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Capítulo 25: Aqui Jaz.



Capítulo 25: Aqui Jaz.

Ainda estava escuro quando Cristiane colocou a última xícara de café sobre a mesa. A cozinha era só o som das colheres contra a cerâmica e o cheiro do café fresco. Joaquim terminava o dele em silêncio, enquanto eu só olhava para a fumaça subindo da minha xícara, tentando organizar os pensamentos. Não dava. Nada fazia muito sentido.
- Prometam dar notícias assim que chegarem. - Cristiane quebrou o silêncio, puxando seu xale sobre os ombros.
- A gente promete. - Joaquim respondeu, com aquele tom calmo que sempre parecia resolver tudo. Eu só assenti, desviando o olhar.
Nos despedimos ali mesmo, perto da porta. O abraço dela foi firme, e eu tive a impressão de que durou um segundo a mais do que deveria. Talvez ela estivesse tentando me dar algum tipo de força que eu não sabia se conseguiria usar.
Joaquim e eu entramos na caminhonete. O banco ainda estava meio gelado do sereno da madrugada. Ele ajeitou o espelho, ligou o motor, e logo estávamos na estrada. O som das rodas contra o chão de terra e o barulho do motor eram tudo o que se ouvia. O céu, ainda preto, começava a esboçar um tom acinzentado no horizonte.
Eu encostei a cabeça na janela, vendo os vultos escuros das casas passarem rápido do lado de fora. Não era só o silêncio da estrada que me consumia; era o vazio dentro de mim. Uma confusão que parecia impossível de explicar. Eu estava indo ver meu pai morrer.
Não era assim que eu imaginava que seria. Quando pensava no meu pai, sempre via aquele homem de terno impecável, de sorriso confiante e porte altivo, o homem que fazia parecer que o mundo inteiro girava ao redor dele. José Roberto Braga, o empresário que conquistou tudo. O pai que me deu de tudo: as melhores escolas, as viagens mais incríveis, brinquedos que toda criança sonhava e, claro, essa caminhonete. Ela ainda tinha um pouco do cheiro do couro novo de quando a recebi no meu aniversário de 18 anos. Eu lembro de como ele estava orgulhoso naquele dia, com aquele sorriso que parecia dizer: "Eu te dou o melhor porque é isso que você merece."
Mas agora... agora ele estava morrendo. Um câncer terminal, e eu não sabia nem o que sentir. Não dava para odiá-lo, apesar de toda mágoa que acumulamos nos últimos anos, apesar do jeito que me humilhou na fazenda. Ele era meu pai, do jeito mais torto e errado que poderia, mas ainda. Era parte de quem eu sou, uma dualidade no meu peito, caminhava na linha tênue entre uma mágoa eterna e as lembranças boa. E isso doía mais do que eu estava preparado para admitir.
- Tá muito quieto aí... - Joaquim falou baixinho, tirando uma das mãos do volante para tocar meu joelho. O gesto foi suave, mas carregado de preocupação.
Olhei para ele. Seus olhos estavam fixos na estrada, mas ele me conhecia bem demais para não perceber como eu estava.
- Só tô... pensando. - Minha voz saiu mais baixa do que eu queria.
Ele não respondeu. Só apertou meu joelho de leve e continuou dirigindo, como se dissesse: "Tô aqui, tá?". Era tão simples, mas me segurava como uma corda firme no meio do furacão.
E ali, naquele silêncio pesado, eu só conseguia pensar na ironia de tudo. A vida que meu pai construiu para ele e pra mim, com tanto esforço, era a mesma que agora ele estava deixando para trás. A casa, os bens, até a fazenda... Tudo parecia tão grande, e ao mesmo tempo, tão insignificante perto da morte.
Virei o rosto de novo para a janela, os olhos pesados e a garganta apertada. O céu lá fora começava a clarear, um tom alaranjado cortando o horizonte. E eu não sabia se estava mais assustado com o dia que vinha chegando ou com o que ele poderia trazer.

[...]

A viagem seguia em um ritmo quase monótono. O ronco constante da caminhonete, o vento frio da manhã entrando pela janela aberta de Joaquim, e a estrada que parecia infinita. Mas, dentro de mim, tudo era um caos. A cada quilômetro que nos aproximava de Goiânia, a ansiedade crescia como uma bola de neve, esmagando tudo.
