Capítulo 06
CAPÍTULO 06
Gareth ainda não tinha tomado a decisão de conversar com Asia. Se o mundo acabasse naquele 21 de dezembro, o que Gareth achava improvável, mãe e filho teriam que acertar contas depois de mortos. Assim, com esses pensamentos, Gareth retocou a maquiagem da cicatriz para entrar no personagem, sabendo que a verdadeira não era tão fácil assim de perceber. A verdadeira cicatriz, a qual ele próprio pusera em seu peito, tinha diversas razões para estar ali e para ser cicatriz. Não, não fora Asia Adams que fizera, apesar dele concordar que a frieza e mistério de sua mãe em relação a algumas indagações óbvias só adiara a cura daquele mal.
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Simonetta não era uma pessoa que apreciava a mentira, muito menos cultuava-a como se fosse uma deusa. Deusa. Deus livra-se de alguém da sua família hipercatólica ouvir Simonetta pensando alto naquele nome. A mentira não era boa, mas sob aquelas circunstâncias era necessária.
– Vou para a casa de Nathalia Muniz – disse Simonetta para os pais.
– Eu quero ir com ela para a casa da Nathalia também. Eu acho a mãe dela muito engraçada – pediu Samantha, irmã caçula de Simonetta.
– Você é muito nova e a noite será das mocinhas – respondeu Ruthy, negando o pedido da filha de dez anos.
– Se cuida, meu anjo, e não esqueça de ligar para o papai quando chegar. – Luís Cláudio estava no sofá da sala, lendo as notícias do dia pela internet. – Tem certeza que não quer que o papai te leve? Você sabe pegar ônibus até a casa da Nathalia?
– Sei, pai. Não se preocupe.
– Simona, você não precisa levar essa mochila enorme para passar só uma noite na casa de sua amiga. Já virou uma mania sua carregar tanto peso de um lado para o outro – comentou Ruthy, lembrando do dia em que foi buscar a filha na casa do avô.
– Mãe, você já foi menina e sabe como somos vaidosas – inventou a jovem. – Tchau, família! Amo vocês.
Os pais de Simonetta confiaram na palavra da família, visto que Nathalia era neta de João Muniz, amigo de longa data dos Garuzzi. O que eles não sabiam é que ela era rival, não amiga de Simonetta. Nathalia, que era real, Clarice, Giovana, Beatriz, que eram inventadas, e tantas outras se resumiam a apenas uma pessoa: Stella.
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Stella se vestiu de Joana d'Arc para aquela festa por um motivo óbvio para si mesmo: teria que lutar todos os dias pelas coisas que realmente lhe importavam. Embora acreditasse que a santa católica não tenha sido realmente uma bruxa — outras pessoas da sua seita discordavam, dizendo que as vozes que Joana escutara ditavam mensagens da Deusa —, Stella tinha um grande respeito e admiração por ela.
Sua mãe nunca lhe dissera por que tinha escolhido aquele nome para a filha e Stella preferia pensar que era chamada assim graças à guerreira — e ao maldito sobrenome Darcano. Não, seu nome não era Stella e sim Johana Stellium Darcano.
A melhor amiga de Stella bateu na porta fortemente e dispersou, momentaneamente, esses pensamentos. A feiticeira ainda lembrava do dia que conheceu Simonetta e por que a garota usava cabelos curtos. Em seguida, Stella abriu a porta e analisou o traje da garota. A jovem Garuzzo havia escolhido uma fantasia intimamente ligada às bruxas e à sua origem italiana — Roma, capital da fé católica, incorporou os costumes gregos politeístas antes de sucumbir à religião que pregava devoção a um único deus.
– Héeeecate? Simona, você não tem três corpos para usar essa fantasia.
– Johana, eu sei o que estou fazendo. Por isso que eu escolhi só a cobra para representá-la em vez do cão, da serpente e do leão. Odeio leões – disse a menina, em alusão à família que carregava o sobrenome Leão. – Excecto os meus primos. Eu não posso odiá-los. Carregar aquele sobrenome já é desgraça suficiente.
– É desrespeitoso me chamar pelo meu verdadeiro nome, você sabe, não sabe? – Stella baixou a cabeça. – Bem, eu não curto serpentes. Era melhor trazer o cão – opinou a bruxa, que havia lembrado de uma certa serpente de Gênesis.
– Não caberia na mochila. E, se eu trouxesse uma mochila maior, minha mãe abriria ela e descobriria tudo – justificou-se Simona, colocando sua fantasia em cima de uma cadeira. – Você pode me ajudar a me vestir?
Enquanto Simonetta tirava a peruca cacheada, o diadema dourado e o vestido vermelho, Stella não deixou de notar um livro com uma maçã bastante ilustrativa. Tal livro era Sexo para Adolescentes, de Marta Suplicy. "Lilith , agindo simbolicamente", pensou a bruxa. "Ela sabe que o ponto fraco da Simonetta é o sexo...", refletiu.
– Garanto que não foi tua tia Marta que escreveu esse livro. – Stella inspirou e expirou três vezes antes de continuar sua fala. – Agora entendo claramente a escolha da serpente.
– Você não vai me censurar usando os versículos de Gênesis, não vai, Stella? Já basta minha tia.
– Já te contei mil vezes porque eu odeio a Serpente, não te contei? Essa entidade tirou de mim a possibilidade de ter uma infância feliz.
