I. Viagem
O velho carro corria devagar pela estrada de terra, permitindo a Elizabeth observar as árvores altas que passavam pelo seu campo de visão e eram deixadas para trás quase que no mesmo instante. Sentada no banco do carona e com o braço estendido sobre a janela, Elizabeth virou a cabeça na direção do pai mas não o encarou, ao invés disso levou o seu olhar, verde como os galhos daquelas árvores, para a paisagem que também passava lenta no outro lado. Ela bem que queria encontrar algo de diferente, mas foi quase frustração o que sentiu quando viu que o quadro que se pintava do outro lado não era tão distinto do que podia contemplar ao voltar o olhar para a sua janela, e foi exatamente isso que Elizabeth fez.
Patrick, apesar de manter sempre os olhos na estrada, percebia cada movimento da filha, e ao vê-la voltar o olhar para fora da sua janela depois de um suspiro cansado, perguntou:
- Entediada? - Por um segundo, Patrick desviou o olhar na direção de Elizabeth.
- Um pouco - respondeu, sem tirar os olhos das árvores. - Estamos viajando há quase uma hora...
- Só mais alguns minutinhos; logo você estará livre do seu velho e entendiante pai - brincou, esboçando um sorriso de canto de boca por debaixo do bigode chevron.
Elizabeth riu e estava pronta para dizer que não era verdade, ela não o achava entediante, porém ao virar-se e seu olhar cair sobre a face do homem, Elizabeth sentiu um aperto no peito e lágrimas invadir os seus olhos. Rapidamente, para não ser notada, ela retornou o olhar para as árvores que pareciam infinitas, assim como aquela estrada. Mas o pai, que apesar de manter os olhos na estrada não deixava nada lhe escapar, não permitiu que este outro movimento passasse despercebido.
- O que foi? - perguntou ele, dessa vez sem olhar para a filha.
- Não é nada. - Elizabeth afugentou aqueles resquícios de lágrimas com as costas da mão.
Após essa resposta o silêncio voltou a reinar dentro do veículo. Contudo, ao contrário do que afirmara para o pai, o aperto no peito e as lágrimas que brotaram nos seus olhos não vieram do nada. O corpo fala e todas as suas manifestações tem uma causa, seja ela exterior ou interior. No caso de Elizabeth foi a piada do pai, que apesar de ser apenas uma piada catalisou uma sucessão de pensamentos dentro da sua cabeça e agora ela não prestava mais atenção nas árvores que passavam, esquecera-se completamente delas, estava ocupada contemplando esses pensamentos, espantando até mesmo o tédio de poucos minutos atrás.
Elizabeth encontrava-se absorta no pensamento de que iria separar-se de Patrick, e isso realmente a entristecia, pois nunca ficaram longe um do outro por tanto tempo quanto iriam ficar agora. Para falar a verdade, Elizabeth não sabia quanto tempo teria que ficar, mas a incerteza não amenizava a dor que sentia por ter que deixá-lo. Com a morte da mãe, quando tinha apenas cinco anos de idade, o pai fizera de tudo por ela, dando toda a atenção, o amor e o apoio possível para que ela se sentisse amada, feliz e segura, mas Patrick tinha consciência de que não poderia substituir a figura materna; sabia que tinha um espaço na filha que todo o seu amor paterno não podia preencher. Por outro lado, a medida que Elizabeth ia crescendo e começara a reconhecer este sentimento do pai e todo o esforço que fazia por ela, Elizabeth o amava mais e não queria vê-lo infeliz.
Quando terminou o ensino médio e entrou na faculdade há dois anos, ela não quis morar no campus justamente para não deixar o pai sozinho, apesar de suas palavras contrárias, sempre lhe incentivando a ir morar na faculdade, dessa maneira faria amigos e aproveitaria melhor essa fase da sua vida; mas não importavam as razões que o homem elencava, a jovem-mulher mantinha-se irredutível em sua escolha. Apenas se permitiria voar quando o pai encontrasse uma outra pessoa que fosse capaz de fazer-lhe feliz como ele merecia, apesar de desconfiar que depois de todos aqueles anos Patrick ainda não tivesse superado a morte de Eleanor e não se achasse pronto para compartilhar seus dias com um outro alguém.