- Ei, come um pouco disso. - Joaquim estendeu um salgado que tinha pegado em uma lanchonete no caminho. Ele segurava o volante com uma mão, mas o olhar de lado dizia tudo: preocupado e insistente.
Peguei o salgado, mais para não decepcioná-lo do que por fome. Mordi duas vezes e já estava cheio. Meu estômago parecia incapaz de suportar qualquer coisa.
- Não consigo comer mais. - Entreguei o que sobrou para ele, sentindo o olhar preocupado que ele lançou antes de aceitar.
- Tá bom, mas mais tarde ocê vai comer, Gabriel. - Ele falou com firmeza, mas sem perder o tom carinhoso.
Assenti, sem muita força para discutir. Joaquim deu mais uma olhada rápida em mim antes de voltar sua atenção para a estrada. Sabia que ele queria insistir mais, mas estava respeitando o espaço que eu precisava naquele momento.
As horas se arrastaram. Mais de três na estrada, o tempo parecendo mais longo do que realmente era. Quando finalmente nos aproximamos de Goiânia, o trânsito parecia nos engolir. O fluxo de carros era insuportável, barulhento e lento, como se a cidade não tivesse pressa nenhuma enquanto a minha cabeça gritava.
A ansiedade estava ficando impossível de controlar. Meu peito parecia apertado, os pensamentos acelerados e desconexos. Quando começamos a nos aproximar do hospital, foi como se todo o ar no meu corpo resolvesse desaparecer de uma vez.
- Joaquim... p-para o carro!! - Minha voz saiu urgente, quase um pedido de socorro.
- Quê? - Ele me olhou de relance, já preocupado.
- Por favor... para o carro! - quase gritei, cobrindo a boca com a mão.
Sem hesitar, ele deu seta e encostou no acostamento. Antes mesmo de o veículo parar completamente, eu abri a porta e desci às pressas.
A bile queimou minha garganta antes que eu pudesse me inclinar para frente e vomitar. Era só água e um pouco do salgado que ele tinha me feito comer, mas a sensação era horrível. O mundo girava, e eu só conseguia me segurar na porta da caminhonete, tentando recuperar o fôlego.
Joaquim logo estava ao meu lado, uma mão forte e firme segurando meu ombro enquanto a outra me dava um lenço de papel.
- Respira, Gabriel. Devagar. - A voz dele era calma, quase um sussurro, enquanto ele passava a mão pelas minhas costas, subindo e descendo em um ritmo que parecia querer me trazer de volta à realidade.
- Desculpa. - Consegui dizer entre arfadas, limpando a boca com o lenço.
- Para com isso. Não tem nada que desculpar. - Ele apertou meu ombro, me forçando a olhar para ele. - Tá nervoso, eu sei. Mas ocê não tá sozinho, tá? Eu tô aqui.
Engoli em seco, tentando acreditar naquelas palavras. Joaquim era sólido, um porto seguro em meio ao caos. E, naquele momento, eu precisava disso mais do que nunca.
Depois de uns minutos, ele me ajudou a voltar para o banco da caminhonete, fechando a porta com cuidado antes de entrar também.
- Quando a gente chegar, se cê precisar de um tempo, a gente espera, tá? Não precisa entrar correndo igual cavalo assustado.
Assenti, ainda sem conseguir dizer muito, mas sentindo a calma que ele tentava me passar. Era estranho como ele sempre parecia saber exatamente o que eu precisava, mesmo quando nem eu sabia.
O hospital estava perto agora, e o nó no meu peito apertava mais a cada rua que passávamos. Eu só esperava conseguir me segurar o suficiente para enfrentar o que estava por vir.
Dentro da caminhonete, era como se o chão debaixo dos meus pés fosse feito de areia movediça. Minhas pernas tremiam, como se fossem feitas de gelatina, e tudo dentro de mim parecia desconectado, fora de sintonia com o mundo ao meu redor. Me sentia desconfortável dentro do próprio corpo, como se fosse um estranho ali.
Do lado de fora do portão do hospital, uma mocinha estava vendendo flores. Ela tinha uma aparência humilde, mas havia algo delicado em seu jeito de arrumar os buquês simples em uma caixa improvisada. Fiquei parado por um segundo, observando-a com um nó ainda maior se formando na garganta.
