Capítulo 4
– E isso é o que está por trás da tão concorrida Solidum Numus! Um monte de salas de aula vazias, sem alunos matriculados e uma evasão escolar absurda pelo número de bombas, já que o colégio tem critérios quase desumanos para passar de ano, contando com as provas exaustivas todo mês. Fiquem ligados, que em breve volto com mais notícias do nosso protesto hoje! Compartilhem muito para tudo isso não passar em branco! Beijinhos!
Vemos Carol Melo dar toda a sua força de influencer mostrando as salas vazias que seriam para o terceiro ano do ensino médio mas que não foram preenchidas esse ano, e agora só temos duas turmas de alunos. Ano passado muitos colegas tomaram bomba e preferiram pedir transferência para outras escolas.
– Carol, você foi um arraso agora, de verdade! – Comento.
– Obrigada, meninos. A Olivia ficou tão mal, eu precisava fazer algo. Por um momento, a mãe dela considerou o alisamento no cabelo dela. Tem noção disso?
– Tenho. Meu pai falou para eu raspar meu black e seguir as regras. - Tobias fala. - É óbvio que eu fiquei super mal, mas ele como militar acredita que a instituição tá certa, mesmo sendo negro. É inacreditável.
– É só uma forma de conter as minorias, o militarismo é incrível para controlar a população negra, pois colocam nosso próprio povo contra eles mesmos, dando um tiquinho de poder e um senso deturpado de justiça. – Olivia chega de repente, me assustando. – Desculpa o susto, pessoal. Precisava falar. Vim chamar vocês, o pessoal está se reunindo na quadra.
Seguimos Olivia, enquanto Denis conversa com Caramelo.
– Você não tem medo de ser expulsa da escola ou algo do tipo? Fez os stories vestida a farda.
Ainda tinha esse bônus, éramos obrigados a usar esse uniforme horrendo que imitava uma farda militar porém com as logos do Colégio Solidum Numus.
– É claro que não, você vai me ajudar com seu papito, Denis.
Denis arregala os olhos.
– Eu não sei nem se vou ter casa depois disso. Briguei tanto com ele ontem. Falou que eram regras de cima, que não tinha o que fazer. Chamei ele de covarde e porco racista.
– Meu Deus – Comento.
– Pois é, ele está estressadíssimo, mas parece que vai acontecer um pronunciamento após o protesto.
– Até isso é burocrático, pelo amor de Deus. Eu estou falando sério, vou botar fogo aqui hoje – Eu comento.
– Concordo com o Arthur, por mim, a gente dava um fim na Solidum Numus hoje – Tobias se junta a mim.
– Calma, gente. Tenho certeza que a Caramelo conseguiu um belo engajamento com os posts – Ítalo abraça a nossa colega de lado, e ela fica vermelha.
– Bom, eu só tenho vinte mil seguidores, o que por incrível que pareça, é bem pouco em questão de engajamento no Instagram, e tem muita gente de outros estados que nem conhecem Solidum Numus, mas eu espero ter dado um agito, ao menos.
– É, tenho certeza que deu – Denis e Ítalo sorriem para ela, mas estamos todos cabisbaixos ao chegar na quadra.
Havia uma concentração na quadra, todas as garotas fizeram tranças em apoio, havia cartazes escrito "Solidum Numus RACISTA" "Militarismo acima de tudo! Racismo acima de todos" e muitas outras coisas. Vi nosso professor de história tirando fotos, e gravando vídeos, orgulhoso, e as moças da biblioteca até montaram um palquinho com microfone. É meio louco pensar o quanto essas pessoas da educação trabalham num colégio com condutas que elas desprezam, mas pensando bem, é só mais um emprego para elas, e elas precisam do trabalho para se manterem. Não é como se outras escolas pagassem tão bem quanto o Solidum Numus, então de certa forma, eu via meus professores naquela situação de merda, e sentia pena deles. A gente poderia berrar e protestar e no máximo ser expulso. Eles poderiam perder os empregos, mas estavam ali protestando, porque com sorte, a lei estaria do nosso lado. Afinal, racismo é crime.
