Capítulo 02
CAPÍTULO 02
Uma moça negra de cabelos cacheados e roupas coloridas esperava Gareth e Leônidas no terminal rodoviário. Quão grande foi a surpresa dos jovens garotos ao ver aquela desconhecida aguardando por eles? Nenhuma.
Após o encontro com a misteriosa mulher de capa preta, nada mais abalava os amigos. Se bem que Gareth chamou-a de bruxa... bruxa como a sua mãe. Todos concordamos que, até aqui, a única bruxa da história é Maytê. Mas por que o rapaz de 17 anos chamaria sua mãe assim? Raiva dela? Não. Sua mãe era uma seguidora da religião Wicca.
– Devem ser vocês os meninos que precisam de mim – disse a moça, percebendo que tanto Gareth quanto Leônidas tinham semblantes desconfiados. – Por favor, não se assustem. Eu não vou fazer nenhum mal a vocês. Meu nome é Stella.
– Você é aquela mulher estranha que apareceu para nós naquela mata esquisita? – perguntou Leônidas.
– Não. Eu nem sei quem apareceu para vocês na mata.
– E por que veio até nós? – indagou Gareth.
– Ontem à noite recebi um aviso dizendo que vocês dois precisavam de mim e que estariam exatamente aqui nesse horário. Venham, eu vou lhes mostrar o prédio onde moro. É baratíssimo.
– E por que deveríamos confiar em você? – quis saber Gareth.
– Gareth Gaetano de Jesus, 11 de junho de 1995, Sol em Gêmeos. Leônidas Naves da Costa, 22 de janeiro de 1995, Sol em Aquário. Devem ser vocês.
– Sim – disseram os garotos em uníssono.
– Ela é outra bruxa – concluiu Leônidas.
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Stella tinha uma loja de produtos ciganos e também vendia dezenas de objetos relacionados a Harry Potter e outros personagens bruxos. O nome da loja era Stellium e era perceptível o quanto aquela moça gostava da temática esotérica – ou tentava mostrar que ela era mesmo uma bruxa. Stellium era de frente a um prédio residencial, justamente o que Gareth e Leônidas almejaram durante a viagem de mais de 15 horas.
Porém, antes de tudo, preciso fazer uma pequena intervenção. O nome de batismo dessa moça era Johana Stellium Darcano e ela é feiticeira desde o dia que nasceu. Vivera sozinha entre a Stellium e sua pequena kitnet dos 15 ou 16 anos em diante. Sempre evitou falar sobre sua família. Ela tinha seus motivos.
– Como você sabia que a gente precisava da sua ajuda? – perguntou Gareth.
– Tive uma visão. Ouvi, na escuridão, o seguinte: "Uma mulher vestida de Sol, tendo a Lua debaixo dos pés..." Então me apareceu uma mulher com o rosto camuflado, dizendo seus nomes, o lugar e o horário em que eu deveria encontrá-los. Foi só isso – revelou a anfitriã.
– Você não teria uma maneira mais criativa de inventar uma história sem citar o Apocalipse? A minha vida já é um desastre e eu morava no fim do mundo, não precisava lembrar disso – revidou Leônidas.
– Eu não estou inventando nada – defendeu-se a feiticeira. Stella não gostava de mentiras e só mentia em casos de extrema necessidade. – Por que vocês vieram para Salvador mesmo? – quis saber.
– Isso não apareceu na sua bola de cristal? – alfinetou Leo.
– Desculpe o Leônidas. A gente se transferiu das faculdades em Vitória para fazer aqui em Salvador. Eu faço Economia e ele Administração – respondeu Gareth, tirando a dúvida da sua nova amiga.
– Gareth sabe como fazer economia desde cedo. É que ele nasceu pobre.
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Asia não se arrependia de nada do que fizera na noite anterior, embora tivesse motivos para se arrepender das coisas que lhe levaram a invadir a casa de seu irmão e ler a carta de seu filho antes. Gareth fora embora e talvez Asia não tivesse oportunidade de lhe pedir perdão e nem de ser a mãe que deveria ter sido.
Fora na esperança de que a reconciliação com Gareth um dia se tornaria real que Asia abriu a Bíblia em Apocalipse 12 e fez um ritual Wicca de proteção a Gareth. Sim, isso era estranho, mas Asia era uma bruxa ex-católica e tinha essas ideias infelizes em seus rituais. Era a segunda vez que ela tinha feito aquele feitiço, dezoito anos depois do primeiro.
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Eram 13h20 e Simonetta não queria sair do quarto. Tudo bem. Era dia das crianças e ela não tinha aula, mas Simonetta não era mais criança, embora seu pai, Luís Cláudio Garuzzo, acreditasse cegamente no contrário. Ela já tinha pensamentos inapropriados a uma criança.
Simonetta andava muito interessada por assuntos que, se Luís Cláudio descobrisse, o faria ser internado por infarto. Ela pensou em ir para a casa do seu avô Simão e quem sabe encontrar Eden na biblioteca.
Eden saberia encontrar todos os livros sobre o assunto e ainda daria dicas para Simonetta. Mas não. Simonetta não queria falar de sexo e dos órgãos genitais masculinos com seu primo de dez anos. E não. Não queria encontrar Mikhael, tio de Eden, com um livro sobre anatomia humana na mão.