- Espera aqui. - Falei para Joaquim, que me olhou confuso, mas acenou, me observando descer.
Caminhei até a garota, que me recebeu com um sorriso tímido.
- Quanto pela rosa branca? - perguntei.
- Dez reais. - Ela respondeu, ajustando o lenço na cabeça com as mãos cheias de pequenas manchas de tinta das flores.
Peguei a carteira e tirei uma nota de 200. Quando entreguei, ela arregalou os olhos.
- Eu não tenho troco pra tudo isso, moço.
- Fica com o troco. - Falei, sem pensar muito.
Ela hesitou, mas depois aceitou, um sorriso agradecido iluminando seu rosto. Voltei para a caminhonete com a rosa na mão, sentindo um peso ligeiramente menor no peito. Joaquim me esperava com o olhar curioso.
- É pra ele. - Expliquei, levantando a flor.
Ele apenas assentiu, apertando meu ombro brevemente antes de abrirmos caminho pelo portão principal.
O estacionamento era enorme, com carros caros alinhados de forma impecável. Não demoramos muito para achar uma vaga, mas o peso no meu peito parecia crescer a cada passo em direção à entrada do hospital.
Assim que passamos pelas portas automáticas, fui engolido por uma mistura de luzes brilhantes e o silêncio abafado típico de hospitais caros. A recepção era um salão gigantesco, com várias cadeiras pretas enfileiradas e poltronas espalhadas, tudo em tons neutros e chiques. As pessoas, em sua maioria, estavam bem vestidas, o que só reforçava a ideia de que estávamos em um lugar para quem podia pagar muito.
Fomos direto para o balcão da recepção. Tive que pegar uma senha para atendimento, algo tão burocrático que parecia surreal, considerando o motivo da nossa visita. Com o número na mão, me sentei em uma das cadeiras, sentindo Joaquim ao meu lado.
Ele não precisou dizer nada. Pegou minha mão e entrelaçou seus dedos nos meus, o calor da sua palma tentando compensar o frio que parecia ter tomado conta do meu corpo. Sem pensar muito, deitei a cabeça no ombro dele, fechando os olhos por um momento.
- Tá todo mundo olhando. - Joaquim murmurou baixo, mas com uma pontinha de humor.
- Que olhem. - Respondi, pela primeira vez na vida, sem me importar com os olhares tortos ou os murmúrios que vinham de algumas pessoas.
Estávamos ali para algo muito maior do que preconceito alheio. Eu não tinha espaço na cabeça pra me importar com isso agora. O que importava era que ele estava ali comigo, firme e sólido, enquanto o resto do mundo parecia desmoronar.
A senha piscou no painel eletrônico. Era minha vez. Soltei a mão de Joaquim devagar e levantei, as pernas ainda parecendo feitas de borracha, mas pelo menos estavam me sustentando. Caminhei até o guichê com ele logo atrás de mim, como se fosse minha sombra protetora.
A mulher atrás do balcão me recebeu com um sorriso formal, desses que parecem treinados para passar uma simpatia artificial. Passei os documentos que ela pediu - identidade, CPF e o número do quarto de Roberto. Ela digitou tudo no computador e, após alguns minutos, entregou-me um crachá com "Acompanhante" impresso em letras grandes e um cordão laranja fosforescente.
- É só colocar no pescoço e passar pela catraca, senhor. Boa visita.
Fiz o que ela instruiu e me virei para Joaquim. Nós dois caminhamos até a catraca, onde um segurança alto e parrudo nos aguardava. Ele olhou para o meu crachá e assentiu, mas assim que Joaquim deu um passo para seguir, o homem ergueu a mão, bloqueando o caminho.
- Só uma pessoa pode entrar, senhor.
Engoli em seco. Eu sabia que as regras eram essas, mas Joaquim estava ali comigo, e a ideia de enfrentar tudo aquilo sozinho me deixava ainda mais aflito. Antes que ele pudesse insistir ou discutir, puxei um maço de notas do bolso da calça - coisa que aprendi com meu pai em situações onde "diplomacia" era necessária.
Sorri discretamente para o segurança enquanto segurava as cédulas dobradas.