– Bom, acho melhor começarmos um bom movimento para a live. Liv? Arthur? – Carol Melo pergunta.
Eu e Olivia nos entreolhamos.
– Por que a gente?
– Vocês estavam se matando para ser representante de turma essa primeira semana.
Lembro vagamente de ter tido um breve debate com Olivia entre as aulas nos primeiros dias, mas nada estava definido ainda.
– E eu vou ganhar. – Olivia comenta.
– Até parece.
– Então façam alguma coisa, porque eu não votaria em nenhum de vocês - Carol Melo dá a palavra final.
Nesse momento, Liv correu para pegar o microfone, então eu fiquei com os alunos e os cartazes.
– Bora puxar um grito de guerra, pessoal? É para a live da Carol Melo.
– Que tal, alunos unidos, jamais serão vencidos? – Ítalo sugere.
– Tenho uma melhor. – Oliver fala. – Colégio falso moralista! Fogo nos racistas!
– Boa, bora puxar.
E pela primeira vez, eu e Oliver concordamos em algo. Apenas uma guerra para botar essa escola no lugar.
Todos começaram a entoar o canto, e a Carol iniciou a live. Após alguns minutos, Olivia começou a falar.
– Olá, colegas. Estou aqui hoje, falando com vocês, sobre algo que eu não queria falar, porque não deveria acontecer. Mas aconteceu. Tive que ouvir do meu próprio diretor e o militar dirigente que meu cabelo não era adequado para o colégio. Eu, e diversos outros colegas negros tivemos que ouvir isso. O meu cabelo não é adequado? Ou eu que não sou adequada para os padrões brancos dessa escola? Os padrões de cabelos lisos alinhados, sem tranças afro, sem black. Vocês querem que eu, garota preta, me torne mais e mais branca, e ainda meter uma desculpa de que é por pura militarismo? Melhor ainda, só mostram o quanto esse colégio militar é racista, fascista! Solidum Numus, falso moralista! Aqui é fogo nos racistas!
Os estudantes foram à loucura, e os microfones começaram a passar de mão em mão, todos com desabafos dos alunos, e como eles se sentiram. Enquanto isso, o pai de Denis, diretor do colégio estava presente, acompanhado de mais um militar, e conversava com alguns pais fervorosos que compareceram ao protesto.
Então ele finalmente pede licença para fazer o pronunciamento.
– Nós, do Colégio Militar Solidum Numus, nos arrependemos profundamente das atitudes tomadas indicadas pela diretoria do Gabinete Militar, o racismo é um crime na lei, e na vida, e isso não se repetirá nas nossas unidades. Pedimos sinceras desculpas, e tomaremos as medidas necessárias para que as ordens de vestimenta e aparência do colégio sejam iguais para todos. Novamente, reforçamos que não compactuamos com práticas racistas e repudiamos todo e qualquer ato que remeta a isso. Nossas orientações passadas sobre os cabelos dos alunos, estão oficialmente retiradas. Novamente, nós, da diretoria, e do Gabinete Militar, pedimos sinceras desculpas. Tenham um bom dia. Todos os alunos, docentes e profissionais da limpeza estão dispensados dos afazeres de hoje. Tiremos esse dia para refletirmos sobre nossas atitudes.
Todos batem palma, até alguns alunos que falavam no protesto. Fico embasbacado.
– Vocês também se sentiram meio comprados? – Ítalo questiona.
– Meio? – Olivia comenta. – Foi um pronunciamento porco.
– Assim como ele – Denis fala. – Esse é meu pai, tudo pelas aparências e pelo emprego, pessoal. Posso dormir na sua casa, Arthur? Não quero nem ficar perto do dele.
– Claro, pode sim, cara.
– Eu não acredito. – Tobias fala. – É só isso? Acabou?
– O que mais a gente pode fazer? – Oliver comenta – Pelo menos meus dreads estão salvos – O garoto se afasta para ir conversar com os outros amigos, feliz com o liberamento mais cedo. Olivia olha para ele, mas também sem saber como reagir.
– Eu queria é poder botar fogo nessa escola. – A garota finalmente desabafa, e saí junto com Carol.
– Até que não é má ideia – Tobias comenta.
