Capítulo 111
CAPÍTULO 111
Simonetta estava de mãos dadas com a sua filha mais nova em um ambiente desconhecido dela. "Espera", pensara a virginiana em seu sonho lúcido. Aquela menina tinha os cabelos negros e não loiros como os de Olívia. Além disso, a criança não falava uma palavra sequer, diferente da filha escorpiana tagarela da cientista social. Ao seu lado estava Gareth, mas ela não conseguia olhar diretamente pro rosto de seu amado. Ele estava com outra menina mais velha, aparentemente também filha deles. "Tua sorella deve restare qui, mia amata", dizia o homem.
De repente o sonho mudara de local. Lá estava Simonetta, com sua filha mais velha, segurando o que aparentava ser seu primeiro neto. "L'orgoglio della nonna", dissera a senhora. Por fim, o lugar fora trocada por uma terceira e última vez. A falsa Simonetta entrava desesperada em um quarto escuro de uma bela e antiga mansão. Na cama estava o falso Gareth com um punhal em sua barriga. Em sua carta de suicídio, estava escrita a seguinte frase: "Non potevo abbandonare la nostra ragazza."
Simonetta despertara do sonho lúcido. Estava tudo bem com seu marido, ao seu lado na cama, com seus dois filhos maiores e o bebê em sua barriga. Era meia-noite e doze do dia 21 de dezembro de 2019.
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Maria Marta interrompera sua pesquisa sobre o venerável italiano Carlo Acutis para depositar sua parcela de vômito na privada naquela madrugada. Sim, ela estava grávida do monstro que lhe estuprara. Não, ela não tiraria do ventre dela por mais que as leis humanas não a condenassem se ela fizesse isto. Sem falar que fora dessa forma que Ginevra fora gerada... Seu avô materno podia ser um monstro, mas sua mãe era luz na vida de muita gente. E se aquele bebê tivesse destinado a algo maior como o jovem Carlo Acutis? Não, não seria ela a responsável por atrapalhar assim os planos de Deus.
– Infelizmente devo lhe deixar sozinha esta madrugada, Maria Marta. – Anunciou Donatello. – Nosso avô não está passando bem. Temo que eu seja o único padre com coragem de lhe dar a unção. Avise a Ruthy e encarregue a ela a espalhar a notícia para a família. – Pediu o padre. – Ah, eu te aconselharia a procurar roupas largas para um possível velório. Acredito que não queira que saibam ainda desta criança.
– Se você for comigo eu teria coragem de dar as caras para minha família, meus filhos. – Respondeu a beata. – E se me permite retribuir o conselho: você não é obrigado a ficar na função de padre depois da morte de Zeus. Você já terá cumprido o que lhe foi confiado, né, que seria abençoar um homem que teve pouco caráter nessa Terra. Também: não se esqueça que a sua mãe esteve em uma situação mais delicada que a minha. Ela prometera castidade, descumpriu sua promessa e mesmo assim não usou do recurso dos covardes para fingir-se de limpa. Vá e faça o que Ruthy lhe propôs. O casamento dela é dia 25, né? Não quero um padrinho cheio de mágoa para esse neném.
– Sou grato por seus conselhos, Marta. Vou pensar com carinho no que você me disse. – Respondera o sacerdote. – Mais uma vez, se cuide. – Concluíra.
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No fundo, Ruthy nunca tinha deixado de ser um membro da família Garuzzo. Particularmente ela gostava mais de sua atual versão na família do que da antiga. Agora, a libriana era amiga e confidente de alguns membros da família; antes era a sombra do poderoso herdeiro da S.V. Comunicações. Com seu novo papel de conselheira, Ruthy podia ser capaz de convencer os filhos de Zeus a perdoá-lo, especialmente Silvana. Perdoar o patriarca italiano não seria esquecer e nem retirá-lo do julgamento pelo que fez; perdoar, antes de tudo, era dar uma oportunidade a si mesmo de libertar-se do ódio e das mágoas.
