Prólogo
Há Alguns Anos Atrás
Hui Ying andava de um lado para o outro, nervosa. Desejava ter notícias do menino que havia encontrado. Não sabia ao certo como ele fora parar em Potissimum, apenas o encontrara deitado em sua porta após escutar sons de batidas. Imaginou que algum soldado o havia deixado ali, mas por algum motivo, foi embora antes que ela o visse.
Sempre sonhou em ter filhos, mas apesar das inúmeras tentativas, nunca conseguiu engravidar. Já havia feito vários tratamentos, sem sucesso. Seu marido, Hector, estava doente há alguns anos. Adolf havia lhe tirado o poder como presidente, alegando que ele era incapaz, e os proibiu de continuar gastando com tratamentos para gravidez. Ela conhecia bem o vice-presidente e entendia que tudo era um plano para que Hector não tivesse descendentes e ele pudesse assumir o poder. Mas ao ver aquele menino, encontrou uma luz no fim do túnel.
Quando o médico, um senhor de idade de sua confiança, saiu do quarto, ela correu até ele. Felizmente, tinham uma pequena ala hospitalar em casa.
— Como ele está? — perguntou, nervosa.
— Está em coma, senhora. — respondeu ele com tristeza. — Não posso dizer que acordará logo, mas espero que sim.
Hui Ying não esperava por isso, seu coração se apertou. Imediatamente, pediu licença ao médico e entrou no quarto.
Ao ver o menino ligado aos aparelhos, abriu um pequeno sorriso. Percebeu o quanto ele estava desnutrido e sujo, mas mesmo assim o considerava a criança mais linda que já vira.
Quando o encontrou, pensou que ele era um guerreiro, e agora tinha certeza. Ele havia chegado ali quase sem vida, mas ainda lutava para sobreviver.
Os dias se arrastavam. Hui Ying contou a seu marido sobre o garoto em segredo, para que Adolf não descobrisse. Com a ajuda de algumas pessoas de confiança, o adotaram e lhe deram um nome: Arion. Ela sabia que ele tinha família, mas de alguma forma sentia que ele não havia chegado ali por acaso. Tinha um propósito, algo grande que não poderia realizar em Inferius. Sentia que ele veio para mudar sua vida.
Hui Ying era filha do governante da China. Conheceu Hector em uma viagem que ele fez ao seu país e se apaixonaram à primeira vista. Casaram-se em dois meses. Como ele era o presidente, não podia morar na China, então se mudaram para o Brasil. No início, achou incrível como as pessoas eram tratadas, mas tudo mudou quando, um ano depois do casamento, Hector adoeceu e Adolf declarou a separação de Potissimum. Acreditava que era algo planejado por ele há muito tempo.
Todos os dias, passava horas contando histórias para o menino em coma. Desconhecia seu nome e passado, mas não imaginava um futuro sem ele. Em seu país, a educação era valorizada, o conhecimento era primordial. Sentia falta disso em Potissimum e, se pudesse, mudaria a vida daquele menino para melhor.
Dois meses se passaram e ele continuava em coma. Um médico a aconselhou a parar de ter esperanças, mas ela se recusava. Naquela manhã, lia um livro de contos de fadas.
— E o príncipe se casou com a jovem moça, que também se tornou uma princesa, e os dois viveram felizes para sempre. — finalizou.
Sorriu ao acariciar o rosto do menino, mas seu sorriso se desfez quando algo inesperado aconteceu.
Arion abriu os olhos. Sua cabeça doía, não sabia onde estava, sentia-se confuso. Sua visão estava embaçada.
— Preciso chamar o médico. — ouviu uma voz sussurrar.
Hui Ying não sabia se chorava de alívio ou abraçava a criança de tanta felicidade, mas a razão falou mais alto. Precisava chamar o médico.
— Ele acordou! — gritou, sorridente, no corredor.
Correu até a sala de repouso do médico e da enfermeira.
— Arion acordou! — exclamou ao abrir a porta.
O senhor, que tomava café, se engasgou de surpresa. Ajeitou os óculos e saiu correndo. Ao entrar no quarto e ver o menino, mal podia acreditar. Cuidava dele, mas não acreditava que ele melhoraria.
Hui Ying observava o médico examinar o menino e fazer perguntas, nervosa, torcendo para que ele estivesse bem.
— Senhora, precisamos conversar em particular. — disse ele, apontando para a porta.
O coração de Hui Ying disparou.
— Aconteceu algo, doutor? — perguntou, já do lado de fora.
— O menino perdeu a memória. Talvez seja temporário, mas ainda não tenho certeza. Faremos alguns exames o mais breve possível.
— Mas fora isso, ele está bem? — perguntou, desolada.
— Aparentemente sim. Vamos acompanhá-lo por mais alguns dias, depois terá alta.
Hui Ying voltou para o quarto, sem saber se ficava feliz ou triste. Queria o menino como filho, mas não queria que ele esquecesse de sua verdadeira família.
— Olá, querido. — disse, sorrindo para ele, que olhava ao redor com curiosidade.
— Quem é você? — perguntou ele.
Arion não entendia nada, não sabia onde estava, nem se lembrava de seu nome. Sua cabeça doía muito.
