Capítulo 28
-E então, o que tem a nos dizer de tão importante? –Mirabela continuou a encarar aqueles lindos olhos bicolores, esperando que o garoto à sua frente respondesse sua pergunta rapidamente, pois não estava muito inclinada a perder o filme que tinham escolhido para ficar conversando no sol.
-Vou tentar resumir, já que Mirabela está visivelmente impaciente –Ouvindo isso a garota, que batia incessantemente o pé e roía as unhas, retomou a postura e tentou parecer relaxada, sentindo as bochechas corarem de vergonha- Mas peço que escutem com atenção e que me deixem terminar antes de qualquer coisa, pois é realmente importante que confiem em mim. –A aflição em sua voz fez com que Mirabela não pensasse duas vezes antes de assentir.
-Prometemos que vamos ouvir tudo o que tem a dizer, Guga. –Ela lançou um olhar inquisidor para Jonathan, que revirava os olhos ao seu lado- E não se preocupe, pois não estou impaciente, pode falar com calma, já que é tão importante assim.
E então ele falou. Gustavo contou sobre seu pai, sobre a mãe que falecera ainda naquele ano, sobre ter se mudado para a cidade em que o pai –Diego- morava e onde fora obrigado a trabalhar com relatórios. Ele falou sobre como um dia seu pai simplesmente chegara com a notícia de que ele se mudaria para outro país e que precisaria enviar alguns relatórios e sobre como Diego se interessara quando ele contou sobre a visita dos gêmeos à casa abandonada dos Turners.
-Eu sei que pode parecer um pouco de loucura e talvez eu nem devesse ter despejado tudo isso em vocês, mas eu acho que de alguma forma a minha situação está relacionada com a de vocês. –O menino deu de ombros- Ou pelo menos foi o que concluí depois de um mês trancado sozinho dentro de casa.
Mirabela estava sem palavras. Sua mente ligava inúmeros fios tecendo uma enorme teia, onde ela não sabia mais diferenciar realidade de paranoia. Jonathan estudava os dois, não deixando transparecer seus pensamentos. Mirabela tinha certeza que fazia totalmente o contrário, a mente viajando rápido demais para que ela pudesse se preocupar em esconder seus sentimentos.
-Guga, você disse que seu pai se chama Diego? –O menino assentiu em concordância- Ai meu Deus... Jonathan, precisamos conversar. Gustavo, poderia nos deixar a sós um instante, por favor?
Gustavo apenas olhou de um irmão para o outro e, com um aceno, se retirou, indo para a sombra que agora surgia em frente ao cinema. Aparentemente Isabelle e Willian, ao perceberem que a conversa seria longa, nem se importaram em espera-los, pois não estavam à vista em lugar algum. Voltando seu foco para o irmão que a encarava, Mirabela tentou organizar o mais rapidamente e o melhor que pode suas ideias, para finalmente transforma-las em palavras compreensíveis.
-Jhon, lembra do que eu te contei sobre os diários? Lembra do nome do chefe de nosso pai durante os últimos anos?
Por um momento os dois só se encararam, até que reconhecimento brilhou nos olhos do menino, as mentes se conectando.
-Você está querendo me dizer que o Diego, pai do Gustavo é o mesmo Diego que quase escravizou nosso pai? –Mirabela balançou afirmativamente a cabeça, feliz pelo irmão ter entendido- Céus, Mira... –Ele pensa por alguns instantes, constatando a mesma coisa que ela- Claro! Tudo o que você me falou se encaixa perfeitamente agora! –Diz ele jogando os braços para cima.
Subitamente o garoto fica em silêncio, sua expressão de surpresa se transforma em uma de descrença e dúvida, como se estivesse tentando se lembrar de algo. Mirabela se empertiga, desconfortável com o silêncio e atormentada com a curiosidade.
-Jonathan, em que você está pensando? –Disse a menina, cansada de esperar que ele matasse sua curiosidade por vontade própria.
-Mira, lembra da nossa "primeira pista"?
