Capítulo 35
O dia finalmente chegara. A ansiedade a corroía durante os últimos dias e uma semana nunca custara tanto a passar quanto esta, mas enfim era segunda-feira. Enfim, Mirabela encontraria seu pai. Enfim, saberia de uma vez por todas o que estava acontecendo –ou pelo menos esperava que isso fosse acontecer.
Faziam dois dias que Mirabela e a mãe haviam visitado a Igreja e, depois de muita inspeção rigorosa, decidiram que aquele era o lugar mais provável para o encontro daquele dia –inclusive, Mirabela descobrira que sua chave de anjo abria a porta que dava para a torre do sino, e ficara feliz ao constatar que estava certa em pensar que seu anjinho tinha relação com tudo isso. Depois de sua análise do local, Eliza decidiu leva-las ao shopping, aproveitando que Jonathan não quis ir junto para fazer "uma tarde das garotas". Mãe e filha passaram horas e horas caminhando e passando de loja em loja –sem comprar nada, para infelicidade das atendentes- apenas conversando e dando risada, como boas amigas.
Agora, enquanto escolhia uma roupa para ir à reunião, Mirabela sorria ao lembrar do tempo em que passara com a mãe, das coisas que conversaram. Da proximidade que vinha crescendo nos últimos meses, algo que ela sempre ansiou quando pequena, mas que a mãe nunca pôde oferecer por trabalhar demais. Bem, talvez essa confusão toda em que Robert os metera tinha seus lados positivos. Mirabela no fundo temia que o reencontro e a volta do pai, pudesse afastá-la novamente da mãe. E ela certamente não queria isso.
A garota amava seu pai e sentia muito a fata dele e do tempo que costumavam passar juntos, mas era diferente com Eliza. Mirabela não sabia dizer se era pela mãe ser mulher e por isso entende-la melhor, ou por ter desejado muito essa amizade, mas a menina sentia uma conexão diferente com ela. Algo mais forte. E ficava extremamente feliz em ver nela a melhor amiga que até então nunca tivera.
-Bella, já está pronta? –Pergunta Eliza, abrindo uma pequena fresta da porta. Mirabela larga a calça jeans que pegara e se volta para a mulher.
-Será que eu coloco jeans? Estou com uma péssima impressão de que precisaremos correr, e não acho que essa calça –Ela aponta para a calça atirada sobre a cama- Seja ideal para isso.
-Eu realmente espero que seja apenas impressão sua –Sua mãe abre mais a porta e desliza para dentro, então vai até seu guarda-roupa e tira de lá uma legging preta e a segura –Mas por via das dúvidas, usa algo confortável. Conhecendo seu pai, tenho certeza que algo bastante dramático vá acontecer.
Mirabela pega a calça da mão estendida de sua mãe, enquanto ambas riem do comentário da mulher.
-Papai sempre teve uma quedinha para dramatizações –Diz Mirabela, lembrando-se dos diários do pai que Will havia levado consigo para algum lugar.
-Bem, vou deixar você se trocar enquanto eu mesma vou colocar algo mais confortável. Você me deixou apreensiva, garota –Ela lança um sorriso à Mirabela enquanto se dirige para a porta. –Em cinco minutos estamos indo.
*************
Exatos cinco minutos depois, estavam os três embarcando no carro. Antes de se sentar no banco da frente, Mirabela ergue uma sacolinha branca de mercado um tanto pesada e, dando uma breve olhada, tem a certeza de que abriga as quatro escutas que a família achara ao longo da semana espalhadas pela casa. Um infeliz presente de Willian.
A mãe deu partida no carro e a garota largou a sacolinha em seus pés enquanto colocava o sinto de segurança –ninguém realmente se importaria se os aparelhos quebrassem sem querer. Lembrando dos locais em que cada um deles estivera escondido –um no quarto de Mirabela, outro no de Jonathan, um na sala e o último na cozinha-, torcendo para que ninguém tenha ouvido a conversa com Jonathanna quinta-feira, principalmente.