- Escuta, meu amigo... - Comecei, baixando o tom de voz. - É uma situação complicada, sabe? Família, hospital... A gente tá precisando muito disso aqui. Dá pra dar um jeitinho?
Entreguei as notas para ele, que as pegou rapidamente, escondendo-as em um movimento quase invisível. Ele suspirou e olhou para os lados, como se verificasse se alguém estava prestando atenção.
- Tá bom, mas sejam rápidos.
- Pode deixar. Obrigado.
O homem liberou a passagem, e Joaquim, sem dizer nada, apenas me lançou um olhar que dizia tudo. Ele segurou minha mão por um segundo enquanto atravessávamos a catraca juntos, a firmeza no toque me dando um resquício de tranquilidade.
Fomos até o elevador, e o som das portas metálicas se abrindo pareceu mais alto do que deveria. Joaquim apertou o botão para o andar do quarto de Roberto, e, enquanto o elevador subia, ele apertou minha mão, me encarando com um olhar firme.
- Qualquer coisa, tô aqui, viu?
Assenti, sem palavras, mas grato.
As portas do elevador se abriram com um som suave, e nós saímos direto para um corredor impecavelmente branco. O chão de porcelanato brilhava tanto que quase refletia nossos passos, enquanto um sol morno entrava pelas janelas de blindex, iluminando o espaço com uma luz delicada, quase acolhedora. Na parede, uma pintura de Jesus Cristo parecia nos observar. Ele estava calmo, sereno, com uma expressão que mais transmitia aceitação do que julgamento.
Eu encarei aquela imagem por um momento, tentando encontrar ali algum tipo de resposta para as perguntas que rondavam minha mente como abutres famintos. Será que ele realmente tinha um plano para o que vinha depois? Será que o céu e o inferno eram reais? Será que eu estava condenado por amar Joaquim? A ideia me corroía por dentro, mas ao mesmo tempo parecia ridícula. Se amar alguém como Joaquim era um pecado, então talvez o inferno não fosse tão ruim assim.
- Gabriel. - A voz de Joaquim me trouxe de volta à realidade.
Eu pisquei, me dando conta de que estava parado no meio do corredor. Joaquim tinha parado em frente a uma porta, uma expressão suave no rosto.
- Chegamos. - Ele disse baixinho, como se falasse comigo e não quisesse perturbar o silêncio do lugar.
Engoli em seco. Meu corpo travou completamente, como se uma âncora invisível estivesse me puxando para trás. Olhei para a porta do quarto de Roberto como se ela fosse um portal para um destino que eu não queria enfrentar. Meu coração disparava como se quisesse escapar do meu peito, e minhas mãos começaram a suar.
- Eu... - tentei falar, mas a palavra morreu antes de sair de verdade.
Joaquim se aproximou, ficando tão perto que sua presença parecia envolver todo o meu ser. Ele colocou uma mão firme, mas gentil, no meu ombro e inclinou-se para sussurrar no meu ouvido:
- Cê consegue, Gabriel. E eu vô te ajudar, até o fim, viu? Sempre.
A doçura e a certeza na voz dele atravessaram todas as minhas barreiras. Meus olhos começaram a arder, mas de um jeito que não era ruim. Ele sempre fazia isso: pegava todos os meus pedaços quebrados e os colocava no lugar, sem pressa, mas com a força de alguém que sabia exatamente o que estava fazendo.
E foi nesse momento que eu tive a certeza. Se o inferno me esperava por amar Joaquim, que viesse com fogo e enxofre. Porque, com ele ao meu lado, qualquer lugar seria o paraíso.
Respirei fundo, me preparando. Então, sem pensar muito, levantei a mão e girei a maçaneta.
Quando a porta se abriu, o silêncio do quarto pareceu ficar ainda mais pesado. Lá estava ele, deitado na maca, o corpo parcialmente coberto por um lençol branco. Roberto parecia quase o mesmo homem de sempre - os traços fortes e a postura que outrora exalavam autoridade ainda estavam lá, mas havia algo diferente, algo que denunciava a proximidade do fim. Ele estava pálido, as olheiras marcando seu rosto como sombras profundas.
