Epílogo: Sob o Céu da Fazenda.
Epílogo: Sob o Céu da Fazenda.
A caminhonete deslizou silenciosamente pelos paralelepípedos do condomínio fechado. Joaquim estava ao volante, segurando o aro com força, enquanto eu ajustava os óculos escuros no rosto. Ele estava nervoso, era óbvio. A cada respirada mais funda dele, eu sabia que ele queria estar em qualquer lugar, menos ali. Mas esse era o nosso lugar agora - e eu estava determinado a enfrentar tudo de cabeça erguida.
Quando paramos em frente à mansão onde morei com meu pai, respirei fundo. Era estranho voltar ali depois de tudo. A casa parecia maior, mais imponente, como se quisesse me lembrar do peso que ela carregava. Joaquim tirou os óculos escuros, que combinavam com os meus, me olhando de lado.
- Tem certeza que eu deveria tá aqui? - ele perguntou, a voz mais baixa do que o normal.
Eu segurei a mão dele antes que ele saísse do carro.
- Absoluta. E, além disso, eles vão ter que se acostumar com você, amor. Vamos lá.
Apertei sua mão de leve antes de sairmos do carro. Caminhamos juntos até a entrada, e não demorou para notar que a casa estava cheia. Havia gente espalhada por todo canto - acionistas da empresa do meu pai, tios distantes, e até algumas figuras que eu sabia que nem sequer tinham sido convidadas. O cheiro de perfume caro e falsidade preenchia o ar.
Joaquim estava claramente desconfortável, mas, como sempre, ele tentava disfarçar. Eu apertei sua mão discretamente e o levei para longe das pessoas.
- Vem, vou te mostrar a casa antes que isso aqui vire uma zona completa.
Passeamos pelos corredores amplos e frios da mansão, o piso de mármore ecoando nossos passos. Mostrei a sala de estar, o escritório de Roberto e, finalmente, o meu antigo quarto. Era engraçado como ele parecia exatamente igual, mas ao mesmo tempo, tão diferente.
Joaquim olhou ao redor, as mãos nos bolsos da calça social. Ele ficou muito gato nesse terno cinza despojado, mesmo que estivesse odiando a experiência. Seus ombros largos e coxas grossas se destacavam no tecido. A voz dele interrompeu meus pensamentos indecentes.
- É aqui que você cresceu?
Assenti, observando os móveis planejados impecáveis, ainda havia tanta roupa no closet e aquela cama daria três facilmente da que eu usava na fazenda.
- É. Engraçado, né? Parece que foi em outra vida.
Estávamos em silêncio, absorvendo aquele momento, quando a porta do quarto se abriu de repente. Minha mãe estava ali, tão impecável como sempre. O vestido justo, o cabelo perfeitamente arrumado, e o sorriso falso que ela sempre usava como armadura. Ao lado dela, um homem mais jovem - o novo marido, provavelmente. Não passava de uma modelo aposentada enlouquecida com as próprias rugas e que achava que seu valor estava na validação de todos os homens que pudesse levar para a cama. Era um desserviço para a imagem de mulheres fortes como Clarice.
- Gabriel! - ela exclamou, a voz carregada com um entusiasmo ensaiado. - Que surpresa te ver aqui tão... bem.
Olhei para ela, o sangue fervendo por dentro. Joaquim permaneceu quieto ao meu lado, mas eu sentia sua tensão.
- Mãe, - respondi seco, sem tirar a mão da de Joaquim. - surpreso estou eu. Achei que já tivesse esquecido que tinha um filho.
O sorriso dela vacilou por um momento antes de voltar com força total.
- Não diga isso, querido. Claro que eu me importo. Seu pai vai fazer tanta falta...
Eu ri, um som curto e ácido.
- Você nunca se importou com ninguém além de você mesma. Nem tenta fingir que tá triste. Vai, aproveita a festa, ou o que quer que você tenha vindo fazer aqui.
Ela me lançou um olhar indignado, mas não respondeu. Apenas puxou o marido pelo braço e saiu, os saltos YSL dela ecoando pelo corredor.
Joaquim olhou para mim, os olhos preocupados.
- Você tá bem?
Eu respirei fundo, tentando soltar a raiva que havia subido.
- Tô. Só precisava colocar ela no lugar dela.
Ele não disse nada, mas apertou minha mão, o que era suficiente.
