Capítulo 22
Não espere que nos momentos difíceis algo bom vai acontecer para lhe salvar, em alguns, tudo somente irá conspirar contra você.
A mordida na perna, os arranhões, tudo parecia doer naquele instante. O cansaço, sono, fome, começou a possui-la com intensidade.
A pessoa ao seu lado se distraiu e acabou tendo uma linha cortando metade de sua cabeça. Qualquer distração custava a vida naquele momento.
Todos estavam a sua frente, avistou Kayron e Desirée ambos desviavam com destreza, outros participantes a qual não conhecia tinham tamanha habilidade de passar pelas linhas.
Ainda estava no começo, seus movimentos eram lentos e demasiadamente calculados, não podia arriscar.
Quando estava próxima a metade, mais de dez pessoas já haviam completado o percurso, por sorte, mais pessoas do que esperava estavam a ponto de completar o trajeto sem nenhum arranhão.
Em algumas partes precisava levantar as pernas a em uma altura quase impossível, quase as perdeu várias vezes. Em uma das vezes que teve que se abaixar um tufo de seu cabelo foi cortado, por pouco não perdeu uma parte da cabeça.
Estava suando frio, o suor se misturava ao sangue seco que pintava seu rosto. A cada movimento, centímetro andado, ficava mais difícil, ou talvez o medo estivesse a fazendo não acreditar que conseguiria.
Parou quando a próxima linha estava um pouco abaixo da altura de sua cintura, atrás de si existia uma na altura de seu ombro e outra na do seu joelho. Precisava se abaixar totalmente reta. Sua coluna doía – aquilo seria arriscado. Olhou para frente e umas oitenta pessoas já haviam finalizado as provas, alguns ainda estavam perto e o restante estavam mortos.
Seu joelho estava fraquejando, se ele falhasse estaria fatiada. Com lentidão seu corpo magro começou a se abaixar, logo uma parte de seu cabelo cheio e encaracolado foi cortado pela linha que estava na altura de seu ombro. Seu corpo tremeu, tentou manter o equilíbrio e calma, porém foi em vão, em poucos segundos seu joelho falhou e com tudo foi ao chão.
Seus olhos se fecharam automaticamente, pensou ter morrido. "Mortos respiram?" se perguntou mentalmente. Estava com tanto receio de falhar que nem raciocinava direito. Quando abriu os olhos quase soltou um grito seu nariz estava a três centímetros do raio vermelho.
— Se abaixa e passa logo! — uma mulher gritou do outro lado.
Nem olhou para ver quem era, com cuidado entortou seu corpo para a direita e se arrastou para o outro lado.
As pessoas que já haviam chegado começaram a gritar tentando ajudar e dar forças aos demais participantes, para muitos aquele ato poderia ser de grande ajuda e incentivo, mas não para Sharaene. Ouvir tantas vozes ao mesmo tempo a irritava, não conseguia focar em esquivar das linhas, o que lhe restava era ficar mais tempo parada que tudo.
Quando os gritos pararam percebeu que só restavam ela e um senhor, umas cem pessoas haviam passado, então em suas contas provavelmente mais de 50 haviam morrido.
Ela precisava terminar logo, estava ali há quase meia hora. O final do trajeto já estava próximo, faltavam apenas seis linhas.
Quando já restavam três para atravessar a voz eletrônica começou a falar:
— Esse jogo já está tedioso. Desejo-lhe sorte pois agora vocês tem trinta segundos para atravessar antes que os raios dos laizers comecem a se mover.
A contagem começou, ela era lenta, pareciam diminuir um número a cada dez segundos, daria tempo caso ela fosse rápida, porém ela não se mexeu.
— Anda logo, Sharaene! — Desirée gritou.
— Vamos! Por favor! — dessa vez foi Kayron, o jovem arranhava seus próprios braços com as unhas para tentar diminuir o nervosismo que sentia, alguns arranhões já chegavam a sangrar.
Outros participantes gritavam tentando motivar os dois. O senhor ficou nervoso, sua coluna e perna doíam tanto, tentou se curvar para atravessar uma das linhas, porém o nervosismo o atrapalhou. O homem caiu e um laser o cortou ao meio.
