Capítulo 13 - Sensação Adolescente
Eu não estava pensando quando me levantei da cama. Não estava pensando quando pousei os pés no chão e fui até a porta. Não estava pensando quando abri a porta e atravessei o terceiro andar até parar em frente ao quarto do João. Muito menos quando bati na porta dele e esperei que abrisse.
Mas quando ele abriu, eu me dei conta do quanto aquela tinha sido uma péssima ideia.
Vamos começar pelo fato de eu estar usando meias 3/4 listradas coloridas, porque eu não gostava de dormir de calça de moletom e, no frio de Assunção, eu precisava de um apoio além das cobertas. Aquele era o único par que eu possuía, embora fosse humilhante. Mas ninguém me via dormindo então não havia problema.
Exceto quando você se deita pra dormir e não aguenta ficar nem dez minutos na cama porque sua cabeça parece que vai explodir e você precisa fazer alguma coisa.
Essa coisa seria falar com João.
E foi assim que eu parei aqui diante dele com uma cara de tacho, camisola de manga comprida sem sutiã e meias coloridas até o joelho.
João me encarava confuso, esperando eu abrir a minha boca. Mas eu estava paralisada demais para falar porque todo o meu foco se dispersou para o espaço sideral quando dei de cara com seu abdômen nu.
Ele estava sem camisa.
Eu engoli em seco porque, primeiramente, minha cabeça ficava na altura do peito dele então, mesmo se eu quisesse, não teria como não ter olhado para lá. E, bem, ele definitivamente cuidava do seu corpo. Não era totalmente definido, mas era definido. As curvas dos músculos em seu peito e abdômen me deixaram de boca aberta.
E então havia aqueles braços.
Eu só poderia descrevê-los pela vontade que me deram de João passa-los ao redor do meu corpo e me segurar. Eles pareciam tão seguráveis, tão seguros. Eram tonificados de um jeito natural e eu não sabia se gostava mais do amigo direito ou do amigo esquerdo.
João era rígido. Sua pele era lisa. Seu peito era largo.
E eu estava pegando fogo.
Ele olhava pra mim com aqueles olhos verdes que pareciam cortar a minha alma e eu precisei de um segundo a mais para recuperar o fôlego. Minha mãe poderia muito bem ter se casado com um cara que só tinha filhas mulheres ao invés de trazer pra dentro da minha casa uma sensação adolescente. Teria sido muito mais fácil para o meu psicológico, para os hormônios dentro do meu corpo que pareciam ter criado vida própria.
Eu encarava João sem saber o que dizer, apenas sentir.
Sério, o que se diz numa hora dessas? "Ei, você está uma delícia e eu não consigo me concentrar no que dizer por que estou com vontade de lamber o seu abdômen inteiro." "Ei, se você não fosse filho do marido da minha mãe eu não sairia desse quarto sem que você me beijasse e me segurasse com esses braços".
"Ei, mesmo você sendo filho do marido da minha mãe eu ainda quero que você me beije".
Meu coração acelerou somente com a hipótese e eu tive que cruzar os braços na frente do peito porque eu tinha certeza de que meus faróis tinham ficado acesos. Malditos mamilos.
João estava tenso, eu podia notar pela sua postura. Eu precisava dizer alguma coisa antes que a situação ficasse ainda mais constrangedora.
― Seu pôster. Eu queria muito ver o seu pôster.
Eu sabia que ele não havia caído na minha desculpa esfarrapada, mas mesmo assim abriu passagem para que eu entrasse em seu quarto. Era a primeira vez que eu botava os pés lá dentro e pareceu como se eu estivesse invadindo um local sagrado. Tudo estava muito limpo e organizado. O skate e o violão ficavam no canto, e havia um enorme mapa mundi na parede atrás da sua cama. O pôster do terceiro filme de De Volta Para o Futuro se destacava na parede azul atrás da escrivaninha.
Eu parei diante do pôster, notando com o rabo de olho que o computador estava ligado na área de trabalho. Era a foto de um pôr-do-sol laranja incrível na praia. João parou atrás de mim e a consciência do seu corpo seminu quase se encostando ao meu fez com que minha respiração cessasse.
Ele falou, com sua voz grave, e toda a extensão da minha pele se arrepiou.
― Era só isso? - foi a pergunta.
Era só isso?
O que era mesmo?
Sua respiração na minha nuca tornava impossível conseguir pensar.
Era só isso?
