Capítulo 1 - Marido Número Três
A verdade é que não existe dignidade em passar duas horas fuxicando as redes sociais da sua celebridade favorita.
Eu sei, eu admito. Eu tenho um problema e preciso de ajuda psicológica, mas saber que a Pixie Roxy ganhou um flamingo de jardim da mãe no último natal e que ela e o namorado passaram bronzeador achando que era protetor solar na viagem ao Havaí é muito mais interessante.
Isso já aconteceu comigo uma vez. Não no Havaí, na praia da Barra mesmo. Meus amigos dizem até hoje que a pele laranja combinou bastante com meu cabelo castanho-avermelhado, que eu deveria investir nesse visual e tal. E foi assim que eu descobri que há pessoas falsas entre nós.
Meu irmão Hélio abriu a porta do meu quarto como se respeito não existisse mais nesse mundo. Ficou olhando pra mim com aquele olhar de desaprovação de pai enquanto eu o encarava de volta, deitada na cama com o notebook no meu colo sem mexer um músculo sequer.
Pega no flagra.
― O que você acha que está fazendo? - ele perguntou. Eu tinha medo daqueles olhos azuis na pele morena, principalmente porque ele era exatamente igual ao meu pai. Bonito, estatura mediana, maxilar saltado, cabelo castanho. Hélio e Apolo eram gêmeos idênticos, mas eu podia jurar que Apolo não parecia tanto com meu pai quanto Hélio. Vai entender.
― Não darei nenhuma declaração sem a presença do meu advogado.
Ele revirou os olhos e apertou mais a maçaneta da porta. Andava tão estressado ultimamente que parecia estar em um estado crônico de TPM, o que não era nada legal. Eu sabia que ele tinha razão em ficar deprimido, mas pelo amor Deus! A Julia não foi a primeira e nem será a última namorada que ele arranjará na vida.
― O caminhão chegou, a gente precisa levar as caixas lá pra fora. Mamãe está tendo um ataque nervoso e você aí deitada se graduando na vida da Pixie Roxy.
Culpada.
Sentei num pulo e fechei o notebook antes que ele entrasse e fizesse um escândalo sobre eu não ter comprometimento com nada na vida nem ajudar a família quando é preciso. Em primeiro lugar, isso é uma grande mentira. Como todos podem ver, sou muito comprometida em saber o que a Roxy comeu no café da manhã. Além do mais, eu fui a primeira a encaixotar tudo o que eu queria levar para a nova casa e não fiquei reclamando da lerdeza de ninguém.
Mas Hélio estava de coração partido. E como todo irmão mais novo, quem pagava o pato era eu.
― Já estou indo. Mas pode mandar dizer a Hipólita que não vou carregar as coisas dela.
― Quem foi que te pediu alguma coisa, Quatro Olhos? - Hipólita apareceu atrás de Hélio como se tivesse ouvido o próprio nome. Ele deu passagem para nossa irmãzinha de quatorze anos e ela se agachou para pegar a primeira das suas caixas de coisas preciosas. Virou-se para mim, balançando os cachos falsos do cabelo loiro falso e me mediu dos pés à cabeça.
Tão patética.
― Você precisa de um bronzeado - ela disse desdenhosa. Eu esquivei uma sobrancelha.
― Se eu precisasse de um bronzeado, teria nascido bronzeada.
― Calíope, vamos logo - Hélio me apressou impaciente e Hipólita empinou aquele nariz insuportável. Os dois saíram do meu quarto enquanto eu me levantava, sem a mínima vontade de viver.
Eu não estava exatamente animada para me mudar assim tão de repente, mas quando a gente tem uma mãe maluca, é isso o que acontece. Minha mãe está indo para o marido número três e eu não sei como ela pensa que isso dará certo. Uma mulher com seis filhos deveria descartar o cara no momento em que descobrisse que ele já possui cinco por si próprio. Mas não a minha mãe, aposto que foi aí que ela começou a se apaixonar pelo Otávio e cogitar começar uma família com ele.
Uma família de onze filhos. Morando na mesma casa.
A não ser que eles estejam planejando montar um time de futebol, isso não soa muito bem.
É claro que todo mundo surtou quando mamãe veio com a novidade sobre a mudança. Depois de ter se casado com o Uruguaio sem teto que fazia malabarismo no sinal perto de casa, e feito duas filhas com ele, era difícil acreditar no bom senso da minha mãe para escolher maridos. Principalmente quando isso envolvia deixar tudo pra trás e mudar para tão longe sem nenhum plano B.