Após avisar seu ex-sogro e Cecilia que estava no Brasil para rezar pela situação financeira da família, a espírita decidiu ligar para Simonetta. Talvez sua filha mais velha tivesse alguma estratégia para lidar com Silvana. Talvez...
– Mãe, eu queria conversar contigo mesmo. Quanto à tia Silvana eu mesma posso ir pra casa da Nathy contar o que está acontecendo. Se eu não conseguir convencê-la, Nathalia conseguirá. – Propôs a gestante. – Mãe, eu tive um sonho essa madrugada... Eu acho que lembrei de uma encarnação anterior. – Revelou.
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Silvana esperava dias melhores naquele final de 2019. O roteiro da ex-freira começara com a missão de ajudar uma criança, passara por ser a babá desta na casa de seu pai adotivo e agora sua futura mãe adotivo. Tudo isso enquanto seu sobrinho era baleado covardemente e seu irmão quase perdera o patrimônio que construíra. Agora, a italiana soubera que seu desamoroso pai estava prestes a morrer. Será que existiria, na vida de Silvana, um ano mais dramático do que aquele?
– Simão está muito sorridente para meu gosto. – Observou Cecilia. – Não era esse mesmo Simão que até uns dias atrás estava perdendo tudo?
Os três filhos de Zeus e Gaetana se encontravam em um avião com destino à Vitória e, aparentemente, o primogênito não parecia afetado pelos más notícias.
– Passei minha coroa para Luís Cládio. Está muito claro que eu já não sei o que fazer com meus bens conquistados. – Justificou-se. – Além disso, já tenho 69 anos e preciso curtir a vida que me resta.
– Ouvi as más-línguas dizerem que nossa família está plagiando os contos de fadas. Disseram que Silvana era a nova Cinderela e você, Simão, o Gato de Botas e que suas botas estão exatamente para onde estamos nos destinando. – Comentou Cecilia. – Será que serei obrigada a dividir meu papel de sacerdotisa com mais uma feiticeira na família?
– Ora, Ceci, pare de ter a língua cortante. – Interferiu Silvana. – Estamos indo para um possível enterro e não para um casamento.
– De certo, o seu casamento será no Natal. – Lembrou Cecilia. – Não pensa em entrar na Igreja com seu filho? Nunca é tarde para assumir que fostes burra.
– Não sei se mereço o perdão dele. – Respondera a noiva de Muniz.
– Eu não mereço a misericórdia de meus filhos, mas torço muito para que um dia a tenha. – Confessou Simão. – E aí, será que conseguiremos perdoar nosso pai para merecer o perdão de nossos filhos? – Questionara.
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O sobrinho preferido de Cecilia mantinha o semblante calmo. Talvez Donatello sentisse que Zeus não seria condenado ao inferno após sua morte. Ou, ele próprio estivesse se dando a chance de libertar-se de qualquer condenação divina.
– Mia dolce zia, Cecilia. Confesso que senti muita saudade de seus conselhos e desorientações. – Dizia o então padre abraçando à tia. – Bem, eu preciso que você convoque la mia madre para uma pequena missão.
– A missão não seria o difícil perdão que Silvana precisa dar a nosso pai? – Supôs a freira.
– Ruthy me informou que no Brasil já é possível o reconhecimento da maternidade socioafetiva. – Confessou. – Eu peço, por favor, para que você e vossa irmã vão a algum cartório e confirmem que me criaram. Serei oficialmente um Garuzzo, Donatello Benedittus Garuzzo, sem precisar que ninguém suponha ou que vocês digam que vim do ventre de Silvana.
– Mio ragazzo, fico contente com sua iniciativa. Ficarei feliz em também ser sua mãe. – Afirmou a senhora abraçando ao homem.
– Ela finalmente estará no lugar de seus sonhos, né? Esposa e mãe de família. – Opinou Donatello.