Depois daquele encontro, seguimos de volta para o andar de baixo. A leitura do testamento começaria em breve, e, sinceramente, eu não fazia ideia do que esperar. Mas, com Joaquim ao meu lado, eu estava pronto para qualquer coisa.
A sala estava cheia de vozes e cochichos, um burburinho inquieto que parecia preencher todos os cantos do lugar. Eu estava sentado ao lado de Joaquim, nossas mãos entrelaçadas, enquanto esperávamos pelo início da leitura. Ele estava claramente nervoso - dava para sentir pelo jeito que os dedos dele apertavam os meus, tentando disfarçar. Eu o encarei de canto de olho e apertei sua mão de volta, como se dissesse que estava tudo bem, que ele não precisava se preocupar.
O tabelião, um homem impecavelmente vestido, pigarreou para chamar a atenção de todos. Ele estava de pé na frente da mesa de centro, uma expressão tão fechada que parecia impossível de decifrar. Assim que ele começou a falar, a sala mergulhou em silêncio.
- Boa tarde a todos. Meu nome é Marcos Camargo, sou o responsável pela leitura e execução do testamento do senhor José Roberto Braga.
Eu não consegui evitar o nó na garganta ao ouvir o nome do meu pai assim, tão formal. As palavras pareciam distantes, quase irreais. Marcos continuou:
- Este é um documento legal que segue todas as normas e diretrizes pertinentes. Peço silêncio e respeito durante a leitura.
Ele abriu a pasta de couro que segurava, e foi como se todos na sala prendessem a respiração ao mesmo tempo. Eu mantive meus olhos fixos nele, mesmo sentindo os olhares curiosos ao nosso redor. Joaquim e eu, de mãos dadas, éramos o centro de muita atenção naquela sala cheia de figurões e parentes distantes.
- "Eu, José Roberto Braga, estando em pleno domínio de minhas faculdades mentais, redijo este testamento para assegurar que meus bens e responsabilidades sejam devidamente distribuídos após a minha morte. Reconheço que meu único herdeiro direto é meu filho, Gabriel Henrique Braga, e, portanto, a maior parte de minha herança será transferida a ele conforme estabelecido neste documento."
O ar parecia mais pesado enquanto ele lia. Eu não conseguia desviar o olhar, absorvendo cada palavra como um golpe.
- "Deixo ao meu filho, Gabriel Henrique Braga, todas as minhas propriedades, incluindo, mas não se limitando a, a mansão localizada no condomínio 'Aldeia do Vale', em Goiânia; o rancho localizado na margem do rio Araguaia próximo a cidade de São Miguel; e o apartamento localizado em São Paulo, junto com todos os bens móveis e veículos contidos neles. Além disso, transfiro a ele minhas ações na TerraFértil Group, que totalizam 51% da companhia, garantindo-lhe o controle acionário."
Eu não fiquei surpreso, exatamente. Eu sabia que, como único filho, isso tudo seria meu. Mas ouvir as palavras concretas ali, na frente de tanta gente, fez parecer mais real.
- "Quanto à presidência da empresa TerraFértil Group, declaro que, caso Gabriel Henrique Braga decida não assumir a posição, a presidência será transferida ao meu contador e amigo de longa data, Juliano de Campos Almeida . Confio plenamente na integridade e competência de Juliano para gerir a empresa e zelar pelo legado que construí."
Meus olhos buscaram Juliano no meio da sala. Ele parecia abalado, os ombros caídos como se carregassem um peso que ele não queria. Eu sabia que ele era um homem bom, talvez até melhor para aquele cargo do que eu jamais seria. Era nítido o quanto ele sempre adorou meu pai, que confiava nele de olhos fechados, eles trabalharam juntos por quase 30 anos. Imagino que não tenha sido uma perda fácil, Juliano foi a primeira pessoa a quem meu pai contou da doença.
Marcos limpou a garganta e continuou:
- "Por fim, declaro que a fazenda Braga, localizada no interior do estado de Goiás, junto com todos os seus recursos, e o valor atualmente armazenado no cofre do escritório dessa propriedade, serão herdados por Joaquim Francisco da Silva, que foi meu capataz e administrador da fazenda por anos, e cujo trabalho e dedicação garantiram a prosperidade da propriedade. Confio que Joaquim saberá administrar a fazenda com a mesma competência que demonstrou durante minha vida."