Balancei a cabeça e me virei para ele. Seu rosto não tinha expressão, estava do mesmo jeito quando ouviu toda a conversa maluca sobre eu querer um emprego para me encontrar com meu namorado. Eu não sabia se ele tinha ficado incomodado ou se isso não afetara em nada a sua vida. João não dissera uma única palavra sobre o assunto e eu queria desesperadamente perguntar, queria dizer que não era nada disso, mesmo essa minha vontade não fazendo sentido algum.
Ficar perto dele era um erro inconsequente e sem nenhum propósito. Mas aqui estava eu.
― Não - consegui dizer, sem saber pra onde olhar. Eu podia escolher entre o rosto e o abdômen nu, mas não sabia qual opção seria a mais devastadora. - Eu não conseguia dormir e fiquei inquieta, só isso.
― Sei.
Apenas essa palavra seguida pela linha fina dos seus lábios pressionados um no outro. Nós tínhamos começado a tentar ser amigos para que situações constrangedoras como essa jamais acontecessem de novo. Para que tivéssemos assuntos, para que nossas palavras preenchessem a sala ao invés desse silêncio tenso, que era muito mais ensurdecedor.
Eu não devia ter vindo até aqui. Deveria ter dormido e só voltado a me comunicar com outros seres vivos quando eu começasse a raciocinar direito. Ao invés disso, corri para o olho do furacão. Eu não sabia o que eu esperava indo até João agora. Eu queria que ele dissesse alguma coisa? Queria. Mas não cabia a ele e eu sabia que ele não falaria nada se eu não fizesse isso primeiro.
Ele parecia incomodado, eu percebi vagamente. Ele parecia incomodado por achar que eu tinha um namorado e essa percepção fez meu coração dar um pulo. Fez o torpor da minha confusão dar lugar a uma euforia que não deveria existir. Eu saboreei cada segundo dela com satisfação e com culpa, mas sem pedir perdão.
― Você deseja fazer um tour pelo meu reino? - ele foi sarcástico. Estava implicando comigo, referindo-se ao modo como o tratei na primeira vez em que conversamos depois que eu descobri que Guto era João.
Eu quase sorri, mas ele se afastou de mim, como se tivesse se arrependido de me dar qualquer tipo de abertura.
Eu recebi aquilo como um balde de água fria.
― Já está tarde, eu preciso dormir e você também.
― Eu sei - respondi rápido. Tentava buscar em seus olhos alguma certeza de que ele estivesse mesmo incomodado, mas João se fazia impossível de ler naquele momento. - Eu só queria conversar e você me disse que eu podia bater aqui, caso precisasse.
Ele se desarmou um pouco.
― Mas você não está dizendo nada. Está parada aí agindo feito uma louca.
Fale, Cali. Fale de uma vez. Diga a ele que você está mais solteira do que número ímpar.
Havia, entretanto, alguns motivos para que eu não fizesse isso.
Em primeiro lugar, qual era o propósito? Não é como se ele pudesse ser meu namorado e ao dizer isso eu estivesse abrindo a porta para que ele tentasse. Isso jamais seria possível por motivos óbvios.
Em segundo lugar, Maurício podia não ser meu namorado, mas se eu fosse mesmo visitar o Rio, eu não sabia o que poderia acontecer entre nós. Era complicado porque agora nós morávamos em Estados diferentes? Sim. Mas Helô sempre dizia que beijar não tira pedaço.
Mas o principal motivo pelo qual eu não conseguia dizer a verdade a João era pura e simplesmente por que: Eu não tinha certeza se isso, de fato, era relevante na vida dele. Ele poderia estar mais do que cagando para a minha situação amorosa e eu não queria fazer papel de idiota na sua frente.
Mais uma vez.
Deste modo, embora eu tivesse seguido o impulso de ir até o quarto do João porque pensar que ele achava que eu tinha namorado estava me matando, eu não consegui dizer que não tinha.
Complicado, eu sei. Ultimamente tudo na minha vida tem sido assim.
― Eu já te disse que sou meio louca.
― E eu não tenho como discordar disso.
Esquivei uma sobrancelha.
― Eu tenho uma pergunta pertinente - falei e ele cruzou os braços, esperando. - Por que a sua família te chama de Guto, mas você se refere a si mesmo como João?
Seus ombros caíram aliviados, como se ele estivesse esperando uma pergunta muito pior.
― Minha mãe me chamava de Guto, é um apelido de família. Mas na escola e em todos os outros lugares, todo mundo sempre me chamou de João.
― E você prefere João, eu suponho.