– Sim, me contou milhares de vezes. Mas Lilith só agiu daquele modo porque ela permitiu... – respondeu Simonetta. – Ela foi uma feminista como nós, Stella.
– Mas ela não é de confiança. Ela simboliza o sexo, o pecado. É uma das piores faces da Deusa, Simonetta. E o que ela fez passa longe de ser sororidade.
– Respeito sua opinião, mas não posso permitir que você ou Lilith me impeçam de ter uma ótima festa hoje.
– Só lhe peço cuidado... E nada de transar com 14 anos.
– Eu não fiz voto de virgindade perpétua como você, Stella.
– Você sabe o que eu quis dizer: cuidado com o Mikhael. Ele tem sangue ruim e está de olho em você.
– O Sol deve mudar para Capricórnio se o mundo não acabar, por isso vamos esquecer do Leão, que se acha o Sol e o centro do Universo – pediu Simonetta, sentindo que viveria grandes emoções.
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Gareth não conseguiu segurar a gargalhada quando viu a fantasia de Leônidas. Leônidas era meio atrapalhado, divertido e até corajoso, mas, às vezes, perdia a noção do ridículo.
– Ele não é um bruxo, Leônidas.
– Ele é o maior bruxo brasileiro de todos os tempos, Gareth.
– Ele é um jogador de futebol.
– Eu vou te driblar, Gaetanio.
– Você pode chamar, erroneamente, Ronaldinho Gaúcho de bruxo, mas eu sou um bruxo histórico e verídico. Eu sou o Harry Potter.
– Você devia ter pedido dicas de fantasia para sua mãe, Gaetanio. Ficou horrível. Pior que a fantasia do Ronaldinho.
– Prefiro evitar qualquer tipo de conversa com ela – desabafou o futuro economista.
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Várias pessoas desconhecidas povoavam a rua em frente a Stellium e as fantasias bizarras desagradavam Simonetta. Nenhuma superava a de Ronaldinho Gaúcho, mas convenhamos, que aquele garoto ao lado dele vestido de Harry Potter era um dos homens mais belos do mundo – para ter certeza, ela precisava se aproximar e comprovar que, de fato, ele era o mais lindo. "Um minuto para o fim do mundo" tocava e Simona só queria saber como era o abraço daquele rapaz antes do mundo acabar.
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Chegara a vez de "Pequena Eva" tocar e a DJ Stella fora interrompida. Uma moça de vestido vermelho conversava com Stella com intimidade. Talvez fosse prima dela. A garota apontava para Gareth e intimou a bruxa a fazer algo. Leônidas se sentiu orgulhoso pois, de certeza, era a beleza dele que chamou a atenção da jovem com uma cobra no pescoço.
– Simona, esses são Gareth e Leônidas. Eu tive uma visão que me disse extamente onde eles estavam – disse Stella, apresentando Simonetta para os novos amigos.
– Oi, eu sou Leônidas, e estou às suas ordens, minha deusa.
– E o com a cicatriz mal feita deve ser o Gareth – deduziu Simonetta.
– O próprio. – Gareth estendeu a mão para a garota, sentindo que ia entrar mais uma vez em uma grande enrascada.
Infelizmente, antes que o universitário pudesse saber em que tipo de enrascada se meteria, sua nova conhecida lhe surpreendeu com gritos.
– Perfeição! – gritou Simonetta. – Eu adoro a Legião. Eu vou escolher um dos dois. Bem, eu vou por ordem alfabética. – E estendeu os braços para Gareth.
– Espere aí – interveio Leônidas, chamando Gareth para uma conversa à parte. – Ela tem um texto invisível na testa, que só bruxos poderosos como eu podem ver. Está escrito "Para lascar Gareth". Deixa eu enfrentar o perigo.
– Eu vou dançar com a moça. Esqueceu que eu sou o filho de uma bruxa? Aliás, ela é lindinha demais para você, Leo.
– Depois não diga que eu não avisei! – exclamou Leônidas, com ciúmes em dobro.
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Simonetta estranhava a timidez do amigo de Stella, mas nem isso era capaz de tirar a beleza daquele rosto angelical.
– Essa cicatriz mal feita é de um menino que sobreviveu ou é apenas uma fantasia? – perguntou Simonetta ao seu par de dança.
– Vamos dizer que eu sobrevivi de uma certa forma – respondeu Gareth, baixando os olhos. – Todos nós temos que sobreviver à vida.
– Faltam menos de três minutos para o dia 22 e o mundo não acabou ainda. Bom presságio?
– Não sei. Eu tenho um azar incrível – comentou Gareth, tentando se esquecer de sua verdadeira cicatriz.
– Anjo Azul! – A amiga de Stella parecia gostar bastante de músicas mais velhas que ela mesma. – Combina com seus olhos azuis-esverdeados.
Gareth ficou sem palavras tentando entender qual feitiço aquela menina tinha jogado nele. Por que ele se sentia tão atraído por uma desconhecida?
– Feliz 22 de dezembro de 2012 – comemorou Simonetta assim que os foguetes aparecem no céu. – Já que o mundo não acabou, eu posso ficar nos teus braços até a data ser remarcada. – E beijou o desconhecido.
Simonetta nunca imaginou que seu primeiro beijo seria daquela forma. Gareth largou a garota, com um olhar de surpresa, e voltou a beijá-la ao som do refrão "Não tenha medo desse amor bonito... nosso amanhã... ah, meu beijo anjo... não tem nada de pecado ... só tem gosto de maçã".
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