Capítulo 124
CAPÍTULO 124
Simonetta estava contente com a vida que teria pelos próximos anos. Tudo indicava que até o fim da tarde Gareth e Donatello seriam eleitos os novos representantes do povo gaetano. Além disso, a mãe de três pretendia fazer um filial de Mercúrio Retrógrado em Gaeta e tentar mestrado em Antropologia no próximo ano. A família de Simonetta estava morando na mansão que outrora fora de Paolla e Francesco Mafrendini (ou seja, fora deles mesmo em outra vida). O casal preferira não ficar nas terras que foram de Zeus e Gaetana em prol de evitar energias negativas e pesadas.
– Amor, por que não visitamos os túmulos da Paolla e do Francesco? – Sugeriu Simona. – Precisamos nos entreter para diminuir a ansiedade.
– Eu não estou tão ansioso, mas... – Mentiu Gareth. – Será que a gente consegue chegar ao cemitério com três crianças?
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Mirella entraria para a história. De fato, quantas bruxas anteriores tentaram dar um corpo para Lilith, burlando todas as regras reencarnatórias que regiam aquele planeta? Mirella não sabia, mas tinha certeza que ela seria a primeira a fazer isso dar certo. Não era se convencendo, mas Mirella merecia esse lugar na história: os sangues derramados de Cássio e Jonathan, a difamação de Gareth e Simonetta, a relação com Lázaro e a concepção de uma filha dele, a traição contra a ultrapassada Virgo.... Tudo, tudo aquilo fora feito para provar à Lilith seu valor.
Os últimos dias, graças à Deusa, foram relativamente fáceis na execução de seu plano. Após usar Charme para conseguir viajar à Itália sem a fiscalização das barreiras sanitárias, a feiticeira esperou o dia ideal para o grande despertar da primeira mulher humana. Sim, dia 11 de setembro de 2020 não era um dia qualquer: a soma dos números do dia e do mês resultavam em 20, gerando um triplo 20. Além disso, o signo que regia aquela ocorrência era Virgem, o sexto signo do Zodíaco. Substituindo o triplo 20 por um triplo 6, o número formado era 666, o horror confesso da maioria dos cristãos.
Mirella, enfim, entrou em La cattedrale dei Santi Erasmo e Marciano e di Santa Maria Assunta, o local de culto católico mais importante de Gaeta. O belo local havia sido construído e reconstruído por quase mil anos. A igreja, recoberta de abóbodas em cruz e arcos ogivais, fora reerguida com o fim de conciliar a arquitetura neogótica com elementos do cristianismo primitivo. Assim, achara Mirella, seria poético reerguer ali uma deusa que fora construída e reconstruída por mitos de diversos povos.
Após a entrada na Igreja devidamente escolhida, era chegada a hora sincrônica 11h11, o portal da carta Força do tarô. É, Mirella, além de ambiciosa e astuta, era uma mulher extremamente forte... Ela suportara todos os homens que, desde a adolescência, só lhe viam como objeto sexual. A mulher, vestida de preto, iniciara induzindo o parto de sua filha. Sim, seria com o sangue da bolsa estourada de uma inocente, fruto da relação de dois pecadores sexuais, que o ritual começaria. Com este sangue, a bruxa inscreveu um círculo e um pentagrama no chão. O vestido, que era preto, se tonara vermelho; a pele, que era humana, incorporou detalhes de pele reptiliana; os olhos, anteriormente castanhos, se tornaram totalmente pretos.
Lilth estava voltando primeiro no corpo de Mirella para depois tomar posse do corpo da pequena Eva.
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Eram 11h15 quando bruxa e freira chegaram de frente a La Cattedrale. A igreja, fechada devido à pandemia de Coronavírus, exalava fumaça sem pegar fogo. O que Alasca faria diante a uma possessão demoníaca? Tudo que ela tinha era uma mochila com manuscritos que mal conseguia trabalhar...
– Tome. Esta é a oração de Sant'Erasmo. – Entregou Maria Marta. – Os restos mortais dele estão aqui.
– "Ó Gaeta, sem em Sant'Erasmo você está rezando pelos seus mortos, reconheça a Bandeira de Pio ..." – Rezava Alasca, parando ao ver a sogra entrar na igreja amaldiçoada. – Você não pode entrar aí... Você não vai sobreviver a um confronto direto com Lilith.
– Eu não estou temendo isso. Sei que uma garota pura como você há de encontrar a solução. – Respondeu a mãe biológica de Eva. – E eu preciso tentar proteger, da minha forma, a menina que ousei botar no mundo.
– Mas ... – Dizia Alasca em vão.