Olhei para Joaquim ao meu lado, e ele parecia congelado. A surpresa estava estampada em seu rosto, e ele murmurou algo que eu mal consegui ouvir. Eu apenas apertei sua mão mais forte, segurando um sorriso. Ele merecia isso, mesmo que ainda não acreditasse.
- Ei, - sussurrei, me inclinando para ele. - Meu pai sabia o que estava fazendo. Isso é seu agora.
Ele balançou a cabeça devagar, como se ainda estivesse tentando processar. Mas, no fundo, eu podia ver um pequeno sorriso começar a surgir em seus lábios.
- Só vou fazer isso funcioná porque ocê tá comigo - ele disse baixinho.
Sorri para ele, sentindo um peso estranho se levantar dos meus ombros. Apesar de tudo, ali sentado na casa onde passei tantos momentos conflitantes com meu pai, eu finalmente sentia paz.
O tabelião continuou lendo, sua voz firme preenchendo a sala enquanto passava para as partes menos impactantes para mim, mas que claramente interessavam aos outros presentes.
- "Ao meu amigo e parceiro de longa data, Antônio Marques, deixo o barco Sol Brilhante, atualmente atracado na Marina da Glória, no Rio de Janeiro. As memórias das nossas velejadas e conversas ao som do mar são um dos poucos prazeres que guardo com carinho."
Houve um leve murmúrio na sala, e Antônio, um senhor de cabelos brancos e aparência tranquila, deu um sorriso discreto e um aceno de agradecimento. Meu pai sempre gostou dele, e eu também. Aquilo fazia sentido.
Então, o tom do tabelião mudou, como se ele tivesse ensaiado para não demonstrar reação ao próximo item.
- "À minha ex-esposa, Maria Beatriz Leal, a quem dediquei anos de minha vida, deixo um envelope, que deverá ser aberto imediatamente após esta leitura."
Minha mãe, que estava sentada na sala com seu marido atual - um cara cujo nome eu nem me incomodei em lembrar -, imediatamente sorriu, aquele tipo de sorriso que só ela conseguia fazer parecer tão falso. Ela estendeu a mão delicadamente para o envelope, tentando parecer superior, mas eu conhecia aquela mulher. Ela achava que ali dentro havia dinheiro. Muito dinheiro.
Enquanto o tabelião continuava a leitura, ela já estava rasgando o envelope com uma pressa nada sutil. A sala ficou em silêncio quando ela puxou o conteúdo de dentro e percebeu que não era o que esperava.
Primeiro, vieram as fotos, enormes e escorregadias, que caíram do envelope e se espalharam no chão. Eu reconheci algumas de imediato: ela, em quartos de motel, abraçada ou beijando outros homens, e por sua aparência jovem devia ser enquanto ainda era casada com meu pai. A expressão no rosto dela foi uma mistura de choque, raiva e vergonha, e eu quase ri da ironia.
Mas o bilhete, lido em voz alta pelo tabelião para que não houvesse dúvidas, foi o que selou o momento.
- "Maria Beatriz, durante anos, me perguntei como fui tão idiota a ponto de me casar com você. Ao longo do tempo, descobri que a única coisa boa que você me deu foi o Gabriel. Ele é melhor do que nós dois juntos jamais fomos ou seremos. Se eu pudesse voltar no tempo, teria me casado com uma vaca; ao menos ela não teria me traído."
A sala ficou em silêncio absoluto por um instante, antes que alguém no fundo soltasse um riso abafado. Minha mãe, por outro lado, ficou vermelha como um tomate. Seu marido tentou dizer algo para confortá-la, mas ela simplesmente se levantou furiosa, amassando as fotos nas mãos.
- Isso é um ultraje! - ela disparou, a voz carregada de indignação. - Seu pai era um homem mesquinho e...
- E você não era diferente, mãe - interrompi, a voz baixa mas carregada de um peso que fez ela calar a boca. - Ele sabia disso. Todos nós sabemos disso. Então, por favor, poupe o escândalo e a vergonha.
Ela me olhou como se fosse explodir, mas não disse mais nada. Apenas jogou o envelope amassado no chão e saiu da sala com passos firmes, arrastando o marido como um cachorro atrás dela.
