Capítulo 03
CAPÍTULO 03
"A curiosidade matou o gato", dizia o ditado, mas Simonetta não era um gato e sim um ser humano. Simonetta sabia muito bem que a curiosidade humana levara o homem ao desenvolvimento tecnológico e cultural atual, embora ainda achasse sua espécie, em geral, podre e hipócrita.
Sua tia Maria Marta era de opinião contrária, dizendo que a curiosidade e a sede de conhecimento levaram e sempre levarão o homem à morte – vide Gênesis e entenda por que Maria Marta escolheu os nomes Eden, Abel e Caim para os filhos. Mas Maria Marta não precisava saber qual era a curiosidade de Simonetta. No máximo Eden precisaria.
A moça dirigiu-se para a casa de seu avô, à tarde, depois de suas aulas, para conversar com seu primo. Ao chegar na porta da mansão, Simona escutou a tradicional discussão pós-almoço entre Maytê e Maria Marta. Embora Marta morasse ao lado do pai e da sogra, vivia na casa paterna, com esperança de, quem sabe, encontrar Maytê morta no sofá e ser a primeira a saber da notícia. Maria Marta odiava aquela mulher e a sobrinha não entendia por que ela amava tanto Marcelo, primogênito da megera.
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Como sempre, Eden almoçava dentro da biblioteca, com muitos livros ao seu redor. Era um ritual do primo de Simonetta: ou ele se alimentava na biblioteca ou levava a biblioteca até a mesa, devidamente equipado com seu fone de ouvido gigante.
Terceiro neto de Simão Garuzzo e Ginevra, Eden não parecia, como Simonetta, ligar muito para a fortuna que sua família acumulava. Na verdade, ele só queria herdar a biblioteca do avô, que, no fundo, já era dele.
– Posso saber o porquê você faltou à escola hoje? Pelo que eu saiba não você não pegou nenhum resfriado durante a viagem à Teixeira de Freitas – observou Simonetta.
– Eu faria um deslocamento dispensável para a escola, onde as matérias são previsíveis e maçantes e perderia meu precioso tempo. Aqui pelo menos eu descubro o motivo do Teorema de Pitágoras não valer na superfície terrestre para distâncias grandes.
– Posso saber o motivo?
– Simona, existem mais geometrias do que você pode imaginar, e a que você estuda é apenas um caso particular, planar.
– Obrigada pela poesia, mas eu não estou interessada em aprender Matemática agora e sim Biologia. Quais são os melhores livros que o vovô tem sobre o assunto?
– Tem alguns muito bons, mas, se você me disser o que quer, eu posso ajudar.
– Existem coisas proibidas para garotos de dez anos. Eu só quero saber quais são os melhores livros.
– Existe uma coisa chamada internet, fonte de informações acessíveis e, às vezes, enganadoras.
– E eu tenho um pai chamado Luís Cláudio que fiscaliza tudo que a gente acessa.
– Fluente em italiano você é, existem alguns livros em italiano ali – apontou o garoto. – E, ah, como você tem 14 anos e certamente já menstruou, então se previna seja qualquer o assunto que você esteja procurando.
– Por que você acha que eu quero saber sobre sexo?
– Porque existem certas coisas de Biologia que uma criança de dez anos não pode saber e que um pai de uma garota de 14 anos também não.
– Você anda muito enganado, Eden – disfarçou Simonetta.
– Tente navegar no modo anônimo – aconselhou o pequeno.
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Gareth não sabia se se frustrava mais dizendo aos clientes "Não, não posso resolver o seu caso" ou com o desdém de alguns professores que sabiam de seu passado amaldiçoado. Fora isso, aquelas duas semanas em Salvador foram boas.
O senhor Simão Garuzzo tratou Gareth e Leônidas bem e quando explicado sobre a faculdade ofereceu emprego pros jovens de 14h00 às 22h00 de segunda a sexta, com pausa para o jantar e necessidades biológicas, e de 08h00 às 16h00 no sábado, com pausa para o almoço. Caso à noite o número de ligações fosse pequeno, eles estavam liberados para estudar e ajudar em qualquer outra coisa que fossem chamados. O salário era de R$1200,00, pois Simão Garuzzo concordava que o trabalho era desgastante e Gareth sentiu-se um bilionário sem muito tempo para mijar, mas bilionário.
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Eram 21h00 quando Helionora decidiu passar na empresa do pai. A moça trabalharia alguns dias em Salvador, ora num escritório particular, ora na universidade, e veria sua mãe, em Teixeira de Freitas, apenas nos finais de semana.
– Filha! – exclamou, surpreso, o empresário. – Eu não sabia que estava aqui na S.V. ...
– A Mirella me deixou entrar. Como o senhor está, pai?
– Você veio me visitar ou me consultar? – questionou Simão, sarcasticamente.
– Vim fazer os dois. Sinto que o senhor anda um pouco triste.
– Esta é a expressão do seu pai, querida, uma expressão de um velho cansado da vida.
– O senhor se mata de trabalhar por pura rebeldia! E não adianta esconder, eu sei que isso é para passar o maior tempo possível longe de casa.
– Você é suspeita para opinar sobre minha vida conjugal.
– Sim, eu sou muito suspeita, pai, porque eu te amo e sempre vou querer seu bem – confrontou a filha caçula do italiano.
– Está tudo bem comigo e a Maytê, Liô, eu juro. Não se preocupe – mentiu o dono da S.V. Comunicações.
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Gareth e Leônidas esperavam no ponto de ônibus em frente a empresa, quando houve um tumulto. Leônidas fez Gareth prometer que não ia embora sem ele e disse que ele precisava urgentemente ir para o banheiro mais próximo. Leônidas teve sorte — algo raro para o melhor amigo de Gareth — e Gareth, como sempre, teve o maior azar possível. Bastou escutar três tiros e a sirene da polícia para Gareth lembrar do que não queria lembrar. Acomodou-se na calçada e começou a chorar desesperadamente.
Uma pessoa aproximou-se dele, depressa, mas não era Leônidas. Olhou para cima e viu uma moça loira de cerca de trinta anos lhe estendendo a mão.
– Você precisa vir comigo!
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