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Capítulo 47


Mirabela já estava bem mais calma e até com vergonha pelo xilique anterior, quando sua irmã terminou de relatar os últimos dois anos e, depois de inúmeras perguntas, como ela crescera afastada da família e aprendendo sobre seus poderes.

Depois de várias demonstrações provando sua capacidade de mexer com a mente das pessoas, Sunny conseguiu finalmente a atenção total de Mirabela, que até então ainda considerava tudo aquilo conversa de pessoas que tinham conseguido, de alguma forma,  fugir do hospício.

A garota ainda não sabia o que pensar sobre a vida de Sunny, sobre como ela passou tantos anos sozinha com o pai e vendo sua mãe tão poucas vezes e ainda escondida. Em como ela sempre soube da existência dos irmãos que, até alguns meses atrás, não faziam ideia da possibilidade. Além de ter precisado aprender a lidar com seus poderes desde pequena para não enlouquecer. Ou o fato dela ter passado dois anos com Diego tentando descobrir seus reais planos e modifica-los.

Sunny deixou claro que não se aprofundava muito na mente do homem por conta da fraqueza que a dominava quando usava seu poder, além da necessidade de não levantar suspeitas. Um passo em falso e tudo seria em vão. Além do risco a própria vida, quando se tratava de Diego.

Apesar disso, a mulher ainda tinha bastante material para compartilhar com a família. Segundo ela, Diego estava inicialmente tentando recomeçar a pesquisa feita com Robert ainda nos Estados Unidos, buscando realizar seu sonho de criança, assim como o pai já havia lhe contado. Porém, ao contrário do que eles acreditavam, o homem não trabalhava sozinho.

Sunny descobrira nos últimos dias de sua estadia que, na verdade, o que uma vez era apenas ambição e um pouco de maldade talvez, se transformara em medo. Diego encontrara alguém pior que ele, alguém que não tinha um sonho de criança para realizar. Alguém que queria apenas um exército. E uma guerra.

Essa pessoa o ganhara na conversa e o convencera a trabalharem juntos, com inúmeras promessas, há três anos. Contudo, o que começou com uma sociedade, acabara em opressão.

Mirabela ainda não conseguia acreditar que Diego entrara nessa por conta da ex-mulher, mãe de Gustavo. Era totalmente fora do padrão de personalidade que ela criara para o homem. Como um monstro se renderia para outro monstro apenas para manter sua mulher e filho a salvo?

Então agora ele trabalhava dia e noite para conseguir chegar ao resultado que Robert chegara havia vários anos, antes que seu tempo acabe e sua família pague o preço.

-Então Diego desistiu da ideia de dominar o mundo? –Pergunta Mirabela para quebrar o silêncio, quando ela e a irmã já estão sozinhas na sala, os outros se ocupando de diferentes tarefas. A garota tinha certeza de que fora algo planejado para que ambas pudessem conversar a sós.

-Acho que Diego já não consegue pensar por si mesmo, ou ter qualquer ambição que não seja salvar a família.

-Isso é extremamente bizarro. Você acha que o chefe dele pode ter conseguido recriar o experimento de nosso pai e estaria usando nele para testar?

-Não sei, Mira. –A menina se segurou para não corrigir a irmã, dizendo que preferia Bella- Acho que se fosse o caso, Diego estaria apenas reproduzindo em massa o que fora feito, não procurando isso. Acho que ele apenas enlouqueceu. Tanto tempo com a mesma ideia e preocupação na cabeça não podem fazer bem, sabe.

-Então ele não é mais nossa preocupação suprema?

-Não se iluda, maninha. Ele pode não ser o chefe do negócio, mas ainda possui objetivos, os quais fará de tudo para alcançar. Não podemos relaxar. Inclusive, Mira, amanhã mesmo pensei em começarmos a treinar e descobrir seus poderes. Nosso pai leva consigo um pouco da fórmula para onde quer que vá –Sunny abriu um sorriso empolgado, esperando a resposta da irmã.

-Não seria arriscado mais uma pessoa com poderes? Se podemos evitar, não é melhor?

-Nosso inimigo não vai poupar dar a fórmula a qualquer um que possa desenvolvê-los, então precisamos de gente do nosso lado para lutar quando chegar a hora, não acha? -Mirabela faz que sim com a cabeça, entendendo o ponto de vista da irmã mais velha- Mas então, aceita minha proposta?

-Claro, se for durante a tarde. –Ela tentou responder o mais animada possível, tentando manter o clima agradável que se formara entre as duas. –Sabe, de manhã pretendo voltar à escola. Infelizmente não posso apresentar um atestado afirmando que minha família tem problemas com um gênio do mal que quer criar um exército de mutantes para dominar o mundo, ou sei lá.