Não havia muitos aparelhos ligados a ele, apenas um monitor que marcava seus batimentos cardíacos com um bip constante e ritmado. Seus olhos estavam fechados, e por um momento ele parecia tão sereno que era fácil fingir que tudo isso não estava acontecendo. Mas o som da porta batendo na parede quebrou o encanto.
Roberto abriu os olhos lentamente, e quando seus olhos encontraram os meus, eles imediatamente se encheram de lágrimas.
- Filho... você veio... - ele disse, a voz fraca, mas carregada de uma emoção tão intensa que me atingiu como um golpe.
Eu tentei segurar o choro, mas era inútil. As lágrimas vieram com força, me deixando sem ar, e antes que eu percebesse, já estava indo em direção à cama, os soluços escapando como se eu tivesse voltado a ser aquele menino pequeno que corria para o colo dele quando algo dava errado.
- Pai... - foi tudo o que consegui dizer antes de desabar ao lado da maca.
Roberto, com dificuldade, se sentou, o corpo tremendo com o esforço. Mas ele me abraçou, seus braços frágeis envolvendo-me como podiam. Aquele abraço, mesmo enfraquecido, carregava o peso de toda uma vida - as lembranças boas, as brigas, os momentos de orgulho e também os de mágoa. Eu me agarrei a ele como se pudesse evitar o inevitável, como se pudesse impedir que ele fosse embora.
Enquanto isso, Joaquim ficou quieto, apenas encostado no batente da porta. Ele não disse nada, mas seu olhar estava fixo em nós dois, cheio de uma ternura silenciosa. Ele sabia que aquele momento era só nosso e respeitou isso com a paciência e a delicadeza que só ele tinha.
E ali, naquele quarto tão frio e branco, o tempo pareceu parar. Não importavam as mágoas, as palavras não ditas ou os erros do passado. Só importava que estávamos juntos. E isso, de alguma forma, já era o suficiente. Eu senti tanta raiva dele nesse último mês, talvez ainda devesse sentir e muitos podem me ver como um pamonha agora, mas eu não ligava. Meu coração nunca foi genuinamente odioso, e ele havia acabado de perdoar esse homem.
Ficamos ali, por um tempo que eu não soube medir, presos naquele abraço. O silêncio parecia ser o único idioma que conseguíamos falar naquele momento. Eu estava com a cabeça encostada em seu ombro, e a respiração dele, embora irregular, era reconfortante, como se ainda pudesse me proteger de alguma coisa.
Depois de um tempo, me afastei apenas o suficiente para olhar para ele, os olhos ainda marejados. Eu precisava entender, precisava de respostas que, até agora, nunca tinha tido coragem de pedir.
- Pai... - comecei, a voz baixa e hesitante. - Há quanto tempo você sabe disso? Do... câncer?
Ele suspirou profundamente, como se a pergunta fosse pesada demais para ser respondida. Por um momento, pensei que ele não fosse dizer nada, mas então, ele finalmente falou:
- Foi no ano passado. Naquela época... quando você largou a faculdade de direito.
Fiquei em silêncio, tentando assimilar o que ele tinha acabado de dizer. Ele continuou:
- Eu passei mal um dia... uma dor de cabeça que achei que era só o estresse, sabe? Um lado do meu corpo estava meio dormente, e eu caí na empresa... Fui para o hospital, e os médicos suspeitaram. Fiz alguns exames... e eles confirmaram a doença. Já estava avançada.
Meu coração deu um salto desconfortável no peito. Ano passado. Foi também quando ele começou com aquelas cobranças insanas, como se quisesse que eu consertasse toda a minha vida de uma vez só.
- Então... foi por isso que você começou a ser tão duro comigo? - perguntei, quase sem acreditar. - Essa história de trabalho, casamento, de assumir a empresa...
Roberto fez um gesto cansado com a mão, como quem se entrega.
- Eu só queria ter certeza de que você estaria bem, Gabriel. Que não iria desperdiçar sua vida. Tudo o que eu fiz, todas as decisões... - Ele fez uma pausa, a voz tremendo um pouco. - Tudo foi por você. Para garantir que você tivesse um futuro. Mas eu percebi que te mimei demais também, nunca te ensinei a caminhar com as próprias pernas... O medo de morrer e te deixar desamparado nesse mundo ruim me deixou cego.