Sharaene viu aquilo e se desesperou. Ela não se mexia, não conseguia. Era sempre isso, quando era obrigada a fazer algo sob pressão, com pouco tempo, ainda mais se custasse algo importante, sua vida no caso, travava – seu corpo não obedecia seus comandos.
Arion já havia percebido isso, quando a contagem deu 25 segundos saiu empurrando as pessoas que a esperavam e entrou no trajeto novamente.
A primeira linha era no alto então se abaixar seria fácil; a segunda próxima ao chão, com um levantar alto de pena passava com facilidade; a terceira que a separava da menina era mediana, abaixar bastante era a melhor escolha, ainda que continuasse arriscada.
— Ei! Sharaene você precisa se mover, droga! — ele gritou.
Ela continuou parada.
17 segundos, aquilo estava sendo contado tão errado, ele agradecia por isso, mas no fundo sabia que tinha um motivo por trás disso e isso o incomodava.
— Sei que você queria ser a guerreira dessa história, aquela que sempre se salva sozinha e salva a todos. — ele sussurrou. — Mas nesse momento não me importo com seu orgulho e desejo bobo, eu vou te salvar enquanto eu puder.
Ela estava mole, era fácil mexer com ela, não falava nem nada, porém, seu corpo obedecia os direcionamentos dele automaticamente.
Abaixou o máximo possível ao junto dela, puxando seu corpo para não encostar em nada e passou a primeira linha.
— Eiii! — ele tentou a tirar daquele transe novamente, seria difícil passar com ela naquele estado, se abaixar era uma coisa, levantar era outra.
10 segundos.
Sem pensar se daria certo, pegou ela no colo. Aquela linha era mais distante da próxima, porém, sua chegada para trás no intuito de não a machucar traria consequência. Com ela no colo ergueu e jogou, era um golpe de sorte, mas se não fizesse isso os dois morreriam.
Doeu ver o corpo dela se arranhar ao se arrastar pelo chão, porém pelo menos estava viva.
Faltando três segundos ele pulou e se jogou caindo de cara no chão. Por sorte não foi cortado ao meio.
Kayron e Desirée logo pegaram Sharaene do chão, a menina agora se encontrava desnorteada, só saiu do transe pelo forte impacto contra o chão.
Desde criança sempre teve esse problema, não importava a ocasião se sentisse medo e não tivesse tempo, estivesse sendo pressionada, seu corpo travava, sua mente não conseguia assimilar nada. Se odiava por no meio daquela confusão ter aquelas crises.
— Você está bem? — Kayron perguntou enquanto passava a mão pelo rosto dela para tirar areia, alguns arranhões eram notáveis.
Ela somente assentiu, logo tudo que aconteceu nos últimos minutos passaram por sua mente e no reflexo virou para trás.
As pessoas discutiam algo com Arion, ela não compreendeu até o momento que ele virou de costas e saiu de perto de todos.
As linhas vermelhas já não estavam mais pelo caminho, a prova realmente havia acabado, somente os corpos sobravam pelo chão.
Quando ele teve que a erguer suas costas encostaram de leve na linha, não foi algo grave, poderiam ter sido partido ao meio, porém mesmo assim era uma ferida.
Agora seus novos arranhões não significavam nada para a menina, ver aquilo a angustiava. Logo correu ao seu encontro.
— Pare! Está indo para onde? Deixa eu cuidar desse seu ferimento. — ela exclamou enquanto puxava o braço dele.
Ele retirou a mão dela e continuou andando.
— Para de ser orgulhoso!
— Eu não estou sendo orgulhoso. Isso nem dói! Consigo me virar sozinho. — resmungou.
Ele aumentou a velocidade dos passos em direção a entrada dos dormitórios.
— Você é louco? Vai entrar aí? — ela perguntou incrédula.
— O jogo já acabou, se quisessem me matar já teriam feito há muito tempo.
Ele estava certo, isso ela não podia negar. Ele pulou os corpos e entrou.
Lá dentro tudo estava totalmente escuro, ele andava com tanta naturalidade como se pudesse enxergar. Ela possuía medo, não medo do escuro, medo do que poderia se esconder nele. Se obrigava a andar seguindo os sons dos passos dele.
Naquele momento deixou sua raiva por ele de lado, sabia que o culpar pela morte de Rodolpho era infantil, porém, não conseguia evitar. Ele já havia a salvado várias vezes, precisava ao menos retribuir.