Após a entrada de Maria Marta em La Cattedrale, a sobrinha de Asia retomou o fôlego aos poucos. Uma oração a um santo comum não deteria Lilith... "Talvez a Katroptis Capixaba de Yves me dê alguma dica", pensou Alasca. "Yves, Yves, por que não me avisou sobre o que Mirella pretendia fazer. Eu teria me preparado melhor...", reclamou, internamente, a pisciana.
– Ó Virgem do Sul, concebida sem a mancha do Pecado Original. Tudo para pôr o Deus, teu filho entre humanos e nos dá novamente uma segunda chance ... – Entoava Alasca enquanto procurava algum feitiço poderoso em seus manuscritos.
De repente os manuscritos, que estavam encadernados, abrem-se nas páginas centrais. Lá se encontrava um círculo dividido perfeitamente em doze partes iguais, cuja cada parte era decorada pelo símbolo de cada signo do zodíaco. O setor de Virgem, o então regente, se destacava entre os demais: ele brilhava uma luz dourada incandescente. Alasca, assim, lembrara de South's Virgo, a entidade que acabara de invocar. Sim, esse fora mais um nome que Maria, a mãe do Cristo, ganhara durante os séculos. Não, não foram católicos que a batizaram com esse nome, como era comum entre os demais, e sim bruxas.
– Só a mulher que é santa entre os cristãos e deusa entre os pagãos pode resolver um conflito entre uma futura freira e uma bruxa. – Concluiu Alasca. – Ó Virgem do Sul, eu imploro por sua presença! – Dizia Alasca vendo por sua Katoptris um navio descendo do Céu.
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Maria Marta estava paralisada diante à névoa quando Ela apareceu. Ela não. Elas. Eram três mulheres que Maria Marta estava acostumada a ver em miniaturas de resina. Enquanto isso Mirella, que a cada minuto criava mais feições reptilianas, tinha em mãos uma bola de cristal escura. Em contrapartida as três mulheres, que era Uma só como muito bem Marta sabia, segurava três bolas de cristal. A primeira, vestida de branco com um manto azul, tinha a bola iluminada como uma lua crescente: ela era a das Graças; a segunda, vestida de rosa com um manto azul estrelado e pele parda, tinha a bola totalmente iluminada, como se fosse a lua cheia: ela era a de Guadalupe; a terceira e mais surpreendente para Marta, estava com a bola que correspondia à lua minguante e tinha a pele preta retinta: ela era a Aparecida.
As três, que eram a mesma Nossa Senhora, se uniram em só corpo, dando destaque a primeira, que agora se apresentava como uma gestante prestes a dar à luz. Da superlua formada pela trindade saíra uma luz que extinguira toda fumaça. Agora, a noviça podia ver claramente as suas inimigas.
Mirella, assim como a Virgem, estava gestante e derramava sangues de suas entranhas. Em seguida apareceram seis anjos ao redor da Senhora, anjos estes que pareciam receber ordens telepaticamente. Após isso, três deles envolveram a pequena Eva em uma bolha de luz azul; já os outros três forçavam o parto de Mirella, para que a bruxa não usasse o sangue de seu bebê no ritual.
– De novo não! Vocês querem roubar minha filha mais uma vez? – Disse Mirella com uma voz que não era dela. – Aqueles três malditos anjos retiram minha filha e entregaram ela a Adão!
– Lilith, Eva não foi tirada de ti por vingança. Ela não sobreviveria entre umbrais. – Respondeu a Senhora, com a voz semelhante a um saxofone. – Essas duas crianças demoraram muito para encarnar nesse tempo e você não pode tirar o direito de vidas delas por um capricho seu. Você pode se submeter à Fraternidade para esquecer de tuas culpas e encarnar em breve.
– Pra você falar isso é tão fácil! Você é considerada uma Santa entre eles e eu um Demônio! Além disso você pode fazer o que quiser neste planeta e eu não. – Rebateu Lilith. – Eu não existo para ser baba-ovo de nenhum ser crístico assim como você.
– Lilith, você tinha a noção de que, se eu não tivesse interferido em seu plano, a inquisição começaria novamente? – Observou a Senhora. – Não é com rachaduras que se reconquista a unidade.
– Rachaduras... Olha quem fala. Você usou a inquisição para converter as minhas filhas ao seu Credo e fez de tudo para voltar a ser adorada como uma deusa, não foi? – Comentou a primeira mulher. – Por que você não mostra às convidadas quem você era há 14 mil anos? Vai lá, mostra a forma covarde com que você abandonou a Terra.
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Mônica não conseguia acreditar no que viu naquele 11 de setembro de 2020. Após ouvir Lilith pela boca e corpo de Mirella, a outra mulher, que só podia ser a Virgem, abrira um portal na catedral. O portal parecia uma tela de televisão gigante e provavelmente contava os fatos do passado que Lilith mencionara.
