Capítulo 39
-AHH –Mirabela se levanta da cama em um salto, ainda esfregando a perna, onde marcas de unhas estavam desenhadas em vermelho- Não tinha uma maneira mais delicada de me acordar, Sr. Gato?
O felino preto e branco estava agora enroscado em sua cama, ronronando para ela enquanto esperava por carinho. Mirabela sentou-se novamente na cama, se recuperando do susto, e começou a acariciar a cabecinha peluda do bichano, que agora se acomodava em seu colo. De repente, uma enxurrada de lembranças a atacou, fazendo-a lembrar do porque estava ali com o Sr. Gato e do que acontecera na noite passada.
Sua mãe morrera. E então Mirabela adormecera chorando abraçada a ela, acordando apenas quando já estava no apartamento de seu pai, em uma cidade que ela não fazia ideia de qual era. Jonathan estava a observando preocupado de uma poltrona na pequena sala de estar, então, com o gato preto e branco no colo.
Ela não vira o pai desde o beco, mas o irmão dissera que Robert tinha alguns assuntos a tratar e que Cassandra –cujo nome e aparência não lhe eram estranhos- cuidaria deles até que retornasse. E que apenas então ele responderia a suas perguntas.
Na noite passada Mirabela nem se importou com a ausência do pai. Na verdade, depois da morte da mãe, ela queria ficar um tempo longe dele, ao menos até conseguir convencer a própria mente de eu não fora culpa de Robert. Mas sua mente era extremamente teimosa. Então apenas comera um pouco do sanduíche e café que Cassandra havia preparado rapidamente para eles –pois ela não esperava que haveria visita- e se dirigira para o quarto destinado aos gêmeos, onde novamente pegara no sono depois de chorar até a cabeça começar a latejar. Ela mal sentira quando Jonathan a abraçara e começara a soluçar junto a ela.
Agora, enquanto acariciava a cabeça do gato de seu pai e encarava o teto –surpresa por não ter acordado o irmão com o grito- ela tentava se concentrar em não pensar na morte da mãe e em formular perguntas para o pai. Mas estava falhando miseravelmente.
Tudo o que passava em sua mente era Jonathan correndo para dentro do beco e Eliza se arrastando mais atrás, o som do tiro –o qual se tornou a trilha sonora de seus sonhos na noite passada, assim como o de qualquer pensamento- fazendo seu coração dar um pulo e doer. Enquanto encara a parede branca do pequeno quarto, Mirabela tentava segurar o soluço que ardia em sua garganta, ansiando por sair.
Olhando para o celular que descansava na mesinha de cabeceira e conferindo a hora -além de três chamadas perdida de Izzy, que ela apenas ignorou-, a garota decidiu que ainda era muito cedo e que o melhor era sair do quarto e ir tomar um banho, já que na noite passada ela só conseguira chorar e dormir e ainda tinha sangue em sua camiseta. Além disso, Jonathan não gostaria nada de ser acordado às seis horas da manhã quando ele fora dormir tão tarde, ao contrário dela.
Mirabela se mexeu, dando sinal de que iria se levantar da cama e Sr. Gato, que ainda descansava enroscado em suas pernas, a olha com raiva e vai se deitar ao lado de Jonathan. A menina enfim se levanta e observa melhor o quarto ao seu redor.
A cama de casal em que ela e o irmão dormiram ocupava a maior parte do cômodo, sobrando apenas o espaço para transitar e o de uma mesinha de trabalho pequena e cinzenta, que ficava do lado em que a menina estava.
Em cima da mesa havia uma muda de roupa preta e azul marinho e, ao lado, uma toalha rosada com algumas escritas bordadas em um rosa mais escuro. Um bilhete havia sido deixado em cima da toalha, dizendo:
"Bella, deixei essas roupas e a toalha aqui para o caso de querer tomar um banho quando acordar. Tenho quase certeza de que servirão, pois são da sua irmã e vocês tem quase o mesmo tamanho. Acho que ela não irá se importar. Bjs, Cassandra"
Mirabela segurou a carta entre os dedos, encarando a palavra irmã, até que ela não fizesse mais sentindo e não passasse da junção de letras aleatórias. A morte da mãe foi substituída de sua mente por alguns instantes pelas diversas perguntas que começaram a surgir a partir daquele breve bilhete, mas não durou muito tempo.
Recobrando a consciência, Mirabela pega as roupas e a toalha e abre a porta do quarto, determinada a tomar um banho antes de qualquer coisa -até mesmo de se perder em meio às lágrimas novamente. Afogar a tristeza e a ansiedade na água parecia a melhor opção para o momento.
Com um baixo ruído da porta ao ser aberta e fechada, ela sai para o corredor mal iluminado aquele horário, se perguntando em qual das três portas que lá havia ela encontraria água quente e conforto. Mas, assim que deu dois passos para o centro do corredor, uma das portas se abre, revelando uma mulher do seu tamanho, de pele morena e uma toalha enrolada na cabeça. Vapor se enrosca ao seu redor, saindo através da porta que ela abrira.
-Vejo que acordou cedo –Disse Cassandra, um sorriso preocupado estampado em seu rosto.
-Na verdade foi o Sr. Gato quem me acordou, mas tudo bem, eu já dormi bastante mesmo –Ela fala enquanto tenta enxergar por trás da mulher, para se certificar de que aquele era realmente o banheiro, mesmo que parecesse óbvio, e também para não ter que encarar a mulher.
-Gostaria de tomar um banho, Bella? O banheiro é este aqui –Cassandra aponta para a porta atrás de si, ao mesmo tempo em que caminha em direção à menina- Tome um banho relaxante enquanto eu faço um café para nós, ok? –Ela pisca, passando direto por Mirabela, direcionando-se para a cozinha, no final do corredor. –Prefere chá, café preto ou café com leite?
-Acho que um café preto, obrigada.
-Assim que terminar venha aqui na cozinha para comermos e, se você quiser, esclarecer algumas coisas. Imagino que esteja bem confusa, não é?
-Uhum –Mirabela não queria falar sobre aquilo, ao menos não naquele momento, então se direcionou para a porta aberta, por onde ainda se viam braços de vapor tentando escapar.
Ela fecha a porta atrás de si, largando as roupas e a toalha, que ainda segurava, em cima da pia de granito preto. O banheiro não era muito grande, mas era elegante e tinha espaço o suficiente para não ser apertado. Não havia banheira como em sua casa, apenas um box retangular de vidro esverdeado, que quase encostava no teto branco. Nas paredes, havia pequenas lajotas quadradas de vários tons de azul, cortando como uma linha as outras lajotas grandes e brancas. O chão era deu um preto brilhante, onde era possível enxergar seu próprio reflexo.
Mirabela entrou no box ainda com a camiseta manchada de sangue, com a intenção de tentar tirar um pouco da mancha e salvar o tecido cor de salmão. Ela precisou de apenas um minuto para entender como fazia para ligar o chuveiro e esquentá-lo. Em dois minutos Mirabela já tinha se esquecido da camiseta e estava sentada no chão abraçada aos joelhos, as lágrimas se misturando com a água que caía do chuveiro, e os soluços abafados pelo som das gotas batendo no chão.
Ela não sabia quanto tempo havia ficado ali naquela posição, nem como havia se lavado e tirado a mancha da camiseta. Mas agora ela estava enrolada na toalha rosada e conseguia ler nitidamente o que estava escrito em rosa escuro: Sophia Blake.
Simplesmente não fazia sentindo que sua irmã tivesse roupas que serviam nela quando Sunny teria morrido tanto tempo antes, quando ainda era muito mais nova que Mirabela. Mas fazendo sentido ou não, a legging preta e a camiseta azul marinho tinham servido perfeitamente nela. Agora ela tentava pentear com os dedos os cabelos que estavam cheios de nós, frustrada por não ter encontrado nenhuma escova de cabelo.
Era surpreendente como um banho quente tinha a capacidade de aliviar o estresse e a tristeza, como se a água realmente tivesse sido capaz de levar embora todas as suas mágoas e lágrimas. Mas acabara deixando um grande vazio para trás.
Saindo do banheiro, ainda sentindo um imenso vazio dentro de si, Mirabela segue pelo corredor, agora um pouco mais iluminado, até a cozinha, de onde um maravilhoso cheiro de café passado vinha.
-Está melhor? –Cassandra pergunta assim que ela passa pelo batente da cozinha. –Bem, sua aparência certamente está –Ela lança um sorriso simpático para a garota, ao mesmo tempo em que estende uma xícara de café e aponta para o açucareiro.
-É, acho que estou um pouco melhor. –Responde Mirabela desanimada.
-Eu sei como é essa dor da perda, flor. Eu também perdi alguém muito especial e, na verdade, foi exatamente o que me colocou nessa situação. Mas o que quero dizer –Cassandra se aproxima de Mirabela e dá um abraço na menina- É que com o tempo você se acostuma com ela, e a leva como uma velha amiga...
Mirabela não prestou muita atenção nas palavras seguintes da mulher, apenas aproveitando o abraço, algo que ela não sabia precisar tanto até aquele momento. Assim que seu torpor passou e ela recuperou sua consciência, uma luz pareceu se acender em sua cabeça.
-Cassandra, você disse que também perdeu alguém especial? –As duas se desvencilharam do abraço com a fala dela.
-Sim, ainda me parte o coração falar dela, mas como eu disse, agora já consigo conviver melhor com isso. Eu perdi minha filha, Gabriela, há uns oito anos atrás por causa de um experimento feito pelo tio dela que acabou se mostrando falho. Na verdade, algo no organismo dela não aceitou o experimento, pois eu também participei e não resultou em nada, mas Gabi faleceu.
"Seu pai tentou ajudar ela e serei sempre grata por isso, mas minha pequena não resistiu. Eu acho que você tinha uns sete anos na época e até estava lá com seu irmão e o menino dos caseiros do sítio de vocês. Lembra?"
Então tudo começou a se encaixar. Mirabela lembrou dos diários do pai, onde ele contava sobre Cassandra, Cassian, Gideon e Gabriela e como tudo começou. Mas como Cassandra poderia estar ali? Pela descrição do pai, ela não deveria ter aguentado a estrada e ter falecido junto com a filha por causa do vírus.
Mirabela estava prestes a perguntar sobre isso quando a porta que dava para o lado de fora do apartamento se abriu com estampido e Robert Blake apareceu, os braços carregados de sacolas de mercado.
-Que bom que acordou, Bella. –Ele larga as sacolas verdes no chão e lança um sorriso trêmulo à menina- Precisamos colocar o papo em dia, não é? Vejo que já fez amizade com Cassandra –Ele então se dirige para a cozinha e se serve de uma xícara de café- Vamos sentar nas poltronas da sala, como nos velhos tempo –Robert lança uma piscadela para Mirabela ao fazer referencia de quando conversavam os dois na sala do pai no hospital, antes de toda essa loucura.
Mirabela, ainda sem reação e com inúmeros pontos tentando se encaixar em sua mente, segue o pai e Cassandra em direção à sala, onde seu pai já ocupava o sofá cinza e a mulher uma das poltronas multicoloridas, deixando a outra para a menina.
-Bem, por onde começar?
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