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Simão Virgínio tinha acabado de chegar de viagem e partiu imediatamente para a empresa. O dono da S.V. Comunicações sentia uma necessidade imensa de trabalhar mesmo tendo tantos subordinados.
O italiano seguira seu caminho de sangue e, como tantas gerações da família Garuzzo – isso mesmo, com o e não i no final –, saiu de sua pátria para morar no Brasil. Seus bisavôs pater-paternos tinham crescido no Brasil e voltaram mais tarde para a Itália, levando as lendas e tradições do grande país para o outro lado do oceano.
Simão Virgínio Garuzzo (nascido Simone Virginio Garuzzo) tinha 24 anos quando partira da Itália e construíra sua amada empresa com a então esposa, Gina, e o amigo Lúcio, falecido marido de Maytê. Nessa época, Gina, seu primeiro amor, esperava o primeiro filho do casal, que viria a se tornar um brilhante historiador e um exigente pai e marido. Apesar de Luís Cláudio, o tal primogênito, ajudá-lo sempre que pudesse com o negócio da família, Simão precisava deixar tudo em ordem e na mais perfeita harmonia.
Ultimamente estava tendo problemas com a demissão em massa dos funcionários de telemarketing. A maioria deles argumentava sentir-se depressivos e abandonava o emprego. Caso não conseguisse repor as vagas de trabalho em aberto, Simão Garuzzo era capaz de fazer os atendimentos pessoalmente. Só não podia deixar a empresa cair de conceito no mercado, nem o seu coração ser despedaçado pela dolorosa convivência com Maytê.
Sim, ele aceitara se casar com a serpente para apaziguar os ânimos de sua família magnetizadora de tragédias. Sim, ele se condenara automaticamente ao inferno em vida. "Ainda bem que estou autorizado a abrir a S.V. nesse feriado de Nossa Senhora", agradeceu, à Virgem, o solitário.
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Gareth e Leônidas estavam se arrumando para entregar presencialmente os documentos necessários para a transferência de faculdades. Sim, era estranho que aquele procedimento estivesse sendo feito em pleno feriado nacional, mas Gareth entendia a desconfiança da Coordenações dos cursos de Economia e Administração da UFBA em relação aos capixabas. Tanto Gareth quanto seu melhor amigo tinham um passado sombrio e estavam em Salvador para tentar viver longe das lembranças de suas maldições. Era uma aposta arriscada, mas valia a pena e desabrigados, pelo menos, não ficariam.
Os amigos tinham conseguido duas kitnets, uma para cada um. Gareth ficou feliz ao ver que sua kitnet tinha uma minicozinha e que seu banheiro vinha equipado de uma banheira. "Pelo menos eu posso chamar isso de lar", refletiu. O aluguel de cada apartamento era R$500,00 e, por mais que saísse caro para os dois – e eles estivessem sem grana – , ambos preferiram manter suas privacidades.
Um pouco antes de pegar um ônibus, os recém-chegados se despediram de Stella, que lhes havia preparado outra surpresa. A moça ofereceu a eles um jornal com vagas de emprego e panfletos e, em seguida, desejou boa sorte aos dois:
– Você mentiu quando disse que as kitnets seriam baratas – desabafou Leônidas.
– Para quem tem um emprego não é tão caro – justificou-se a moça.
– Somos pobres, desempregados e universitários! Tudo é caro para nós, principalmente a dignidade – lamentou-se Gareth. – Mesmo assim, obrigado pelos panfletos – agradeceu.
– Obrigada, e ah... hoje o céu astral de vocês está ótimo. Espero que voltem com boas notícias – concluiu Stella.
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Tudo corria bem com a matrícula dos garotos quando uma servidora chamou Gareth e Leônidas para uma conversa particular.
– O nosso céu astral está ótimo – resmungou Leônidas, sentindo que a bronca vinha.
Após as devidas considerações, os viajantes da madrugada passaram a fazer parte do corpo discente da Universidade Federal da Bahia. Foi difícil, mas conseguiram.
Eram por volta das 16h30 quando Gareth e Leônidas decidiram tentar informações sobre algum emprego, que permitisse que eles se matassem de estudar, trabalhar e chorar, para no fim saírem com um diploma e ganharem dinheiro honestamente. Era tudo o que mais Gareth queria na vida. No uni-duni-tê Leônidas escolheu uma empresa de telecomunicações.
– Vagas para telemarketing. Ótimo para o Gaetanio que conversa mais que o homem da cobra.
– Ótimo para o Leônidas que precisa pagar um apartamento de R$500,00 – observou Gareth. – Além disso, eles costumam abrir nos feriados...
E assim os capixabas começavam a maior aventura de suas vidas. Mirella, a recepcionista do local, recebeu a dupla de mau grado. Aparentemente eles atrapalharam a importantíssima conversa que ela estava tendo no celular. Não, não era nenhum cliente da empresa.
– Queremos saber do que precisamos para trabalhar aqui. – Iniciou Gareth.
– De sorte e de um bom psicológico. – Afirmou Mirella.
– Não, não é isso, a gente está perguntando sobre os documentos, qualidades notáveis e... – explicou Leônidas.
– Só precisam estar dispostos. E, claro, dos documentos de identificação – disse um senhor sexagenário de olhos verdes vívidos. – Começam segunda.
– O nosso céu astral está ótimo! – acreditou Leônidas.
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