— Eu me chamo Hui Ying. — respondeu ela, sorrindo.
— Por que você sorri tanto? — perguntou ele, confuso.
— Porque estou muito feliz em ver você acordado, querido.
— Você é minha mãe? — perguntou ele, curioso.
Algumas cenas borradas surgiam em sua mente. Lembrava-se de chamar uma mulher de mãe, mas não conseguia se lembrar de sua aparência.
Hui Ying queria poder dizer que sim, queria ser sua mãe, mas seria mentira, uma injustiça.
— Não, querido. — respondeu ela com um sorriso triste. — Mas a partir de hoje, cuidarei de você como se fosse meu filho.
— Por quê? — perguntou ele, sem entender.
— Porque você é especial, um menino que, desde que vi pela primeira vez, tive certeza de que mudaria minha vida.—
Arion a encarou com seus grandes olhos verdes. Ela o achava tão puro, queria protegê-lo de toda a maldade do mundo.
— Quem eu sou?
Aquela pergunta a tocou profundamente. Como responder a algo que ela mesma não sabia?
— Posso lhe contar um segredo? — perguntou, sussurrando. Ele assentiu. — Você é um belo príncipe.
Os dias se passaram até Arion ter alta. Ele ainda não se lembrava de nada e, apesar da tecnologia, não podiam mudar isso.
Hector, mesmo debilitado, se dedicava ao menino desde que ele chegara. Ensinou-lhe a ler mapas, lutar, usar espadas, tudo o que sabia. Ensinou-o a ser seu sucessor e a querer o bem do povo. Criou um amor pela criança com facilidade, feliz por considerá-lo seu filho.
Hui Ying o ensinava a ler e escrever, dando-lhe a melhor educação e todo o amor possível.
Seis meses se passaram sem que Arion se lembrasse de nada, mas em uma manhã ensolarada, tudo mudou.
— Mãe! — gritou ele, atordoado.
Hui Ying caminhava com uma bandeja de café para o menino quando ouviu o grito.
— O que aconteceu, querido? — perguntou, entrando no quarto.
— Eu lembrei! — disse ele, olhando para o chão.
— Lembrou de quê? — perguntou ela, confusa.
— De tudo! — exclamou, finalmente a encarando.
A bandeja, os biscoitos e o copo de leite caíram no chão. As mãos de Hui Ying tremiam, seu coração parecia falhar. Ela se segurava para não chorar. Sempre temeu esse momento.
— Mãe! — gritou ele, correndo até ela.
— Desculpe, querido. — sussurrou Hui, recolhendo as coisas do chão, tentando se controlar.
— Mãe, eu não vou embora. — disse ele, tocando seu ombro.
Hui Ying o olhou surpresa. Esperava que ele quisesse voltar para sua família.
— Mas e sua família? Se quiser, posso levá-lo de volta. Não quero obrigá-lo a ficar aqui. — disse ela, receosa. Não queria que ele fosse embora, mas também não queria separá-lo de sua família.
— Meus pais viviam com dificuldades. — explicou o menino com tristeza. — Tenho sete irmãos, muitas bocas para alimentar. Aprendi muito com Hector, ele me ensinou que posso mudar a situação de Inferius quando crescer.
— Então você quer ser governante e melhorar a vida de todos? — perguntou ela, admirada com sua maturidade.
— Sim. Desejo lutar por uma realidade onde todos tenham os mesmos direitos e ninguém passe necessidades. — disse ele, sorrindo. — Quero transformar a vida das pessoas.
Hui Ying não conteve as lágrimas. Sentia muito orgulho dele.
— Venha cá. — disse ela, abrindo os braços.
Arion a abraçou. Gostava muito dela.
— Eu o amo, querido, e tenho muito orgulho do menino maravilhoso que você é. — disse ela, beijando sua testa. — Agora me conte sobre seu passado e sua família.
Hui Ying passou o dia ouvindo histórias sobre a vida do menino. Já tinha uma enorme consideração por sua família e pela menina que ele amava. Achava aquele sentimento puro algo lindo. Desejava levá-lo para visitar sua família, mas desde que seu marido perdera o poder, não podiam fazer muita coisa. Só lhe restava pedir favores aos soldados de confiança.
— Devo chamá-lo de Lírion? — perguntou ela.
Lírion pensou. De alguma forma, sentia que não podia ser o mesmo de antes, precisava recomeçar.
— Não. Eu me chamo Arion. — disse com convicção.
A cada dia, Arion admirava mais seus pais adotivos. Recebia notícias de sua família biológica e imaginava que seus pais estivessem tristes por acreditarem que ele havia morrido, mas sentia que era melhor assim.
Após um ano vendo seu marido feliz e dedicado a Arion, o mundo de Hui Ying desabou. Hector desapareceu. Sangue foi encontrado em seu quarto. Ela fez de tudo para encontrá-lo, implorou a ajuda de Adolf, mas ele não fez nada e a impediu de avisar a população. Hui Ying se sentia destruída, a única coisa que a mantinha de pé era Arion.
Durante dois meses, pediu a alguns guardas de confiança que investigassem, mas a investigação não levou a lugar nenhum. No final, Hector foi dado como morto.
Hui Ying não tinha mais nada em Potissimum. Precisava voltar para seu país.
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