― Não tenho preferência, mas se conheço alguém novo, sou João. É mais fácil, já que é assim que todos me conhecem. Guto é muito íntimo.
Eu assenti, concordando. Fazia total sentido.
― Eu gosto de Augusto - deixei as palavras escaparem. - É um nome bonito.
Ele me lançou um olhar cético.
― Nós estamos realmente discutindo meu nome à meia-noite e meia de um dia de semana?
Eu encolhi meus ombros e notei quando o olhar dele desceu para o desenho que meus seios sem sutiã estavam fazendo na camisola. Seu rosto ficou rígido e todos os músculos do seu corpo se tencionaram na mesma hora. João Augusto engoliu em seco enquanto eu corava com vergonha tanto por ele estar olhando, quanto por eu querer que ele continuasse.
Involuntariamente meu olhar voou para seus ombros largos e desceu pelo seu semi-tanquinho até a barra da calça. Quando encontrei seu rosto de novo, ele me encarando de volta.
Eu também havia sido pega em flagrante. E ele também não parecia se importar. O sangue em minhas veias parecia estar entrando em combustão.
Isso estava ficando cada vez mais complicado.
Guto fez menção de se aproximar, mas acabou parado no mesmo lugar. Ele era um cara decente o suficiente para não tentar nada com uma menina comprometida. Decente o suficiente para também não tentar nada com a filha da sua madrasta? Será que isso tinha alguma coisa a ver com decência? Porque eu me sentia mesmo um pouco indecente no momento.
― Acho melhor você ir dormir.
Eu assenti, mas nenhum de nós dois conseguiu se mover. Era como se tudo nele chamasse por tudo em mim e eu não conseguisse me afastar. Como o bichinho da luz que, aconteça o que acontecer, é atraído para a lâmpada do quarto. Eu queria passar meus dedos por ele, eu queria...
― Cali.
Ele enfatizou, soando como uma advertência. É melhor você fazer isso logo ou senão...
Senão...
Eu jamais saberia. Porque eu era sensata demais para ficar ali e deixar o que vinha depois do senão acontecer. Dei boa noite e saí do quarto dele sem olhar para trás, conseguindo me libertar do feitiço. Fechei a porta com cuidado e caminhei pelo terceiro andar na ponta dos pés para que ninguém ouvisse.
― Cali - a voz do meu irmão veio da escada no momento em que alcancei a minha porta, e a minha espinha gelou.
Será que ele viu de onde eu havia saído?
Engoli em seco e me virei para ele, enquanto Hélio - agora eu podia vê-lo - vinha em minha direção. Ele parecia perturbado e meu coração batia até nos meus ouvidos de tanto que eu estava me borrando de medo. Se ele me vira saindo do quarto do João de madrugada tentando não ser vista, eu estava lascada.
― Oi? - minha voz saiu tremida e eu engoli o nervosismo.
Hélio geralmente era uma pessoa observadora e perspicaz, mas naquele momento ele parecia perdido nos próprios pensamentos. Havia uma nuvem em seus olhos e eu rezei muito pra isso não ter nada a ver com ele ter me visto.
― Eu não consegui dormir. Precisava falar com alguém e vim ver se você estava dormindo.
O alívio tomou conta de mim e eu assenti. Abri minha porta e o convidei para entrar no meu quarto, onde poderíamos conversar melhor. Hélio não era o tipo de pessoa que fazia essas coisas e a situação inusitada me preocupou. Ele esteve esquisito desde o papo sobre eu trabalhar pra ir ver o Maurício.
Eu me sentei na cadeira da minha escrivaninha, mas meu irmão ficou de pé. Meu Deus, ele estava com cara de quem tenta resolver um problema matemático impossível. Uma ruga se formou na minha testa enquanto eu o esperava achar as palavras.
― Eu fiquei pensando sem parar sobre a sua ideia de trabalhar pra voltar ao Rio e me senti um idiota - ele desabafou. Eu ainda não estava entendendo, mas a linguagem corporal dele me dizia que ele estava sofrendo.
Convenhamos, Hélio estava sofrendo desde que descobrimos sobre a mudança. Ele estava tão apaixonado pela Julia que não conseguia imaginar castigo pior do que ficar longe dela e agora eles nem estavam mais juntos justamente por isso.
Ah.
A Julia.
Agora eu começava a compreender.
― Você quer dizer, tipo, que você está se torturando por não ter pensado nisso antes? Em arrumar um jeito de ir e voltar pro Rio pra encontrar com ela?
