Capítulo 31
Às vezes não importa o quanto sejamos altruístas, algumas pessoas nunca darão valor a isso.
— Não acredito. — Sharaene sussurrou enquanto encarava o cenário da próxima prova.
Uma espécie de piscina havia se aberto no chão, nem se surpreendia mais com o que eles podiam fazer com aquele campo. O que se encontrava no local onde deveria existir água chamou sua atenção.
— A prova será o seguinte: vocês deverão nadar, ou atravessar da melhor forma que conseguirem e depois voltarem. — Adolf explicou, o tédio era evidente em sua voz.
Todos soltaram exclamações de incredulidade, perguntas começaram a serem feitas uma em cima da outra.
— Quietos! — o vice presidente gritou irritado. — Caso o competidor não cumpra será automaticamente eliminado. Se não me engano o participante Arion não está presente, alguém deverá fazer a prova por ele, caso ninguém se habilite ele será morto.
A forma como ele falou que Arion seria morto fez um arrepio percorrer o corpo de Sharaene, ele falava de uma forma tão natural e fria como se matar fosse a coisa mais comum do mundo. Talvez para ele realmente fosse.
— Eu vou!
Ninguém se surpreendeu com a atitude dela, aliás todos já esperavam.
— Você ainda vai se enforcar com esses seus atos de altruísmo. — o vice presidente zombou. — Bem, como a minha competidora preferida se voluntariou, as regras irão mudar.
— Isso é injusto! — Sharaene gritou recebendo como resposta uma risada de Adolf.
— Caso você não tenha percebido, eu estou longe de ser alguém justo.— ele falou com escárnio. — As novas regras serão as seguintes: Sharaene será a primeira a atravessar, terá trinta minutos para ir e voltar duas vezes, somente quando ela terminar os outros poderão tentar e caso ela falhe isso custará a cabeça de muitos. Agora você terá três minutos para criar uma estratégia, que espero que acabe dando errado. Boa sorte!
Sharaene estava de punhos cerrados, estava cansada de ter a vida de todos sempre nas suas mãos, de ter a pressão de não poder falhar. Odiava o quanto ele se divertia, Adolf sabia que ela era a única capaz de se sacrificar pelos outros e o entreter, ele gostava de brincar com ela.
— Se você fizer alguma besteira nós mesmos lhe mataremos, garota! — Ritila gritou.
Sharaene se virou a encarando, várias pessoas concordavam com a mulher.
— Vocês acham que vão conseguir me intimidar? Se eu quiser não farei essa prova e levarei muitos de vocês comigo, então acho melhor se calarem.— ela ameaçou, não conseguia mais ser compassiva.
Ao terminar de falar virou as costas e foi em direção a beira da piscina, deixando para trás várias pessoas revoltadas discutindo.
Encarou aquele cenário, eles queriam mexer com seus psicológicos, disso ela tinha certeza. Sentia nojo, raiva e muitas outras coisas, era impossível enxergar aquilo como algo comum.
— Você sabe que não precisa fazer isso. — Kayron falou enquanto parava ao lado dela.
— Não é só porque você não gosta dele que deixarei ele morrer. — ela rebateu sem paciência, já havia percebido o olhar de nojo que ele sempre direcionava a Arion.
— Você está se fingindo de cega, um dia ainda irei lhe dizer que eu avisei. — ele falou com raiva e saiu andando.
Sharaene sabia que havia sido grossa, porém era o que realmente pensava.
— Eu acredito que você vai conseguir! — Winton exclamou enquanto segurava a mão dela.
— Obrigada.
— Seria bom você envolver sua cabeça com a camisa para nada entrar na sua boca ou ouvidos.— o mais novo aconselhou, sentia nervoso só de olhar para aquela piscina.
Ela não achou uma má ideia, seu estomago embrulhava só de imaginar aquela situação.
— Acabou o tempo. — uma voz eletrônica anunciou.
O momento havia chegado, tirou a blusa ficando somente com um sutiã retangular preto, rapidamente enrolou a camisa ao redor do rosto deixando somente seus olhos descobertos.
Encarou o cenário a sua frente antes de pular, precisava ser forte. Ao invés de ser preenchida por água, a piscina estava cheia de algum líquido com uma cor vermelha, desejava que não fosse sangue. Alguns corpos de pessoas que já haviam morrido nos jogos estavam boiando, alguns já nem era possível distinguir quem foram um dia. Baratas, moscas, tapurus e outros vários insetos nojentos estavam neles. Era uma cena para lá de horrível!
— Você vai conseguir! — foi última coisa que ouviu de Winton antes de pular.
Tentou bater seus braços e pernas na intenção de nadar, mas não conseguia, sabia a teoria mas nunca havia entrado em uma piscina antes. Sentiu seu corpo se afundar, tentou se mover para cima mas era difícil, a piscina era mais funda do que esperava. Se debatia freneticamente, sabia que precisava se acalmar mas aquilo parecia impossível. Seus pulmões já começavam a queimar, sabia que não conseguiria voltar a superfície e naquele momento não quis, não queria lutar por aquele povo que não acreditava nela, talvez se morresse agora a competição chegaria logo ao fim, não precisaria mais ter tanta pressão. Era um pensamento egoísta, mas naquele momento não conseguia pensar de outra forma.
Algumas pessoas não ligaram quando ela não voltou a superfície, na verdade nem acreditavam que ela fosse vencer, estavam todos cansados de dependerem dela. A cada prova perdiam mais suas esperanças.