Mirabela olha timidamente para a irmã depois do comentário, mas assim que vê o riso escapando dos lábios da mulher, ambas caem na gargalhada. Quando foi que ela passou a esperar a aprovação de Sunny?

-É, realmente não iria colar.

As duas ficam ali em silêncio então por mais alguns minutos antes que a garota fale:

-Jonathan também pode ter poderes? Até agora não ouvi você ou nosso pai mencionar treiná-lo.

-Não, seu... nosso irmão não pode ter. Você já estudou sobre genética na escola, não é? –Mirabela acena afirmativamente com a cabeça. Lembrava-se vagamente do conteúdo- Eu e papai realizamos diversas pesquisas antes de me mudar para o Brasil e constatamos que as diferentes habilidades estão relacionadas à dupla de cromossomos XX, ou seja, apenas garotas podem ativá-las.E ainda assim não é qualquer uma.  

-O que quer dizer?

-Lembra da filha da Cassandra? A fórmula foi dada a ela e à mãe pelo tio, mas acabou desencadeando uma reação alérgica na garotinha. Lembro o desespero de nosso pai quando ele não conseguiu salvá-la. -Sunny encara o chão, perdida em seus próprios pensamentos.

-E como sabemos que não terei nenhuma reação? 

-Pode acreditar, Robert já fez diversos testes com você, mesmo que não saiba. É a nossa melhor opção. -Mirabela a encara com descrença, mas a irmã parece não notar, ou apenas ignora.

Depois de um tempo, uma ideia lhe vem a cabeça e a garota tenta quebrar o silêncio:

-Então Diego poderia estar atrás de desenvolver algo que funcionasse tanto para homens quanto para mulheres, ou seja, para qualquer um?

-Possível, Mira.

-O chefe dele pode ter conseguido o trabalho de nosso pai e estar usando alguém para controlar Diego, não é?

-Não tinha pensado nisso ainda, mas não acho que mais alguém teria o mesmo poder que eu- Após alguns segundos olhando para o nada, Sunny se levanta rapidamente e complementa- Preciso conversar com Robert, você é uma gênia, Mirabela.

A mulher desaparece da sala, deixando a garota sozinha, perdida em seus pensamentos, tentando organizar tudo o que descobrira nas últimas horas com o que acreditava estar acontecendo até então. 

Mirabela não consegue ficar mais de dois minutos sozinha, antes da campainha tocar. Ela se sobressalta, mas corre abrir a porta da frente.

Assim que encara os olhos bicolores sem o brilho característico, a garota nota que algo está extremamente errado. Ainda assim, ela não contém a alegria em ver o rosto conhecido e o abraça. Mirabela não havia notado o quanto estava com saudades até aquele momento.

Gustavo demora alguns segundos para retribuir o abraço, como se estivesse assustado, ou temeroso. Na verdade, assim que se desvencilharam, ela pode notar que o garoto suava e tremia um pouco, comprovando sua teoria. Algo realmente estava errado.

-Bella? –Gustavo mal consegue a olhar nos olhos antes de voltar a encarar o chão, passando nervosamente as mãos pelos cabelos- Podemos conversar?

-Podemos, claro –Ela fecha a porta atrás de si antes de continuar- Está tudo bem? Parece nervoso.

-Está tudo bem, não se preocupe- Novamente ele evita a encarar nos olhos- Podemos caminhar pela quadra enquanto conversamos?

-Pode ser, só preciso avisar o pessoal aqui de casa...

-Não! Quer dizer, vai ser rapidinho, nem vão notar que você saiu.

-Você tem certeza de que está bem? –Mirabela estava afim de correr para dentro de casa chamando por ajuda, mas não viu nenhum perigo iminente e Gustavo certamente não poderia oferecer nenhum risco. Então decidiu acompanha-lo.

Gustavo mexia freneticamente nas mãos e olhava para o chão enquanto caminhavam pelas ruas estreitas. Até então ele ainda não proferira se quer uma palavra. Antes que Mirabela pudesse perguntar novamente o que havia de errado, alguém a agarra por trás e coloca um pano cobrindo sua boca e nariz.

O garoto ao seu lado não faz nada além de chorar e dizer:

-Desculpa Mirabela, eu juro que não queria fazer isso. Eu juro. –Então antes que ela apagasse de vez, ele se virou para o homem que a segurava fortemente e completou, com ódio brilhando nos olhos coloridos- Vocês todos são monstros. Se a machucarem eu juro que darei um jeito de fazerem pagar caro. Eu juro.

Então o mundo se transformou em uma enorme bagunça de cores, até que todas se transformaram em nenhuma. Até que o mundo fosse um poço de escuridão. Até que ela não tivesse medo, raiva ou dor. Até que não fosse ninguém. 

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