-Aquele pingente que achamos no quintal dos Turners?
-Esse mesmo. Lembra das imagens do casal e da criança que estavam dentro do pingente?
-Ai meu Deus! Sabia que conhecia o Guga de algum lugar quando o vi!
-Eu sei, também estava com essa impressão desde que ele chegou lá em casa, eu só não conseguia me lembrar de onde o conhecia. Notei isso ainda lá em casa, mas não consegui falar para você e tinha até me esquecido –Jonathan, que gesticulava incessantemente com as mãos enquanto falava, as abaixou e voltou a encarar a irmã- Mira, se ele é realmente filho do homem que, aparentemente, é nosso inimigo, não seria melhor nos afastarmos dele antes que nos comprometa?
Os ombros de Mirabela baixaram inconscientemente. Ela sabia que talvez a coisa mais racional a se fazer fosse ouvir o que seu irmão dissera. Na verdade, aquela fora a primeira coisa em que ela pensara quando percebeu quem era o pai de Gustavo. Mas algo dentro dela a fazia acreditar que poderia sim confiar no garoto e que ele poderia ajuda-los. Só não sabia se seria confiável ouvir essa voz irracional que insistia em deixa-la confusa.
-Mas e se ele pudesse nos ajudar? Ele poderia descobrir o que o pai quer, ou mentir sobre nossos avanços...
-Ou ele pode nos enganar enquanto nos entrega para seu pai. –Diz, Jonathan interrompendo-a, o rosto em um semblante incrédulo com o comentário da irmã- Mirabela Blake, onde foi que você colocou aquela racionalidade que era quase sua marca para substituí-la pela estupidez e a inconsequência? Temos muito mais a perder do que a ganhar nos juntando a ele!
-Você está certo.
Um nó se instalou em sua garganta com o tom que seu irmão falou com ela, fazendo-a se sentir estúpida, assim como ele mesmo dissera. O pior de tudo, é que no fundo, sabia que ele estava certo.
-Mira, desculpa, não queria te ofender, mas você sabe que isso é loucura!
Mirabela não conseguiu evitar se sentir ainda mais irritada com o "pedido de desculpas" do irmão, o que a fez se sentir ainda mais tola, mas segurou a resposta afiada que pedia insistentemente para sair. Ao invés disso, decidiu se tornar exatamente quem o irmão a estava acusando e, quem sabe, quem ela realmente estava se tornando. Aquela maldita voz quase berrou em sua cabeça e ela não pensou duas vezes antes de atende-la.
A menina acenou para Gustavo, que ainda esperava na sombra do cinema, enquanto mordia os cantos dos dedos distraidamente. Vendo que Mirabela o chamava, o garoto virou-se na direção dos irmãos e caminhou devagar e talvez até hesitante, provavelmente por causa da expressão ameaçadora que Jonathan lançava, tanto para Mirabela, quanto para Gustavo.
-O que você pensa que está fazendo? Ah, não, talvez a pergunta certa seja: você sequer pensa, Mirabela? Posso ver que acabo de assumir a posição de mais inteligente e racional da família, é realmente uma pena que você tenha perdido o posto, irmãzinha.
A garota apenas revirou os olhos diante do comentário e acenou novamente para Gustavo, que havia parado no meio do caminho, incerto se realmente deveria se aproximar.
-Gustavo, tudo o que você disse foi de enorme importância e, assim como você mesmo suspeitava, está relacionado com nossa situação. Decidimos, então, que vamos confiar em você –Jonathan emitiu um grunhido em discordância, o qual Mirabela apenas ignorou –Esperamos realmente que não traia nossa confiança.
-Prometo que não o farei, a última coisa que quero é ajudar Diego, mesmo que isso signifique me aliar a pessoas quase desconhecidas. Na verdade, eu planejava fugir ainda hoje, aproveitando a carona de Isabelle até aqui, acredito que seja até mais seguro para vocês que eu faça isso.