O trajeto até a Igreja St. John's era rápido e,em questão de seis minutos, já haviam encontrado um lugar e estacionado o carro–felizmente em dia de semana, eram poucos os turistas e ainda menor eram os números de fiéis àquela hora. Na verdade, havia apenas uma moto estacionada nas redondezas, mas a rua estava quase deserta. Mirabela se perguntava se seu pai já teria chegado, pois tinha certeza de que aquela moto não era dele –Robert morria de medo de andar de moto.
Descendo do carro, Mirabela olhava ansiosa e constantemente em todas as direções, em busca de qualquer sinal de seu pai, mas sem sucesso. Olhando que sua mãe e irmão faziam o mesmo, a garota decidiu tomar a frente e se dirigiu para a porta eu levaria à torre do sino, onde deveria acontecer o encontro. Talvez ele já esteja lá.
Mirabela levou a mão à correntinha em seu pescoço e, notando que sua família permanecia distraída, tirou o pingente e, enquanto tentava destrancar a porta, sentiu alguém atrás de si. Recolhendo rápida e discretamente a mão com o pingente de anjo, ela não teve tempo de se virar antes de sussurrarem:
-Guarde a chave e não faça movimentos bruscos. Estão nos espionando aqui.
Uma lágrima começou a se formar quando ela reconheceu a voz tão familiar e da qual estivera com tanta saudade. Contendo a vontade imensa de se virar e abraçar o pai, Mirabela deu um leve aceno de cabeça para as sombras, obedecendo o homem.
Novamente seguindo suas instruções, a menina se dirigiu ao resto da família que ainda estava perto do carro e olhando ao redor. Colocando uma mão sobre os olhos por causa da réstia do sol do fim da tarde, ela sinalizou com a outra para que Eliza e Jonathan se juntassem a ela.
-Papai está lá atrás, falei com ele agora. Tem alguém nos espionando aqui, por isso precisamos ser discretos. Ele disse para irmos para a torre, mas sem chamar atenção, enquanto ele vai tentar despistar quem quer que esteja nos observando.
Ambos concordaram com a cabeça de leve e, ao verem o sinal de Mirabela de "circulando", saíram em direções opostas e continuaram olhando para todos os lados, ao mesmo tempo que se dirigiam para a porta que levava à torre.
Mirabela viu um vulto passando do lado em que sua mãe estava andando e ficou imaginando se seria seu pai passando ou a pessoa que os estava vigiando. Não importava, agora precisavam entrar na torre e dar um jeito de trancar a porta antes dessa pessoa chegar.
A garota quase nem percebeu quando o irmão entrou pela porta e deu um leve sorriso pela discrição. Um minuto depois, Mirabela viu a mãe entrando e então decidiu que era a sua vez de se dirigir para a porta. Dando mais uma olhada rápida pelos arredores à procura ou do pai ou da pessoa que os estava observando, a menina começou a caminhar dando a volta na igreja para então entrar pela abertura.
Um leve calafrio a envolveu quando tornou a encostar a porta e o escuro a cegou por alguns instantes –a noite caíra muito rapidamente, na sua opinião. Mirabela encarou a escada enorme que dava para o sino e, quando estava colocando o pé no segundo degrau, um barulho de tiro ecoa em algum lugar ali perto, fazendo seu coração dar um pulo.
Sem pensar duas vezes, a menina escancara a porta e corre em direção ao barulho. O medo de perder o pai novamente, e dessa vez para sempre, era maior que sua sensatez. Ela não precisa olhar para traz para saber que Eliza e Jonathan pensam o mesmo que ela e, em questão de segundos eles a alcançam.
Fora a respiração acelerada dos três, o silêncio domina, tornando o lugar, juntamente à luz da lua e a falta de pedestres, assustador. A família permanece olhando ao redor em busca de movimentação, mas nenhuma alma viva parece estar vagando por ali.
Passam-se alguns minutos, que mais pareciam uma eternidade, quando finalmente um barulho quebra o silêncio e faz a adrenalina na garota aflorar. Mirabela se sobressalta quando alguém passa correndo por ela e puxa seu braço, gritando para que Eliza e Jonathan os sigam e corram.
Algumas quadras adiante, quando Mirabela já está quase sem fôlego e as pernas bambas, seu pai a puxa para um beco, sinalizando para Jonathan e Eliza que seguem mais atrás.
-Acho... que conseguimos... despistá-lo –Robert mal consegue falar enquanto tenta recuperar o ar.