Essa mulher, ao invés de entrar na menopausa, estava ficando louca.
Alejandro era mesmo muito bonito, assim como o meu pai e o marido número três. Mas o meu pai sempre foi um idiota, Alejandro... Bem, ele era contra tomar banho de chuveiro, parecia estar chapado vinte e quatro horas por dia, usava coletes de franjinha e... Não, eu não preciso dizer mais nada. Encerro o meu caso aqui e agora com esse comentário.
Levei minhas caixas para o quintal e ajudei minha irmã de dez anos, Maia, a terminar de carregar as suas. Apolo passou o braço pelos meus ombros, com aquele sorriso sacana nos lábios que fazia todas as meninas da face da Terra que não fossem eu, Hipólita, Maia e mamãe se derreterem. A gente não pode escolher a família que tem, mas crescer com um irmão gostoso (essa é a opinião dos outros, não a minha, que fique claro) que trás pra casa os amigos do time de futsal ainda mais gostosos (essa opinião sim pertence a mim) é sacanagem.
Hipólita e eu somos como água e vinho, mas em uma coisa nós duas concordamos: Diga não à política masculina de impedir os amigos de darem uns pegas nas suas irmãs.
― Que cara de bunda é essa, Cali?
― É a única cara que eu tenho - respondi de mal humor. Tudo o que eu menos precisava era o positivismo de Apolo numa hora dessas. Era fácil ser positivo quando você não liga de verdade pra nada além de manter o estoque de sorvete sempre cheio no congelador.
Não que eu estivesse reclamando desse detalhe específico.
― Anime-se - ele sacudiu meus ombros. - Vai dizer que você nunca teve vontade de recomeçar em um lugar onde ninguém sabe quem você é? Conhecer outras pessoas...
Outras bocas, ele quis dizer.
― Sim. Mas eu vou sentir saudade dos meus amigos e do Rio - falei. Tentei não deixar transparecer o quanto aquilo importava, até porque nem eu mesma havia percebido isso até agora. Mas importava. Eu iria de verdade sentir saudade, até mesmo da minha casa e do quarto que dividi com Hipólita desde a infância. Era toda uma vida sendo deixada para trás, de certa forma, e aquilo era um tanto assustador para mim. Encolhi os ombros e Apolo puxou minha cabeça para dar um beijo.
― Eu nunca vi a mãe tão feliz assim - ele comentou, olhando para ela enquanto organizava as coisas. - Ela é doida, mas acho que dessa vez está fazendo a coisa certa.
Eu esperava realmente que sim.
― Está tudo aí dentro? - perguntou a doida, se controlando para não roer as unhas. Ela andava de um lado para o outro checando se estava tudo certo. O cabelo ruivo estava preso em um rabo de cavalo e ela pegou a última caixa das mãos de Hipólita e entregou para o motorista do caminhão.
― Fique calma, Clara. As crianças já estão todas aqui - disse o meu avô, com toda sua tranquilidade, segurando Selene no colo. Ele se encarregaria de cuidar da nossa casa em Jacarepaguá enquanto nos estabilizávamos em Assunção, a cidadezinha no Paraná onde Marido Número 3 morava com sua prole.
Mamãe soltou um longo suspiro e olhou para cada um de nós. Os olhos dela se encheram d'água, pra variar, e ela abriu os braços e puxou todos para um abraço de família que amassou a minha cara e prendeu meu braço esquerdo em uma posição muito estranha.
― Vou pegar a minha bolsa e então podemos ir.
Tirei meu iPod do bolso da calça jeans e coloquei os fones de ouvido enquanto entrávamos dentro do carro. Tínhamos umas três horas de viagem pela frente e eu não fazia ideia do que encontraria quando chegasse lá. Talvez eu esteja seguindo em direção ao purgatório ou essa seja a melhor coisa que vai me acontecer na vida. Mas, no momento, a única coisa que eu queria era apoiar a cabeça no vidro do carro e pegar no sono até chegarmos ao aeroporto, ao som do Mumford and Sons.
Heyyyyyyyy, Folks!!!
A música de hj é Little Lion Man - Mumford & sons, que era o que a Cali estava ouvindo ali no final. Espero que vocês se divirtam bastante com a história e sejam mais do que bem-vindos à família Medina-Becker!
Beijos e queijos, câmbio desligo.
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