Eu teria aprendido mais rápido se houvesse te escutado.
– Aceito suas desculpas mesmo sabendo que também fui culpada. – Respondeu a noiva. – Eu deveria ter sido corajosa o suficiente para enfrentar Virgo, Maytê e todas as cobras que se impuseram em meu caminho. Eu deveria ter sido corajosa por você, meu menino.
– Não sou teu menino não. Eu já tenho 25 anos. – Brincou Gareth.
– Jura? Para mim você é o mesmo neném lindo dos olhos brilhantes.
– Eu te amo, mãe. Seja muito feliz.
– Eu também te amo. – Concluiu Asia, instantes antes de casar com o grande amor de sua vida.
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Salvo pelo gongo e por seu amor paternal, Luís Cláudio se permitira em ter o momento mais fofo da sua vida com a primogênita. "Eu deveria ter feito um casamento mais charmoso com a Stella", pensou o leonino ao ver a decoração do terceiro casamento de seu pai. Velas brancas, cálice de água, cristais e óleos de rosa enfeitavam o altar. "Estou aprendendo a ser esotérico com minha Stellinha", concluiu o historiador.
Feitas essas observações mentais, era chegada a hora de cantar "La Forza Della Vita" com Simonetta.
– Anche quando ci buttiamo via. Per rabbia o per vigliaccheria. Per un amore inconsolabile. Anche quando in casa. È il posto più invivibile. E piangi. E non lo sai. Che cosa vuoi ... – Começou Luís Cláudio.
– Credi c'è una forza in noi amore mio. Più forte dello scintillio. Di questo mondo. Pazzo e inutile ... – Continuava Simonetta
É, Luís Cláudio finalmente havia entendido que não tinha como vencer a força da vida e os encontros e desencontros desta: a felicidade era para todos.
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Como não lembrar da primeira vez em que a viu, tão bela e encantadora, lá no mar de Salvador? Estava lá, a menina que fazia o sinal da cruz para a Lua, que lhe pediu logo depois para ser chamada de Continente... Asia. A garota, vinte anos mais jovem que o italiano, contrariara o que Simão já dava por certo. Não, não era Gina o grande amor da vida de Simão. Seu grande amor era um continente...
– Astros e estrelas foram testemunhas, Simão. Eu te amei, profundamente, em silêncio. Mas como silenciar algo tão forte e amaldiçoar uma existência já era cheia de obstáculos por si. – Confessou a mãe de Gareth. – Eu te amo tanto, sempre te amei. Tentei sufocar esse sentimento tão lindo, mas só me machuquei. Então, em compensação, prometo te fazer pelo resto dos seus dias nessa vida. Ah, e farei de tudo para que nas próximas, quando eu te reconhecer de novo, eu não perca tempo com bobagens e viva o nosso amor.
– Eu te amo Asia desde o instante que respirei o mesmo ar que você. Sua lembrança, durante muitos anos, foi a única coisa que me fazia viver e, como, como eu senti sua falta.– Desabafou Simão. – Sou tão grato por seu sorriso, seu olhar, sua vida. Eu sou grato por ter a chance de viver plenamente o nosso amor agora.
Feito os votos, os familiares dos noivos deram salvas de palmas. Eles estavam juntos, outra vez.
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Por alguns instantes Alasca achou ter visto os espíritos duas mulheres ao lado de Simonetta. Uma emanava uma aura cor-de-rosa fora do comum, já a outra volta e meia olhava para Gina com um afeto maternal. "Será que a finada mãe da Gina vai encarnar como Joanna d'Arc Garuzzo?", pensou a pisciana. "Como Gare e Mona foram Paolla e Francesco Mafrendini na outra vida, isso faz total sentido...", concluiu a namorada de Eden.
Bem, aquela não era a primeira, segunda ou terceira vez que Alasca via espíritos. A primeira, de total relevância para sua transição espiritual, foi em sua conversão para a religião wicca. Já a mais importante, até então, tinha sido a visão da Virgem Maria em três corpos distintos no último 11 de setembro.
"A penúltima, ah, a penúltima ...", recordou Alasca. Sim, ela tinha visto Marcelo diante de Eden e não pode dizer nada. Claro, Marcelo tinha seus motivos para pedir aquilo: o recado e o vidro com lágrimas precisariam ser entregues à Maria Marta já que, mesmo sendo capaz de ver um espírito da envergadura da Virgem, ela ainda não estava preparada para encarar seu grande amor.
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Maria Marta estava de frente ao mar de Ischia quando Alasca aparecera. A nora da noviça vinha ofegante do castelo em que fora realizado o casamento.
– O que queres? Não irá festejar com tua tia? – Indagou Marta.
Antes da chegada da moça, a filha do meio de Gina estava relembrando e agradecendo por tudo que aconteceu naquele último ano: sua caçula havia nascido saudável e teria ótimos pais; seu maior segredo fora revelado e Marta declarada inocente; o sonho de ser freira estava apenas começando a acontecer... Sua vida seria perfeita se Marcelo houvesse lhe perdoado antes de morrer.
– Eu trouxe um recado... Um recado e um recipiente de lembranças. Use-os sabiamente. – Disse a garota para, em seguida, partir novamente para o castelo.
Curiosa, a escorpiana abrira o bilhete e se surpreendera com a caligrafia. As letras, ali contidas, eram iguais as letras de Marcelo, ou melhor, eram as de seu grande amor! "Eu te amo e te perdoo, meu amor. Cumpra a sua missão sem pressa. Eu te espero", dizia a psicografia. Maria Marta estava prestes a supor que Alasca tivera a ideia geniosa de imitar a caligrafia do finado para agradar a sogra, porém, o cheiro de Marcelo se materializara ali naquele instante.
– Um dia, meu amor, nossas almas voltarão a se encontrar. E será muito mais puro e sincero do que foi nessa vida. – Dizia a mulher ao mesmo tempo em que jogava as lembranças no mar. – A nossa família está unida de novo e isso me alegra. Eles continuam sendo os abençoados e pecaminosos Garuzzi de sempre, mas Jesus veio para salvar os pecadores e não os santos. E, como você era um santo, Ele te chamou pra junto d'Ele tão cedo. – Desabafou com lágrimas nos olhos. – Foi uma honra te amar, ter três filhos tão especiais com você e depois, de enfrentar o meu passado e meus medos, ainda dar a luz à Eva. Eu não te merecia, Marcelo. Agora vou servir a Deus seja qual for o Seu Propósito para minha vida e tentar ser uma tia sábia para a Joanna d'Arc, uma das escolhidas d'Ele para ser sua profetisa. Vou enfrentar toda as tripulações com a esperança de, quem sabe, o Paraíso ser reservado para mim e te encontrar por lá. Com certeza estás no Elísios como um dos mais bondosos anjos do Programador, como o Eden diria. E eu, meu amor, agora alcancei a Luz, mesmo sem partir dessa vida. Meu coração finalmente descansa em paz. – Concluiu Maria Marta, entrando no rio. Enquanto isso, no céu do entardecer italiano, apareciam nuvens que formavam uma mulher vestida de sol com a lua debaixo dos pés.
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