– Eu também preciso estar no lugar que me pertence. – Finalizou.
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Como Silvana seria capaz de lembrar daquelas amaldiçoadas sem sentir nenhum tipo de sentimento negativo? O tempo, o celibato e as orações só foram capazes de diminuir a intensidade de seu rancor. Seria o tal perdão, gêmeo idêntico do amor incondicional ensinado por Cristo, o remédio mágico para esta cura?
Fora um dia sombrio. Zeus, com loucura e ambição acentuadas, queria se tornar rei de qualquer forma. Por que aquele maldito testamento sem sentido teria chegado às mãos daquele homem tão fraco de caráter? Inconformado com a recusa de Simão e Gina reconhecer um parentesco tão próximo (e que traria um apedrejamento como consequência), a única solução insana seria tomar uma de suas filhas como esposa. Ou as duas, como ele tentaria. Como Silvana era a filha mais velha fora escolhida como primeira cobaia e imediatamente condenada ao inferno em vida. Depois dos prantos e sangue de uma virgindade prometida somente a Constantino, o sacrifício: Gaetana jogara-se em frente a filha mais nova e levara uma facada no peito, impedindo com sua vida que a caçula também fosse estuprada.
– Meus filhos... – Falara o idoso, em estado terminal. – Silvana... Eu, eu...
– Nós te perdoamos. – Adivinhou a ex-freira. – Deus sabe a cruz que cada um é capaz de carregar. Também tenho culpa da minha ter sido extremamente pesada. Eu não queria libertar-me do mal que se alojou em mim. Óbvio que seria mais difícil superar tudo aquilo. Sinto muito que o mal tenha te feito de marionete e direcionado tanta coisa ruim a nós, seus filhos. Espero que a Virgem Mãe lhe advogue e te salve do Inferno. Eu te perdoo. Você pode partir em paz. – Desejara.
Eram aproximadamente 10h00 da manhã do dia 21 de dezembro de 2019 quando Zeus se despedira de uma vida cheia de pecados.
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Donatello chamara padres parceiros para lhe acompanhar no velório de Zeus. Ele não queria atrapalhar a jornada pós-morte de seu avô pela decisão que estava prestes a tomar. Sua sorte é que ainda haviam sacerdotes que faziam rituais sem se importarem tanto com o passado do finado. Assim, Donatello poderia confessar o que tanto queria a qualquer hora. Só esperou, então, que padres e freiras amigos seus, de Silvana e Cecilia assistissem a cerimônia de Gaeta por videochamada. Videochamada: ele não sabia o quão comum se tornaria aquela prática em 2020. Em seguida, Maria Marta aparecera ao lado de Ruthy, com as roupas devidamente folgadas. Abraçou suas tias e afirmou que estava passando por uma longa reflexão ao lado das figuras mais religiosas da família. A chegada da beata fora o gás que Donatello precisava. Ele realmente precisava fazer o que ela lhe havia aconselhado. E Ruthy estava tão linda...
– O pecado nos condena a uma vida de misérias, mas eu diria que ele não seria tão devastador se não fosse acompanhado do medo: o medo de melhorar, de perdoar, de fazer renúncias. – Discursara o até então padre. – E quantos pecados nós não cometemos por causa do medo? Vale a pena sofrer tanto pelo receio da liberdade? A liberdade de nossos sentimentos, do encontro com Cristo. – Continuou. – Radiante eu fico que um homem tão pecador tenha conseguido reunir tantos homens e mulheres de Deus em seu velório. Como pecador, um pecador mais passivo eu diria, me sinto livre para deixar que Jesus conduza esta alma. Como um ser ainda vivente vejo-me na obrigação de conduzir também à minha alma para que ela não cometa os mesmos erros já visto nesta família. Sinto-me em paz e com o dever cumprido: eu renuncio hoje, para o meu próprio bem, o sacerdócio. – Finalizou Donatello, lançando um olhar apaixonado para Ruthy.
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