A Virgem aparecia na tela em um cenário nunca antes imaginado por Mônica. Era outra época, de certo, milhares de anos antes. Ela se encontrava em uma montanha frente ao mar, mar este que reproduzia as estrelas do Céu. A Senhora, com aparência de menina, entoou o seguinte lamento:
"Me despeço de ti, ó Terra, e de meus amados pupilos. Defendi a eles e a natureza que premiava essa civilização. Hoje eu não sou capaz de ver o homem ferir a natureza e a seus iguais. Por outro lado, não quero vê-los castigados por seu egocentrismo. Ensinei-os sobre paz e justiça, o que eles desaprenderam tão rápido. Vou me embora daqui e já escolhi as 96 estrelas em que meu espírito habitará."
Mônica se lembrara imediatamente do mito do signo de Virgem. Fora Astreia, deusa da inocência e da pureza, que se imortalizara em tal ato. Mas o que isso teria a ver com o passado da Senhora? Como se pudesse ouvir os pensamentos de Mônica, a tela da Catedral em Gaeta mudara para outro tempo e lugar no espaço. Lá podia-se ver Astreia acompanhada de um belo rapaz loiro de pele morena, que trajava uma túnica verde assim como Astreia. "Rafael, diga ao governador planetário da Terra que pretendo participar da excursão", pediu a ex-deusa grega. Em seguida, a visão mudou para outro local, desta vez uma planície encoberta por um mar pacífico e profundo. "Tu se chamarás Miriam e finalmente ajudará no resgate dos humanos que abandonara outrora. Escolha um oitavo de suas partes para encarnar na Terra como uma humana", ordenou Rafael. Astreia, então, escolhera doze das 96 estrelas e adentrara no mar para esquecer quem realmente era.
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Alasca ouvira se sua tia, quando era criança, fatos sobre a Virgem Maria que a Igreja Católica não contava. Um deles se dizia ao fato da superdotação de Maria e sua ânsia por conhecimento e sabedoria desde muito pequena. Isso, segundo Asia, chamara a atenção dos rabinos fazendo a filha de Santa Ana entrar para o quadro de sacerdotisas da sinagoga de Jerusalém aos três anos de idade. A garota mostrou, ao crescer, uma mediunidade excepcional: era adivinha, clariaudiente e clarividente e isso fez com que muitos sacerdotes rotulassem ela como uma bruxa. Os que não fizeram isto tinham certeza que ela era a mãe do Messias prometido. Assim, o noivado da jovem com José fora feito justamente para que Maria não fosse a Virgem das escrituras. Como é óbvio, os rabinos não conseguiram burlar o destino.
– Eu não sabia que ela tinha sido Astreia. – Disse Alasca à Lua, que estava ao seu lado desde que o navio descera do Céu.
– Também fiquei espantada quando eu soube disso. Realmente, a Deusa pode ter dez mil faces ou nomes, mas ela sempre será apenas Uma. – Comentou a bruxa medieval. – Bem, essa era uma das coisas que você devia saber antes de começar a interpretar o manuscrito. Agora é só desenvolver seu terceiro olho e usar a Katoptris que ganhou de sua amiga.
– Então você sabia que eu não conseguiria imediatamente... Você estava me testando? – Indagou a namorada de Eden.
– Pelo visto você passou no teste. – Respondeu. – Leia tudo sobre a Virgem que você puder; se conecte com a deusa que existe em você; nunca esqueça que você sabe de muito pouco do Universo e, acima de tudo, sabedoria. Ah, e nunca deixe suas sombras te engolirem. Como você ver Lilith não é 100% má. Ela só representa as trevas que se escondem em cada um de nós. – Aconselhou Lua, parando para acompanhar o fim da batalha ente a Virgem e a Deusa.
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Mesmo boquiaberta com as visões contidas na televisão gigante, Maria Marta correra para abraçar a filha caçula. Sim, ela devia socorrer à bebê recém-nascida filha de Mirella primeiro, mas ela não se importara com isso na hora. A Serpente, consciente que a verdade não fizera Marta perder a confiança na Senhora, se decompôs em barro e deixara o corpo de sua discípula desfigurado no chão da Igreja.
– Eu não pude salvar a mãe dela. – Disse a Virgem com a recém-nascida no colo. – Espero que sua tia e avós lhe deem muito amor. Essa criança merece.
– Eu, eu ... – Gaguejou a noviça.
– Não precisa dizer nada. Deixarei essa bebê na cesta. A menina que me invocou vem buscá-la quando eu e minha caravana partirmos.
Após estas palavras a Virgem abriu outro portal. Este, desta vez, mostrava o presente. Lá estavam, visitando o cemitério, Gareth e Simonetta com os três filhos.
– Nascerá uma profetisa entre tuas sobrinhas. Cuide dela. Ela será uma grande serva do Senhor. – Finalizou a Virgem.
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