Entretanto, agora estavam ali, em uma das extensas florestas de Washington, D.C., e Patrick Furler dirigia em direção a uma mansão onde deixaria a filha. O que mais doía em Elizabeth, e ela não pensava naquilo ou pelo menos não queria tornar consciente o pensamento que já abrira uma brecha em seu ser, é que aquela viagem poderia ser a última viagem dos dois, a última vez que se viam. Como explicara o mensageiro dos Anciões quando apareceu em sua casa, Elizabeth fora convocada para fazer parte de um grupo especial de feiticeiros que tinha como objetivo capturar - disse capturar, mas a jovem-mulher e seu pai sabiam que o real significado daquela palavra era matar - o assassino de feiticeiros, como o próprio nome autoevidenciava, um alguém desconhecido que estava assassinando feiticeiros por todo o mundo. Não falou mais do que aquilo, mas o pouco que disse foi o bastante para deixar Patrick e Elizabeth temerosos; eles bem que desejavam recusar tal missão, mas como o próprio mensageiro afirmara: "ninguém desobedece uma ordem do Conselho dos Anciões."
Elizabeth fechou os olhos e soltou um longo suspiro, finalmente permitindo que todos aqueles pensamentos seguissem o seu curso, se desfizessem como um vapor. Voltando a prestar atenção ao que se passava ao seu redor, perguntou:
- Falta muito para chegarmos?
- Não, só mais alguns minutinhos - respondeu o homem, girando o volante em uma curva.
- Você disse a mesma coisa há uns dez minutos. Eu tô começando a achar que estamos perdidos! - exclamou, com uma pitada de humor.
Patrick riu.
- Perdidos? Não, não. - Ele voltou-se para a filha. - Eu já tive aqui antes... com a sua mãe, e apesar de não ser totalmente a mesma floresta, eu ainda lembro o caminho. - Ao terminar de falar, Patrick retornou o olhar para a frente.
- Você e a mamãe? - Elizabeth franziu as sobrancelhas e agora foi a sua vez de encarar o pai. - O que vieram fazer por estas bandas?
- Fomos até a mansão, também. Naquela época era uma espécie de base secreta desses anciões.
- Espera... - Elizabeth inclinou-se para a frente sem deixar de olhar para o pai. - O senhor e a mamãe já se encontraram com os anciões, tipo assim... ao vivo e a cores? Achei que eles não se revelassem a ninguém, principalmente para humanos.
- Talvez, nesse dia, eles tenham aberto uma exceção, quem sabe? - Patrick falou em tom de brincadeira, mas o que era para ser engraçado não teve o efeito desejado. Elizabeth ainda mantinha uma expressão de confusão.
- O que eles queriam com vocês? O que foram fazer nessa mansão? - Elizabeth questionou.
- Acredite, eu não faço a mínima ideia. Eles conversaram em particular com a Eleanor, eu não pude ouvir. Mas devia ser sobre coisas de magia ou algo assim. Eu achei eles bem sinistros, para falar a verdade.
Quando terminou de falar, Patrick olhou para a filha outra vez e viu que ela não o encarava mais, agora olhava para o outro lado, certamente pensando no que lhe dissera. Elizabeth realmente pensava naquilo, tentando encontrar os motivos para os anciões, que se recusavam a se mostrar para o mundo, com exceção a poucas pessoas, iria querer conversar com a sua mãe, uma bruxa comum. Contudo, à distância com que cresceu do mundo da magia, sem conhecimento do que acontecia naquele universo oculto aos olhos humanos e sem ninguém com quem pudesse falar sobre tais coisas e ser compreendida, limitavam as suposições de Elizabeth que já começava a esquecer da conversa e dava espaço para novos pensamentos que nada tinham haver com aquilo.
Ela foi trazida de volta à realidade quando o veículo finalmente parou.
- Chegamos. - Patrick avisou, exibindo o seu típico sorriso de canto de boca.
Elizabeth retirou o braço da janela e olhou ao redor, como se despertando de um sono e agora tentasse localizar, ou ao menos lembrar, onde estava. Ela parou seus olhos esverdeados sobre a imponente construção que estendia-se a sua frente, contemplou-a por alguns instantes, antes de perceber os dois homens que desciam uma pequena escada de pedra e agora andavam em sua direção. Naquele momento, toda a conversa que tivera com o pai sobre o encontro com os anciões estava fora da sua cabeça, senão escondera-se em algum lugar no fundo da sua mente. Elizabeth olhou para Patrick, que abria a porta para sair, e um segundo depois voltou-se para a grande casa. Ela soltou um leve suspiro. Eles definitivamente haviam chegado.
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