Ele assentiu e se sentou na minha cama. Parecia derrotado, o coitado. Eu sempre achei muito nojento pensar no relacionamento amoroso do meu irmão, mas naquele momento não pude ser a Calíope-irmãzinha-implicante. Nem se eu quisesse. Naquele momento eu era a pessoa que o daria conforto, mesmo não sabendo muito bem como fazer isso.
Mas é isso o que define ser irmão.
Eu suspirei e me arrastei através das rodinhas da cadeira até para de frente para ele. Seus olhos azuis encontraram os meus e eu sabia que ele, pra variar, estava se culpando.
― Hélio, você não pode fazer isso consigo mesmo. A Julia também não pensou em uma solução e ela ainda desistiu de você.
― Ela está com medo, Cali. De não dar certo e ela se magoar.
Eu assenti, pois sabia disso. Eu gostava da Julia, pra ser sincera. Ela era uma garota legal e parecia corresponder aos sentimentos do meu irmão da mesma maneira nesses últimos oito meses em que estiveram namorando.
― Eu sei. Acho que é normal ficar insegura quando seu namorado gato vai morar em outro estado. - Ela já se sentia insegura com ele no Rio de Janeiro, quem dirá em Assunção.
― E agora que a ideia apareceu, nós não estamos nem mais juntos e não faz sentido eu aparecer por lá.
Dessa vez eu tive que discordar.
― Fala sério, o Rio é a nossa casa. Você faz uma visita e conversa com ela cara a cara, talvez ela te vendo faça com que perceba que vocês não precisam terminar. Ainda mais você tendo como voltar lá regularmente.
Ele parecia um pouco mais confiante agora.
― Até porque ano que vem eu volto a morar por lá, se eu passar no ENEM pra alguma Universidade carioca. Nunca tive a pretensão de sair do Rio.
A verdade é que nenhum de nós nunca teve. Mas aqui estávamos.
― Você vai passar - eu revirei os olhos e dei um soco no ombro dele. Se Hélio não passasse no vestibular então todo mundo poderia simplesmente largar os livros e desistir agora mesmo. Meu irmão era um maldito inteligente que estudava como se todas as matérias fossem a coisa mais fácil desse mundo.
Eu consegui arrancar um sorrisinho dele.
― Você acha que o Otávio pode me dar um emprego também?
― Eu acho que ele deve ter um cardápio de empregos disponíveis pra você escolher - eu brinquei. - Mas o problema é: como você vai estudar pro ENEM e trabalhar ao mesmo tempo? A prova é daqui a dois meses.
Hélio coçou o queixo e deu de ombros, pensando sobre o assunto.
― Sei lá, eu me viro. Vou ficar cansado, não vou ter vida social. Mas eu preciso tentar.
Eu concordei e estreitei meus olhos para ele.
― Você já sabia que iria fazer isso antes de vir falar comigo, não sabia?
Meu irmão mordeu o lábio inferior, escondendo um sorriso maroto, e passou a mão pelo seu cabelo castanho despenteado.
― Acho que sim. Acho que eu só precisava de um empurrão.
Então era essa a minha identidade secreta hoje: Calíope, a empurradora de destinos.
Me afastei dele empurrando a cama com o pé pra dar impulso, e saí rolando na cadeira pelo meu pequeno quarto até bater na escrivaninha de volta.
― Ok, agora que você já resolveu o que fazer da sua vida eu preciso tomar minhas próprias decisões também. A primeira delas é: ir dormir.
Hélio sorriu e se levantou como se tivesse tirado o peso de um camelo inteiro das suas costas. Ele me deu um abraço apertado antes de eu enxotá-lo para fora do quarto, mas me joguei na cama me sentindo uma pessoa melhor. A boa ação do dia estava feita e talvez servisse para se equiparar aos meus pecados.
De qualquer maneira eu expulsei tudo isso da minha mente e soltei um longo suspiro cansado antes de me mergulhar na inconsciência.
HI, FOLKS. O informe de hoje é curtinho. Só quero dizer que: atendendo a pedidos, fiz um grupo no facebook pros meus leitores! *AEEEEE TODOS COMEMORAM* Na verdade, eu já tinha esse grupo pros leitores do meu livro, La La Land, mas mudei tudo SÓ pra agregar vocês, leitores de SOMT, na farofa. Sintam-se importantes.
Então entrem lá pra gente papear um pouquinho/surtar um pouquinho/ser estranho junto: https://www.facebook.com/groups/315701968510463
Beijos e queijos, câmbio desligo.
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