Quando a porta da frente bateu, o silêncio se desfez com murmúrios entre os convidados. Eu me recostei no sofá, tentando esconder o sorriso satisfeito que ameaçava surgir. Joaquim, ao meu lado, olhou para mim e balançou a cabeça.
- Preciso admití... teu pai sabia ser direto - ele disse, com um tom entre divertimento e incredulidade.
- Ele sabia - respondi, olhando para a porta por onde minha mãe havia saído. - E eu não poderia estar mais grato por isso.
Quando o tabelião chegou à última parte do testamento, ele parecia lutar contra um sorriso que ameaçava escapar. Ele limpou a garganta, ajeitou os óculos e segurou um pedaço de papel dobrado com delicadeza.
- A última vontade de José Roberto Braga, - ele começou, abrindo o bilhete que claramente fora escrito à mão pelo meu pai. - Isso foi escrito pelo próprio punho do falecido, e... bem, creio que devo apenas ler.
A sala caiu em um silêncio curioso, e eu me ajeitei no sofá, tentando esconder minha impaciência. Joaquim, sentado ao meu lado, parecia tenso, mexendo no colarinho da camisa como sempre fazia quando estava nervoso.
O tabelião prosseguiu:
- "Por fim, quero deixar claro que, onde quer que eu esteja, vou arrumar um jeito de voltar e dar um soco na cara do Joaquim se ele não se casar com o meu menino, Gabriel. Depois de todo o trabalho e dor de cabeça que vocês dois me deram, a última coisa que quero é que desperdicem essa chance de serem felizes. Então, Joaquim, faça a coisa certa, ou eu prometo que vou puxar seu pé toda noite."
O tabelião não conseguiu segurar a risada ao terminar de ler, e logo o resto da sala o acompanhou. Até mesmo eu, com toda a dor que ainda carregava pela perda do meu pai, não pude evitar um sorriso. Só ele seria capaz de deixar algo assim como última mensagem.
Joaquim, por outro lado, estava completamente vermelho. Ele arregalou os olhos, balançou a cabeça incrédulo e, com uma risada nervosa, murmurou:
- Esse velho desgraçado...
Eu ri alto dessa vez, o som ecoando pela sala. Segurei a mão dele, entrelaçando nossos dedos, e olhei para ele com uma expressão divertida.
- Bem, parece que você não tem muita escolha, capataz - provoquei, apertando sua mão com força.
Joaquim suspirou, ainda mais nervoso, mas sorriu de volta para mim, aquele sorriso tímido que eu sabia que ele tentava esconder.
- Pelo visto, nem depois de morto ele vai me deixar em paz...
A sala explodiu em risadas, e eu só conseguia pensar no quanto aquele momento era a cara do meu pai. Ele tinha encontrado um jeito de fazer todo mundo rir mesmo em meio à despedida. E, de alguma forma, aquilo parecia exatamente o que precisávamos.
XXX
O sol mal tinha despontado no horizonte quando a caminhonete finalmente cruzou a porteira da fazenda. O céu tingido de laranja e rosa refletia na terra úmida, e a névoa fina sobre os campos dava ao lugar um ar de paz absoluta. Depois de tudo, depois do furacão que virou nossas vidas de cabeça para baixo, finalmente estávamos de volta.
Joaquim dirigia com uma mão no volante e a outra descansando perto da minha perna, como se precisasse sentir que eu ainda estava ali. No banco de trás, Clarice dormia, encolhida sobre a mochila, a respiração lenta e tranquila. Ela tinha passado por um inferno junto comigo, e agora merecia descanso.
Suspirei fundo quando avistei a casa grande ao longe. O cheiro de terra molhada, o som distante do gado e o vento fresco da manhã fizeram algo dentro de mim se acalmar. Ali era o meu lugar. O nosso lugar.
Joaquim me lançou um olhar rápido antes de reduzir a velocidade ao entrar na estrada de terra que levava até a sede. O sorriso de canto, o brilho nos olhos castanhos... Ele também sentia. Aquele pedaço de chão era mais do que apenas terras herdadas ou um refúgio temporário. Era lar.
Quando o motor finalmente silenciou, ficamos alguns segundos ali, apenas respirando, absorvendo o momento. Clarice resmungou sonolenta e se mexeu no banco traseiro, mas não acordou.
- Pronto pra voltar pra casa? - Joaquim perguntou, a voz baixa e rouca da falta de sono.