Quando Sharaene tinha certeza que a morte chegaria sentiu braços ao redor de seu corpo. Pensou ser alucinação de sua cabeça, porém quando sentiu a blusa que cobria sua cabeça ser arrancada e o ar voltar a encher seus pulmões percebeu que estava salva.
Respirou com força, puxava a maior quantidade de oxigênio possível, alguém ainda segurava sua cintura, passou a mão para limpar seu rosto e olhou para quem a salvou.
Era um homem, provavelmente um ex morador de Potissimum pela idade e fisionomia.
— Por que você fez isso? Como fez isso? — ela perguntou com a voz falha.
— Fiz natação quando era criança, não foi difícil relembrar como nadar, não podia deixar você morrer. — respondeu com naturalidade, ela estranhou sua atitude.
Não teve tempo de falar nada quando viu vários insetos andarem pelos braços e costas do homem, quando tentou se afastar dele viu que estavam nela também. Bateu os braços tentando jogar para longe as baratas e outros bichos nojentos, porém a maioria não soltavam.
— Eles não saem fácil. — o homem falou.
Antes que ela respondesse a voz de Adolf ecoou no local.
— Eu deveria fuzilar todos vocês por se intrometerem na minha prova, porém não farei isso, a partir de agora Sharaene terá somente 22 minutos para terminar a prova e sem a ajuda de ninguém.
— Você não deveria ter me ajudado!— ela exclamou para o homem.
— Da próxima vez lhe deixarei morrer então. — ele resmungou, se sentiu ofendido com a atitude dela.
— Não terá próxima vez! — rebateu.
— A contagem recomeçará quando Zafrain se retirar da piscina. — Adolf falou com impaciência. — O próximo a se meter será eliminado.
Zafrain encarou Sharaene, ele era um homem de 32 anos de idade, pardo, alto e forte, algo que não era muito comum entre os demais homens. Seu cabelo castanho ia quase até a altura do ombro, seus traços eram fortes, apesar de seu olhar transmitir que ele sofreu muito na vida, era um homem bonito.
— Se eu fosse você se seguraria de corpo em corpo até chegar no final. — ele sussurrou no ouvido dela.
Quando ele a largou ela se segurou no defunto que estava mais perto. Sentia os insetos andarem por toda parte de seu corpo que estava fora do estranho líquido, moscas e baratas voadoras pousavam em seu cabelo, tinha vontade de gritar e tentar tirar tudo de cima de si mesma, porém era impossível.
— A contagem começa novamente a partir de agora, não seremos mais tolerantes. — uma voz eletrônica anunciou.
"Como eu pude desistir de lutar?" ela se perguntava novamente, havia sido tola, muitos dependiam dela, ainda sairia viva dali, encontraria sua mãe, não podia parar. Se sentia louca naquele momento, não entendia mais suas mudanças repentinas.
Ignorando ao máximo os insetos se jogou em direção ao próximo corpo, sentia nojo em tocar naquilo, mas precisava.
— Faltam 21 minutos.
Teria contagem de tempo e ela não sabia se aquilo seria bom ou a deixaria mais desesperada. Sentir os insetos andando em seu cabelo a causava calafrios, precisava terminar isso logo.
Quando alcançou a perna do próximo defunto a carne podre soltou, quase afundou com o susto, por sorte conseguiu se reequilibrar e se segurar no osso da perna. Sem conseguir evitar vomitou em cima dos insetos do corpo a qual estava se segurando. Agora entendia o porquê de terem dado tanto tempo, era impossível nadar ou atravessar se segurando em corpos rapidamente.
— 20 minutos.
Sua cabeça girava enxergava alguns pontinhos pretos a sua frente, sabia que não podia desmaiar, não agora.
Continuou seguindo seu caminho, já era quase impossível ver seus braços, insetos se amontoavam em seu corpo. Sua pele toda estava manchada de vermelho do líquido que descobriu que não era sangue, desejava entender o que era aquilo.
— 19 minutos.
A cada corpo que se segurava, a cada espaço que se locomovia a distância para o fim parecia ficar maior, ou talvez fosse algo de sua cabeça, já nem sabia mais.
— Faltam 18 minutos.
Precisava ir mais rápido, começou a se lançar de corpo em corpo com mais força, não podia demorar mais.
— 16 minutos.
Quando estava perto da borda da piscina somente existia um corpo, não tinha outras opções e precisava se jogar naquele para alcançar seu destino.
O problema não era a distância que era maior e sim que ela conhecia o dono do corpo. A carne estava podre como as outras, com tantos insetos quanto os demais defuntos, poderia assemelhar aquele aos demais, porém aquele tinha uma diferença; aquele não possuía cabeça.
Ela encarou aquilo com pesar, nem o corpo dele teve um fim digno, mas não era momento de se lamentar precisava terminar aquele prova logo, tinha vidas para salvar.
Com o coração doendo se jogou em direção ao corpo de Rodolpho, quase não o alcançou mas finalmente havia terminado a metade da primeira parte.
Segurando no defunto tocou na beira contrária da piscina e começou a voltar, agora estava mais fácil, se sentia confiante já havia passado por ali, conseguiria voltar e vencer.
Quando chegou no início novamente faltavam somente 9 minutos. Era impossível completar o trajeto da mesma forma em tão pouco tempo.
Se jogou para fora da piscina.
— Vejo que você desistiu. — Adolf falou rindo.
Mas ela ignorou e se jogou novamente na piscina se deixando afundar, no inicio escutou alguns gritos mas logo nada mais era audível. Deixou escapar todo o ar que tinha em seus pulmões, seus olhos se fecharam e por fim afundou completamente.
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