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III. Despedida

     Elizabeth percorreu o caminho de volta à sala com aquela mesma sensação que a invadiu quando estava a caminho da mansão. O mero pensamento de deixar o pai novamente fazia o seu peito apertar e lágrimas quererem rolar pela sua face. Elizabeth sentia-se como uma criança que permanece tranquila enquanto sabe que os pais estão no ambiente e pode correr para seus braços a qualquer momento; mas que sofre quando é deixada nem que seja por alguns minutos. Por outro lado tinha plena consciência de que não se tratava mais de uma criança, já era uma mulher de 19 anos e mais cedo ou mais tarde iria ter que deixá-lo, iria ter que criar raízes próprias e em como todas as coisas que são inevitáveis, resistir apenas exponenciava o sofrimento.

     Foram com estes pensamentos que Elizabeth chegou à sala de estar acompanhada de Adam e das suas recentes e novas amigas, Alice e Daisy. Patrick e Thomas permaneciam sentados, conversando, mas encerraram o assunto assim que os jovens entraram no aposento.

     – Ah, aí está ela – disse Thomas, levantando-se da poltrona. Elizabeth sorriu enquanto o velho caminhava em sua direção. – Garotos, vamos deixar a srta. Furler e seu pai a sós.

     Thomas fez um meneio de cabeça e logo em seguida retirou-se acompanhada dos outros três. Quando se viram a sós, Patrick levantou-se do sofá e aproximou-se da filha que novamente tinha lágrimas em seus olhos, mas desta vez ela não fazia questão de escondê-las.

     – Então, finalmente chegou o dia em que a flor deixará a árvore...¹ – falou o homem com seu típico sorriso de canto de boca.

     – Eu não queria que você fosse. – Elizabeth confessou. Sua voz era um misto de choro reprimido e riso por ter entendido a referência literária usada pelo pai.

     – Talvez se eu fosse um feiticeiro, eu poderia ficar. – Patrick olhou ao redor e voltou a fixar seu olhar no da ruiva. – Mas não sou e tenho que ir. Mas tudo bem, temos que admitir que já tava na hora de você viver suas próprias aventuras; você vai finalmente fazer amigos.

     – Mas eu tenho amigos! – rebateu, franzindo as sobrancelhas.

     – Não, você não tem. Você só tem um amigo e ele é esquisito pra caramba, e olha que ele nem é um feiticeiro. – Patrick falou sério, mas não conseguiu segurar a risada no final.

     – Pai! O Nick não é esquisito – protestou, e viu Patrick a olhar com desdém. – Tudo bem, ele é esquisito, mas é meu amigo e eu vou sentir muita falta dele. – Elizabeth soltou uma risadinha.

     Com o cessar dos risos, restou o silêncio, um breve silêncio que gritava toda a dor da separação existente no coração daqueles dois.

     – Eu tô com medo, pai. – Voltou a falar Elizabeth, deixando as lágrimas que tanto lutou para segurar rolarem pelo seu rosto sem se importar se parecesse uma criança ou não. Aliás, quem poderia julgá-la por ter a coragem de externalizar o que se passava em seu coração?

     – Oh Meu Deus, Elizabeth... – Patrick sussurrou, abrindo os braços para receber a filha que correu para eles imediatamente.

     – Eu tô com medo desse assassino de feiticeiros... medo de não saber o que fazer... medo de não nos encontrarmos novamente – dizia Elizabeth entre soluços.

     – Eu também odeio isso – afirmou Patrick, acariciando os fios alaranjados da ruiva assim como fazia quando ela era menina. – Mas fica tranquila, você vai ficar bem aqui, apesar de tudo eu sei que vai ficar bem. Eu confio no Thomas, e tem o James também, eles vão cuidar de você. Eu também confio nos outros garotos, sei que eles serão ótimos amigos. Se acalma.

     Os dois se separaram e Elizabeth secou as lágrimas com as costas da mão enquanto balançava a cabeça positivamente, concordando com cada fala do pai.