Virei o rosto para ele e sorri. Não precisei responder. Apenas entrelacei nossos dedos, apertando firme.
Sim, eu estava. Nós estávamos.
Olhei para a casa grande, os telhados avermelhados contrastando com o azul pálido do céu da manhã. Quem me visse ali, sentado na caminhonete ao lado de Joaquim, de mãos dadas com ele, provavelmente nunca imaginaria tudo que passamos para chegar até aqui. Mas eu sabia. Eu lembrava de cada detalhe.
No começo, tinha sido tudo errado. Minha chegada na fazenda, meu jeito arrogante, minha birra infantil com Joaquim. E ele, com aquele orgulho danado, aquele jeito bruto de ser, me provocando, me desafiando, me tirando do eixo toda vez que nos encontrávamos. Foi engraçado, agora que penso. O tanto que tentamos resistir, como se isso fosse impedir alguma coisa.
Mas a verdade é que não há força no mundo capaz de impedir o amor quando ele acontece de verdade.
Eu demorei a entender isso. Demorei mais ainda a entender a mim mesmo. Passei a vida toda sendo moldado por expectativas que não eram minhas, tentando caber em uma caixa que me sufocava, tentando ser o que meu pai queria, o que a sociedade esperava, o que seria mais fácil. Mas nada disso segurou a tempestade que Joaquim despertou em mim.
E a tempestade veio forte.
Nosso amor nunca teve espaço para ser fácil. Desde o começo, fomos cercados por olhares tortos, desconfianças, preconceito. Tínhamos que nos esconder, medir palavras, agir com cuidado. Como se amar um homem fosse algo errado. Como se sentir o que eu sentia por Joaquim fosse pecado.
Mas não era. Nunca foi.
O verdadeiro pecado era o ódio, a intolerância, o medo que tentavam nos impor. O verdadeiro erro era deixar de viver por conta da ignorância dos outros.
A gente sofreu. Teve medo. Tentou se afastar. Mas, no fim, amar era mais forte. Sempre foi.
A coragem de amar alguém de verdade não estava apenas em enfrentar os outros. Estava em se permitir ser quem se é, sem desculpas, sem vergonha. Estava no Joaquim, que por tanto tempo achou que o amor não era algo para ele, mas que me segurou firme quando o mundo desabou. Estava em mim, que encarei meu pai, minha família, e tudo o que me diziam ser certo, para escolher o que realmente importava.
O amor não é fraco. Amar é um ato de resistência. De coragem.
Joaquim apertou minha mão de leve, e eu voltei para o presente, encontrando seu olhar atento sobre mim. Ele não precisou perguntar no que eu estava pensando. Ele sabia.
Sorri para ele.
- Vamos entrar? - perguntei, minha voz carregando não só a pergunta, mas também tudo o que significava estar ali com ele.
Joaquim sorriu de volta.
- Vâmo pra casa.
Desci da caminhonete sentindo o ar fresco da manhã encher meus pulmões. O cheiro da terra molhada pelo sereno, do mato misturado ao café recém-passado na cozinha da casa grande, o som distante do gado e dos pássaros despertando com o sol. Tudo aquilo agora era meu lar. Nosso lar.
Clarice saiu pelo outro lado, espreguiçando-se com um sorriso preguiçoso, enquanto Joaquim vinha até mim, as mãos nos bolsos da calça jeans, os olhos quentes de quem sabia que finalmente estávamos onde deveríamos estar.
E, pela primeira vez, eu não precisei pensar duas vezes.
Apenas estendi a mão e o puxei para mim.
Joaquim sorriu contra minha boca antes de retribuir o beijo, as mãos firmes segurando minha cintura. Não havia pressa, nem desespero, apenas o gosto da liberdade, o peso de tudo o que passamos se desfazendo ao vento. Ali, sob o céu claro daquela fazenda que nos viu lutar, esconder, cair e levantar, finalmente podíamos ser apenas nós.
E que coisa poderosa era essa: amar alguém sem medo.
O amor que meu pai tentou me ensinar a encontrar não estava em bens, em heranças, em prestígio. Estava ali, no toque áspero das mãos de Joaquim, na gargalhada de Clarice ao nos ver juntos, no calor do sol sobre nós enquanto dávamos um passo adiante, dessa vez sem precisar olhar para trás.
Eu havia encontrado meu caminho.
Sob o céu da fazenda.
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