-Olha só, mas que ótima ideia! –Exclamou Jonathan, o que rendeu uma expressão brava e uma cotovelada da irmã- Mirabela, quanto mais longe ele estiver de nós, melhor será! Agora já sabemos de tudo o que ele sabe –Ele lançou um olhar para o garoto, que ficara totalmente desconcertado com o comentário- Não há mais utilidade para ele aqui.
-Aparentemente nós trocamos os papéis, pois você perdeu totalmente seu senso de sensibilidade, Jonathan!
-Por favor, não briguem por minha causa. Bella, talvez seu irmão esteja certo, é perigoso que eu esteja próximo de vocês. Mas talvez eu possa sim ajuda-los. –Dessa vez foi ele quem dirigiu um olhar que deixou Jonathan desconcertado- Se eu voltar, posso tentar distrair meu pai e leva-lo pelo caminho errado com meus relatórios. Tenho certeza que logo mais ele dará um jeito de me fazer obter mais notícias de vocês, mas se me tiverem do seu lado, posso ajuda-los.
-E quem garante que você não nos trairá? –Jonathan lançou um olhar afiado para Gustavo.
-Bem, terão que confiar em mim, assim como terei que confiar em vocês, afinal também estou correndo perigo me voltando contra meu pai.
-A diferença é que temos muito mais o que perder que você. Poderia muito bem se cansar de nos ajudar e decidir que vale mais a pena nos entregar para seu pai de uma vez. O que garante que não o fará?
-Infelizmente, meu irmão está certo, Guga. Como podemos ter certeza de que não vai se virar contra nós?
Gustavo certamente não tinha uma resposta convincente, o que fez com que o silêncio recaísse sobre o trio enquanto ele pensava.
-Eu sei que vocês têm inúmeras razões para desconfiar de mim, mas eu juro que estou do lado de vocês nessa loucura. Eu odeio meu pai, e sei o quão ruim ele pode ser e é exatamente por isso que quero me unir a sua família.
-Bem, para mim você está apenas querendo afrontar seu pai e, quando se cansar e ver que não vale mais à pena, se voltara contra nós.
-Jonathan, riscou o disco é? Ok, talvez você esteja certo, mas já entendemos esse seu argumento! Mas será que não poderíamos dar uma chance a ele? –Mirabela, baixou a voz, de forma que só o irmão ouvisse- Sabe, não fizemos mais nenhum avanço significativo durante as férias e, agora com as voltas das aulas, vai ser ainda mais difícil descobrirmos algo. Ele pode se tornar útil para nós. Pense um pouco, Jhon, sabe que no fundo tenho certa razão. –Jonathan revira os olhos, mas assente, mesmo que contrariado. Mirabela então volta a encarar os belíssimos olhos bicolores de Gustavo- Se você está mesmo disposto a nos ajudar, certamente não se importará em não saber de muitos detalhes, não é, Guga?
-Bem, se esses forem os termos –Começou o garoto, feliz por notar que tinha uma chance- Não, eu não me importo. Ajudarei da forma que eu puder e os manterei informados daquilo que eu descobrir, mas não me importarei se não quiserem me informar do que descobrirem. Então, negócio fechado?
-Negócio fechado! –Mirabela estendeu rapidamente a mão, tentando controlar a animação. Jonathan por sua vez, apenas acenou com a cabeça, recusando a mão que fora estendida a ele.
Não demorou muito para que Willian e Izzy se juntassem ao trio, comentando alegremente sobre o filme e falando como fora uma pena que o tivessem perdido. Mirabela tinha certeza de que a conversa, por mais estressante que tenha sido, fora muito mais produtiva do que o filme, mas mesmo assim tentou demonstrar tristeza e desapontamento por ter perdido o longa, mais como uma forma de aquietar Isabelle do que qualquer outra coisa. Mirabela também estava feliz e até aliviada por ver um sorriso verdadeiro e ouvir as palavras empolgadas de Willian durante o percurso até em casa, algo que ela sentia falta nos últimos tempos.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro