Capítulo 01
CAPÍTULO 01
Eram 19h00 do dia 11 de outubro de 2012 quando a família Garuzzo estava reunida na catedral Nossa Senhora de Fátima, em Teixeira de Freitas, para a celebração da missa de Nossa Senhora Aparecida.
Maytê, ao lado do marido, jogou um sorriso repleto de sarcasmo para Ginevra, que estava sentada ao lado da filha caçula e da neta mais velha.
Uma beata, natural da pequena cidade baiana, preparava-se para uma das primeiras leituras da cerimônia católica. Era comum naquela cidade ensaiar a missa da Padroeira no dia anterior, contando com a presença de alguns de seus mais respeitáveis cidadãos ou ex-cidadãos. Ao ouvir o primeiro versículo do texto bíblico, Maria Marta, filha do meio de Simão e Ginevra, não conseguiu segurar as lágrimas: "Uma mulher vestida de Sol, tendo a Lua debaixo dos pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça..."
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Leônidas estava tendo ótimo sonhos quando escutou o som de várias pedras na janela. Talvez as belas súcubos que lhe apareciam finalmente tivessem se tornado reais e estivessem invadindo seu quarto. Ou pior: a soneca da tarde ultrapassou as barreiras da noite e Gareth estava convocando o amigo para a nova aventura.
Deixa eu explicar melhor todo o alvoroço de Gareth: Leônidas e o amigo haviam concordado em mudar suas respectivas faculdades da UFES, no Espírito Santo, para a UFBA, em Salvador.
- Ninguém pode me acordar. Meu sono é sagrado! Sagraaaaaaaado! Mas, é... mas ele é o Gareth - reclamou Leônidas.
- Leo, é amanhã, cara, e você ainda tem a audácia de dormir? - respondeu Gareth, em contrapartida.
Leônidas, em seguida, desceu as escadas da pensão onde morava, pegou as malas e foi ao encontro do amigo. Malditas coisas importantes que atrapalhavam seus belos sonhos!
- Você sabe que sono é sagrado, não sabe? - reforçou. - E a gente poderia ter deixado o dia amanhecer.
- À noite é o melhor horário para atravessar fronteiras clandestinamente e não ser pego pela polícia. Você quer que aquilo lá aconteça? - alertou Gareth, em tom misterioso.
- O quê?
- Ser pego pela polícia?
- Chega, Gaetanio. Se tivéssemos conseguido algum dinheiro, poderíamos ir para Salvador como duas pessoas civilizadas - respondeu Leônidas, definitivamente irritado com o melhor amigo. Polícia era uma palavra proibida para ambos.
- Estou duro. Precisamos arranjar um emprego - concluiu Gareth, na mais óbvia das afirmações, tentando justificar as pedradas na janela do melhor amigo.
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Após o término da missa, a família Garuzzo se reuniu novamente. Era uma família bastante peculiar, não só por ser ítalo-brasileira, mas por fingir felicidade e união onde não tinha um pingo.
- Pai, que bom te ver! - exclamou a moça loira com belos olhos azuis-esverdeados, como os de seu pai, Simão Virgínio Garuzzo. - Como o senhor está?
- Estou bem, querida - respondeu o pai da moça. - Como vai o trabalho no consultório?
- Como sempre: divertido. Conhecer e desvendar a mente humana é sempre divertido.
Helionora passara praticamente toda a sua adolescência longe do pai e dos dois irmãos mais velhos. Era preferível ter a companhia gentil de sua mãe, Ginevra, do que a da esnobe Maytê, mesmo que isso implicasse uma dolorosa separação de seu pai, Simão Garuzzo.
Enquanto isso, o homem de terno violeta não pretendia se manter no mesmo ambiente da família.
- Simonetta, precisamos ir para casa - gritou, como se proibisse inconscientemente a filha do convívio familiar.
- Estou indo, pai - bufou a adolescente, saindo de perto da tia e dos avós.
Luís Cláudio, irmão mais velho de Helionora, odiava fingir perfeição familiar todos os anos na missa de Nossa Senhora Aparecida. A sua família mesmo, formada por ele, a mulher e as duas filhas, também parecia destinada ao declínio.
Em paralelo, Maytê, a atual e nojenta esposa de Simão, decidiu provocar sua ex-mulher, Ginevra. Para a desamada ter um casamento de fachada já configurava como um troféu.
- Como vai, Gina? - perguntou Maytê, com segundas intenções.
- Seguindo minha vida, Simone. Sigo solitária, estudiosa e sem fazer mal a ninguém, ao contrário de algumas pessoas... - jogou a italiana.
- Como vejo, nenhum homem quis se assustar com sua feiura durante a madrugada.
- Eu nunca desejei me casar novamente. E não foi por falta de pretendentes, lógico. Não sou nenhuma bruxa, Maytê. Se bem que as bruxas dormem ao lado do Simão atualmente e, graças a Deus, nem tentam me assustar lá em casa.
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Simonetta sabia que acabara de perder uma madrugada agradável, onde veria os fogos da Padroeira à meia-noite em Teixeira de Freitas, para passar a madrugada no carro contemplando o silêncio ensurdecedor de seus pais.
- Simona, teremos que pegar a estrada por horas. Você não pretendia ficar mais tempo com sua avó, pretendia?
- O pobretão aqui não tem dinheiro para pagar um hotel? - ironizou a menina.
- Simonetta, esse não é jeito de responder seu pai. Respeite os mais velhos, por favor - corrigiu a mãe de Simonetta.
- Simonetta, se você quiser, eu pago um hotel para vocês - ofereceu o belo, mas muito mal-intencionado rapaz, que estava logo atrás de Simonetta e de seus pais.
Simonetta não mandava Mikhael para o inferno porque não sabia se o diabo merecia tamanho castigo.
- Mikhael, o melhor que você faz é cair fora daqui.
- Filha, ele é filho da Maytê e é melhor você... - pediu o pai da adolescente, tentando conservar as relações familiares restantes.
- O melhor é o senhor não puxar o saco do filhote mais novo e da mulher que dividiu a nossa família - disse a garota. Em seguida, Simonetta correu para o carro de seus pais de mãos dadas com a irmã mais nova, que tinha cerca de dez anos.
- Simoninha e sua personalidade forte. Mas como diz o ditado: "água mole em pedra dura tanto bate até que fura" - citou Mikhael, com meio-sorriso no rosto. O caçula de Maytê almejava ser o sucessor de Simão Garuzzo na S.V. Comunicações e não ia desistir tão fácil disso.
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O sol estava praticamente no meio do céu quando Gareth e Leônidas chegaram a Salvador. Ninguém, nem mesmo dois pecadores arrependidos como aqueles, mereciam locomover-se na velocidade de um jato em um ônibus em pleno estado de deterioração.
Os jovens rapazes, que estavam próximos a uma mata e abandonados à própria sorte, decidiram andar alguns quilômetros a pé. De repente, um redemoinho levantou as folhas das árvores, deixando os dois amigos incapazes de ver qualquer coisa à frente.
Alguns segundos após esse acontecimento, uma mulher de capa preta olhou fixamente para os olhos azuis-esverdeados de Gareth e sussurrou-lhe as seguintes palavras:
- Cuidado com as semelhanças. - E desapareceu em um piscar de olhos.
- Quem é essa mulher, Gareth? Você a conhece?
Perplexo, o rapaz respondeu:
- Ela é uma bruxa... como a minha mãe.
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