Capítulo 1
Algumas horas antes da aula de Química
– Não é loucura, é?
– Você diz invadir o colégio a noite, pichar paredes em forma de protesto e colocar fogo em algumas salas? Não, totalmente razoável.
– Eu estou falando sério, Tobias.
– Eu também – Meu amigo me encara como se fosse me matar. – Para com esse papo de branco, Arthur! Se a gente for pego, a gente nem vai ser expulso, e sim, vamos ser presos. Em breve, os nossos 18 anos chegam e quero gastar meu réu primário com outra coisa.
– É por uma boa causa! Tiraram nossas aulas de artes, em breve estarão censurando o professor de história quando for falar da ditadura militar.
– Eu sei, Arthur. Você está chateado. Eu também estou. Mas calma, relaxa. O que pode acontecer de pior no Colégio Solidum Numus? Aqui é uma escola militar, é para coisas horríveis acontecerem.
Andamos entre os corredores abarrotados de estudantes fardados correndo para o pátio a tempo de fazer o comando. Um momento inicial antes da aula às 7 horas. Todos são obrigados a estar no pátio às 6h50 para cantar o hino, fazer uma formação em fila entre as salas e fazer comando a um sargento. Ouvi dizer que inspira o patriotismo, nesse exato momento só sinto desgosto com a ideia de venerar um local que despreza as artes.
– Mas eles não podem fazer isso, podem?
– Aparentemente, podem. – Denis chega nos assustando como um gato, com seus cabelos negros e olhos verdes marcantes. – Conversei com meu pai ontem, ele me contou que estão suprindo com outras atividades extracurriculares. Como o desfile de 7 de setembro e a festa junina, que tecnicamente tem dança e ensaios durante a Educação Física.
– Tenha santa paciência -- Bufo, e logo em seguida sou jogado no chão num impulso com algo batendo nas minhas costas.
– Cuidado aí, viado! - Vejo João Felipe, um dos amigos de Oliver, o garoto mais implicante e gracista do mundo, pegar a bola que tacaram em mim do chão.
– Vai se foder, João! - Grito para aquele sem noção.
– Deixa o Arthur em paz, ele já está estressado o suficiente. – Oliver puxa o amigo, mas vejo seu sorriso de deboche.
– Tá tudo bem, aí? – Olivia, irmã de Oliver, e segunda pessoa mais implicante do mundo, especialmente comigo, pergunta ao passar por mim.
– Tudo certo, Liv. - Denis responde por mim, com uma cortesia que eu não teria e seguimos para o pátio.
– Não é nem o segundo dia de aula, Arthur.
– Tá dizendo que aquilo foi minha culpa, Tobias?
– Não! Só relaxa. Não quero me meter em problemas. Quero estudar esse ano, me focar no Enem, não vamos arrumar briga com ninguém, nem com a escola.
– O que deu em você, Tobias? A gente nunca arrumou briga. – Denis argumenta.
– Inclusive, para mim, tá na hora de começar algumas. - Digo.
Corro em direção, com vontade de alcançar João e Oliver, porém alguém agarra a gola da minha camisa recém passada do uniforme.
– Arthur, fica de boa. – Ítalo me solta, finalmente aparecendo e se juntando a nós, formando nosso quarteto fantástico de amigos. – Primeiro que você não dá conta nem de correr um quarteirão, se preserva, cara.
Respiro fundo e sigo meus amigos, ainda querendo surtar com todo mundo.
– Sei que você ficou chateado, mas vamos dar um jeito, beleza? – Denis me conforta e aceito o consolo do meu melhor amigo.
***
– A gente devia formar uma banda. – Comento durante os primeiros segundos da aula de português, logo após fazer o comando para o professor.
Aquilo era um saco, ter que se levantar toda vez que um deles entravam, ficar em posição de atenção com os braços rente ao corpo e as pernas juntas, depois descansar com os braços cruzados atrás e as pernas separadas, e por fim, se sentar.
E eram 7 aulas, ou seja 7 vezes que fazíamos essa palhaçada, uma espécie de continência esquisita. Diziam que era para demonstrar respeito, a justificativa era que estávamos em um colégio militar, mas duvido muito que isso inspire os outros estudantes para com a relação dos professores, muito menos eu; sou muito mais a favor da compaixão, cooperação e troca de saberes com os docentes do que esse respeito imposto e que temos de aceitar de maneira imponente. Tanto os alunos, quanto os professores não curtiam muito aquela algazarra toda.
– Ele não vai largar de mão mesmo, né? – Ítalo comenta a parte com Tobias minha ideia sobre a banda.
– Por quê formar uma banda? – Denis é o único que me dá o voto de confiança.
– Deve se encaixar em alguma atividade extracurricular desse inferno para suprir as aulas de artes.
Denis olha na minha alma com seus olhos verdes.
– Meu pai nunca deixaria.
– Eu formar a minha banda, ou você fazer parte da nossa banda?
– Usar a escola como um meio para isso.
– Então está decidido.
– O quê?
– Vamos invadir essa semana.
– Arthur. – Tobias dá seu aviso final, porém percebo Denis, o filho do diretor, calado.
Quem cala, consente.
– Meninos, por favor. – Alison, o professor de português careca e super barbudo da escola, também o único gay provavelmente, pede gentilmente que fiquemos em silêncio.
– Foi mal, teacher. – Ítalo responde por nós, usando a palavra em inglês, já que Alison também nos dava essa matéria.
Prestamos atenção até o final da aula. Eu ainda estava muitíssimo incomodado com a ideia de não fazer nada, o que foi bem inquietante para eu me concentrar.
Estávamos de saída para os corredores, indo em direção ao laboratório para nossa aula de Química, quando Alison pediu para dar uma palavrinha comigo e os meninos.
– Ouvi vocês quatro conversando.
– Não vamos fazer nada. Estávamos só brincando – Denis amenizou. Eu fuzilo meu amigo. Eu não estava brincando porra nenhuma.
– Não! Eu acho que vocês deveriam fazer algo.
– Sério mesmo? – Não havia espelho por ali, mas eu podia sentir meus olhos brilhando com a possibilidade de ter um aliado.
– Sim. É um absurdo o que fizeram com a grade nesse novo ano escolar. Tirar as aulas de Artes? Como se simplesmente não se importassem mais? Esse militarismo acaba comigo.
– Nem fala. E o pior de tudo, só avisaram isso ontem! Não é nem como se tivéssemos a possibilidade de trocar de escola, podiam ter avisado nas férias que aí eu teria uma desculpa para sair desse lugar.
– Os professores ficaram sabendo de último momento também. Somos tão maltratados quanto vocês, acreditem em mim. Foi muito triste ver a Sandra ser despedida daquele jeito.
Sandra, nossa única professora de Artes, foi demitida.
– Cruel. – Tobias finalmente falou algo. – Ela está bem?
– Sim, mas ainda sem novas oportunidades. – Alison suspirou. – Acho que vocês deviam montar a banda de vocês, dar uma agito nessa escola. Se precisarem de ajuda, para assinar como o professor da atividade extracurricular, contem comigo. – Ele piscou e saiu da sala.
Olho para os meus amigos com o maior sorriso do mundo.
– Arthur... – Denis começa mas eu o corto.
– Vamos formar uma banda!
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