A menina apenas assente enquanto apoia as mãos nos joelhos também na tentativa de acalmar a respiração. No momento ela se repreendia pelos dias em que tentou escapar das corridas nas aulas de educação física.
Jonathan passa correndo por ela e se apoia na parede oposta no exato momento em que outro som de tiro ecoa. Mirabela olha assustada para a entrada do beco, apenas para se deparar com sua mãe engatinhando para o local, uma mão ensanguentada apertando a barriga e o rosto contorcido em dor.
-Mãe! –Ela sussurra, sem forças para gritar, enquanto corre em direção à mãe, ajudando seu pai a traze-la para mais perto deles e fora do alcance da vista.
Uma lágrima escorre quente por sua bochecha e ela a limpa rapidamente enquanto se abaixa para abraçar sua mãe, que agora está escorada em uma das paredes de concreto do beco.
Eliza usa sua mão mais limpa para afagar o cabelo da filha que está desesperada. Ela se aproxima do ouvido de Mirabela e sussurra:
-Ainda bem que não viemos de calças jeans.
A menina dá um leve sorriso amarelo, preocupada demais para conseguir achar graça nas palavras da mãe.
-Bella, deixe-me vê-la –Seu pai a empurra de leve para conseguir se aproximar da mulher e analisar o ferimento.
Mirabela observa atentamente o pai enquanto ele examina sua mãe, que a cada momento fica mais pálida. Mal percebe quando Jonathan a abraça forte, seus olhos também vermelhos por causa das lágrimas.
-Por que simplesmente não chamamos uma ambulância? Ela vai morrer!
-Calma, Mira. Papai deve saber o que está fazendo...
-Eu realmente espero que sim, mas mesmo assim deveríamos ir para um hospital, é loucura ficar aqui nesse beco esperando que todo o sangue dela se esvaia.
-Mira, aquele homem ainda está atrás de nós, eu tinha recém entrado quando ele atirou e vi que ele não fazia ideia em que estava mirando. Infelizmente ele mirou em nossa mãe. Ou seja, ainda é melhor permanecermos escondidos aqui do que sair e chamar sua atenção e correr o risco de ele realmente mirar a arma para nós.
Mirabela concordou, totalmente contra sua vontade, e abraçou ainda mais forte o irmão, agora evitando olhar para a mulher pálida que jazia apoiada na parede.
Alguns minutos se passaram e Robert por fim se juntou aos filhos no abraço. Não foram necessárias palavras para que ela soubesse o que estava prestes a acontecer. Mirabela se desvencilhou dos braços que a prendiam e, chorando fervorosamente, foi até a mãe e a abraçou uma última vez.
-Te amo, minha filha. –Ela puxou mais um pouco de ar, e agarota se segurou para não dizer a ela que ficasse em silêncio, pois necessitava ouvir sua voz uma última vez também- O que aconteceu não foi culpa do seu pai, está bem? –Mirabela a olhou nos olhos e assentiu, mesmo que no fundo uma vozinha gritasse: é culpa dele, tudo culpa dele. –Eu preciso que você e seu irmão vão e permaneçam com ele. Robert me contou uma parte da história e por isso mesmo eu confio nele para leva-los em segurança para um lugar.
-Mãe, eu não vou a nenhum lugar sem você!
-Não, Mirabela. Você vai me obedecer e vai com seu pai. Não há mais nada que possam fazer por mim, minha princesa.
O tom de voz duro de sua mãe se transformou em dor e lágrimas e ela juntou suas últimas forças para abraçar a filha e sussurrar:
-Ajude seu pai e termine essa missão por mim.
E então, como se realmente tivesse dado tudo de si para aquele abraço, seu corpo ficou inerte e ela caiu, um sorriso marcando suas últimas palavras.
Mirabela não se importou ao abraçar ainda mais forte o corpo da mãe já falecida e chorar. Não se importou se fazia barulho. Se alguém os estava perseguindo. Não se importou se haviam passado dois minutos ou duas horas.
Ela mal percebeu quando o restante de sua família a envolveu em um abraço e choro coletivo, nem quando acabou pegando no sono enquanto era carrega por seu pai para fora do beco, Jonathan se arrastando logo atrás.
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