     – Eu... eu vou ficar bem – disse para si mesma, depois soltou um longo suspiro, procurando fazer como o pai aconselhara.

     – Melhor? – perguntou quando viu que a ruiva não chorava mais.

     Elizabeth confirmou com a cabeça e um pequeno sorriso.

     – Que bom. – Patrick também sorriu, mas logo voltou à seriedade. – Escute, Liz – Ele tomou as mãos da filha entre as suas –, sinceramente eu nunca entendi como seres humanos... pessoas, pudessem nascer com esses poderes... magia, ou seja lá como chamam; mas olhando pra você agora e vendo os outros jovens, agora eu entendo, ou pelo menos comecei a formar uma ideia do porquê disso acontecer. Todos vocês são especiais. Você é especial, Liz, assim como era a sua mãe, e isso pode ser uma benção, quero dizer, é uma benção, pois você vai usá-los para ajudar outras pessoas. Eleanor ficaria tão orgulhosa!

     Ao fim da sua fala, Patrick sorriu novamente e seus olhos não deixaram de orvalhar. Não era apenas tristeza que sentia por deixar a filha naquela mansão, não mais, era também orgulho. Sua pequena Elizabeth estava voando!

     – Eu te amo, pai! – Foi tudo que Elizabeth conseguiu dizer antes de voltar a abraçá-lo.

     – Eu também te amo – respondeu quase em um sussurro. – Bom, agora eu tenho que ir, ainda tenho contas pra pagar – falou quando o abraço se desfez. Elizabeth soltou uma risadinha.

     Patrick caminhou para fora da mansão e Elizabeth o seguiu, passando as mãos pelos olhos para ter a certeza de que cada resquício de lágrima tivesse saído completamente. Ela ainda estava triste pela partida do pai, mas não tanto como minutos atrás; a conversa com o homem realmente amenizara sua dor. Elizabeth ainda sentia medo, mas quando criança aprendera com Patrick que coragem não é a ausência de medo, mas agir apesar de estar consciente dele; no fim de tudo, coragem é o medo em movimento.

     Fora da residência os dois voltaram a encontrar Thomas e James; eles conversavam mas fizeram silêncio quando Patrick e Elizabeth se aproximaram. Pela expressão dos dois, o tio e o sobrinho perceberam que a despedida não foi fácil.

     – Não se preocupe, meu amigo, nós cuidaremos dela – falou o Francis a fim de tranquilizá-los.

     – Eu sei que vão. – Ele olhou para os dois e sorriu. – Foi bom revê-los.

     – O prazer foi nosso. – Thomas respondeu, fazendo um sinal positivo com a cabeça. – Quem sabe depois de tudo acabado, possamos sair para tomar um whisky.

     – Ah, eu vou cobrar, hein! – exclamou o Furler apontando para o velho. Todos riram, exceto James que continuava apenas a sorrir.

     – Aqui tá a chave. – Finalmente falou ele estendendo o pequeno objeto na direção de Patrick que o pegou imediatamente.

     – Obrigado. Então, eu tô indo... – Patrick virou-se para a ruiva de braços cruzados atrás de si. – Você vai ficar bem, Liz – disse, com uma das mãos sobre o ombro da filha.

     Ele sorriu e ganhou um sorriso de volta, acompanhado de um "tchau" que saiu quase como um sussurro. Depois Patrick despediu-se de Thomas e James com um meneio de cabeça e então andou em direção ao carro; acenou para os três quando abriu a porta do veículo.

     Assim que entrou Patrick ligou o motor e deu meia-volta, não demorando para começar a correr a estrada de volta para casa. Ele olhou para o banco onde uma hora atrás Elizabeth estava sentada e sorriu num misto de felicidade e tristeza, depois voltou o olhar para a frente.

     – Cuide da nossa menina, Eleanor – pediu, soltando um longo suspiro.

¹ Referência à fala de Edmond Dantès em um diálogo com Haydée no livro O Conde de Monte Cristo (1845) de Alexandre Dumas.

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