— Está indo para onde?
Ele continuou andando sem a responder. Até que abriu uma porta e entrou, logo apertando um botão para acender as luzes do cômodo.
— Você realmente pode me ajudar? — ele perguntou enquanto se virava para a menina.
Sharaene conseguia ver em seus olhos o quanto era difícil perguntar aquilo, era tão orgulhoso quanto ela.
— Claro.
Arion mexeu em umas coisas em baixo da cama e tirou de lá uma garrafa estranha e um outro recipiente.
— Aqui, acho que serve. — ele falou enquanto entregava a ela.
Ela não disse nada, não sabia o que era aquilo, deduziu ser algo para passar no ferimento. Na parte de Inferius que vivia só se vendia dipirona, um estranho comprimido que servia para qualquer dor ou ferimento, não ajudava muito, porém era a única opção.
— Na garrafa é álcool, você vai lavar a ferida com isso e no recipiente é pomada, você passará após o álcool. — Arion explicou ao perceber a expressão de dúvida dela.
— Onde você encontrou isso?
— Aqui no quarto mesmo, provavelmente todos tem, na embalagem diz para o que serve.
Nesse momento que ela percebeu um papel colado em todos, tinha que ser mais observadora.
Arion deitou de bruços na pequena cama. Quando chegou perto ela levantou a camisa dele.
— Está querendo me ver pelado Sharaene? — ele perguntou zombando, mas ela conseguia sentir que em sua voz tinha dor.
— Cala boca! — resmungo, já estava com vergonha de estar tão próxima a um homem e ele ainda fazia piada.
Quando olhou bem a ferida se perguntou como ele conseguia agir tão naturalmente. O corte não era tão fundo, mas ainda era uma queimadura horrível.
— Por que você está se fingindo de forte? Isso deve estar doendo muito.
— Estou fazendo o mesmo que você faz sempre. — respondeu com indiferença.
Ela se calou, não para admitir que ele estava certo, mas sim porque precisava cuidar daquele machucado logo.
Quando passou o álcool ele gemeu, estava reprimindo um grito.
— Você não precisa fingir que não está sentindo dor.
Após terminar de lavar com cuidado começou a passar a pomada.
— Já senti dores muito maiores do que essa. — sussurrou.
Ela não entendeu até que sem querer sua mão passou em suas costas, ela sentiu uma cicatriz. "Como não percebi isso?" sua cabeça estava tão perturbada que estava deixando passar tudo, nas costas dele existiam várias cicatrizes, dos mais variados tamanhos. Quando ela colocou a mão em uma ele levantou subitamente, naquele instante ela percebeu que não poderia o perguntar sobre aquilo.
— Obrigada. — ele sussurrou com sua costume expressão séria.
Logo um silêncio se instalou no local, ninguém sabia o que dizer. Ela estava intrigada com aquelas cicatrizes, não conseguia imaginar o que poderia ter as causado, mas sabia que não seria algo bom.
— Tome um banho, irei buscar suas roupas. — ele falou tentando quebrar o clima estranho. — Você está imunda.
— Vou ignorar seus elogios. Como você sabe onde está minhas roupas?
— Vi o quarto onde você entrou ontem. — ele respondeu indiferente.
Sem ânimo para perguntas e com o cansaço abatendo-a, somente assentiu e entrou no banheiro.
Era um pequeno quadrado, com vaso de um lado e um chuveiro do outro, em Inferius não existia tamanha mordomia, porém já havia visto nas casas que roubava.
Depois de tirar as roupas abriu o registro. A água estava extremamente gelada, observou o sangue, sujeira começar a descer pelo ralo, fechou os olhos desejando que todos os últimos acontecimentos também descessem. Era o primeiro banho descente que tomava na vida, porém, não foi em um momento bom.
Seus arranhões e ferimentos ardiam, esfregou com a própria mão o rosto e todas as partes que continham sangue, queria tanto poder esquecer todas as mortes que viu. Seu rosto já estava completamente vermelho de tanto esfregar quando Arion chamou por seu nome.
— Vou deixar suas roupas aqui na porta. — gritou ele. — Irei lá para o campo, me encontre lá depois.
Ela não respondeu, somente fechou os olhos tentando ter um momento de paz em meio a tudo aquilo.
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