– Bem que eu queria – Falo.
– Até que não é uma má ideia – Denis concorda, encarando fixamente Tobias.
– Não é mesmo. Inclusive, é bem possível, com todos fora hoje – Ítalo finalmente fala.
– Espera, vocês estão considerando mesmo isso?
– Para alguém tão revolucionário, você está bem arredio, Arthur – Disse Tobias – Estou falando sério. A gente pode fazer isso. Criar um motim, vir disfarçados a noite. Não é como se as câmeras funcionassem. Não é como se tivessem muitos guardas. É um colégio, não um batalhão.
– Podemos ser expulsos.
– Mas não é isso que você sempre quis, Arthur? – Denis indaga.
Não, eu não queria ser expulso.
Queria mudar o sistema de dentro para fora, como um cavalo de Troia do bem, queria poder fazer a diferença. Libertar todos que estavam presos naquele colégio como eu. Adolescentes que, queriam uma educação de qualidade, porém sem o ônus de perderem suas identidades sendo formadas ao ponto de virarem mini soldados alienados que não podem questionar uma hierarquia se quer.
– Não exatamente. Eu quero mudar, não destruir.
– Agora você está soando como um pacifista – Tobias fala.
– Coisa que você nunca foi – E Denis complementa.
Olho para os pais de alguns alunos conversando com o diretor, os militares, os coordenadores. Há apertos de mão, acenos de cabeça, como se tudo estivesse acabado, como se aquela merda tivesse passado.
– Ok. Vamos planejar.
- Alguém sabe quantos guardas ficam aqui a noite? - Ítalo pergunta.
– Posso conferir invadindo o computador do meu pai - Denis responde - Mas tenho quase certeza que eles deixam apenas um guarda aqui durante a noite, só os novatos, menos experientes. Já ouvi ele comentando por alto que por ser um colégio militar, é muito pouco atrativo para qualquer criminoso. Afinal, nas palavras dele, quem mexeria com educação e segurança juntos?
– Literalmente qualquer político – Tobias fala, em tom de desdém – Ok, será de noite então, nos confirme essa informação depois, Denis – Meu amigo tira o notebook da mochila e abre em uma das mesas do pátio, à vista de todos. Porém estavam tão ocupados nos seus próprios mundinhos que nem se importariam com o que estávamos falando – Vamos vir todos de preto, com os rostos cobertos. Tenho toucas de ski perfeitas para isso lá em casa desde a última viagem da família pro Chile.
– Cara, às vezes esqueço que você é rico.
Tobias deu de ombros e continuou.
– Ok, todos aqui tem roupas pretas e tenho certeza que Denis teria o suficiente para emprestar para o dobro de nós – Meu amigo concorda – Temos apenas que comprar tinta em spray, e podemos pegar umas ferramentas que temos em casa se quisermos quebrar algo, além de álcool, fósforo, gasolina, talvez.
– Espera, não há câmeras de segurança? – Pergunto.
– Apenas na portaria – Denis comenta. – Se houver em mais algum lugar, eu não estou sabendo, ou não reparei, mas também posso descobrir. De qualquer forma, não vai ser necessário passar pela portaria ou o guarda.
– Que sorte as salas de aula serem longe da portaria. Temos um campus enorme só nosso – Ítalo comenta. – Queria tanto poder apenas deitar aqui nesse gramado e fumar um...
– Foco, Ítalo. Então, tudo certo? Vamos comprar os materiais em lugares diferentes, e nos encontramos à meia-noite aqui.
– Hoje mesmo? Denis, é possível?
Meu amigo reflete por um momento.
– Sim, é possível. Vou voltar para a casa então, para pegar as informações no computador do meu pai, e tentar roubar algumas chaves. Se algo der errado, eu assumo a culpa.
Minha vontade era de hesitar, porém lembro da dor nos olhos de Olivia, a incompreensão de Tobias e a ira de Oliver, e tudo isso passa. Eu, nem de longe, sou tão cauteloso assim. Quem é prudente no meu quarteto é o próprio Tobias, e se isso era importante para ele, se ele estava disposto a se arriscar tanto assim, então eu estava dentro.
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