Engoli em seco, sentindo um nó se formar na garganta. Eu sabia que ele estava dizendo a verdade, mas isso não apagava o peso que aquelas escolhas tinham jogado em cima de mim.
- Você achou que me empurrando tudo de uma vez seria o melhor jeito de me preparar? Nem mesmo me contou que estava doente! - murmurei, sem conseguir esconder o tom amargo.
Ele me olhou com os olhos cheios de culpa, mas também de algo que parecia... arrependimento.

- Talvez eu tenha errado no jeito, não... Agora eu sei que errei demais - admitiu, a voz fraca. - Mas eu só tinha medo. Medo de não estar aqui pra te ajudar quando você precisasse.
O silêncio voltou a se instalar entre nós, mas desta vez, ele parecia diferente. Menos pesado. Joaquim continuava ali, quieto, como um pilar que me mantinha de pé mesmo sem dizer uma palavra.
Eu queria ficar bravo, queria gritar com ele por ter me feito carregar tanto peso sem entender o motivo. Mas a verdade era que, naquele momento, tudo parecia pequeno diante da realidade de que ele estava indo embora. E isso... isso doía mais do que qualquer outra coisa.
Roberto segurou minha mão com força. A dele estava fria, pálida, mas o aperto ainda tinha um resquício daquela firmeza que sempre marcou sua personalidade. Por um tempo, ele ficou em silêncio, como se buscasse coragem dentro de si. Quando finalmente falou, sua voz era baixa e hesitante, um tom que eu nunca tinha ouvido antes.
- Me desculpe, filho.
Eu travei, completamente pego de surpresa. Por um momento, fiquei sem saber como reagir. Roberto nunca havia pedido desculpas por nada. Não era o tipo de homem que voltava atrás ou admitia um erro.
- O quê? - murmurei, achando que talvez tivesse entendido errado.
Ele suspirou, os olhos indo de mim para Joaquim, que ainda estava quieto, observando tudo com aquele olhar atento que sempre tinha. Depois, ele voltou a me encarar e repetiu, mais firme desta vez:
- Me desculpe, Gabriel. Me desculpem, vocês dois. Por tudo de ruim que eu fiz, e que não foi pouco...
O choque foi tão grande que eu mal consegui processar. Minha mente parecia um redemoinho, tentando juntar as peças de algo que parecia impossível. Roberto olhou de novo para Joaquim, e depois para mim, a expressão triste e cansada, como se estivesse carregando o peso do mundo.
- Eu só queria o melhor pra você, meu menino. Sempre quis. Mas eu... - Ele fez uma pausa, fechando os olhos por um momento. Quando os abriu novamente, havia lágrimas ali. - Eu estava tão preso na minha própria cabeça, na minha ideia de como as coisas deviam ser, que me esqueci de perguntar o que você queria. O que era melhor pra você.
Eu continuei em silêncio, o nó na minha garganta crescendo a cada palavra que ele dizia.
- Depois que vocês saíram da fazenda, eu processei o homem que fez aquele vídeo... e o demiti. Não podia deixar aquilo passar. Mas nada, nada no mundo foi pior do que perceber que eu quase matei meu próprio filho. Meu menino.
As lágrimas que eu vinha segurando começaram a escorrer, e eu não consegui mais conter o soluço que subiu pela minha garganta.
- Me desculpe por tudo. Por ter batido em você, por ter te xingado, por ter inventado essa ideia absurda de casamento... Eu só queria que você estivesse seguro, que tivesse um futuro. Mas eu sei agora... que eu errei.
Roberto olhou para Joaquim mais uma vez, avaliando-o com cuidado, mas dessa vez sem o peso da desconfiança que sempre carregava.
- Joaquim... - chamou, com um tom quase paternal.
Joaquim se aproximou devagar, como se não quisesse invadir o momento, mas Roberto fez um gesto para que ele viesse mais perto. Quando ele parou ao meu lado, Roberto segurou a mão dele com a mesma firmeza com que segurava a minha.
- Eu sei que você é um homem bom, íntegro. E, acima de tudo, eu sei que você ama o meu filho. Dá pra ver isso nos seus olhos e na forma como jogou tudo pra cima só pra proteger ele.
Joaquim engoliu em seco, os olhos marejados, mas não disse nada. Roberto olhou para nós dois, com uma expressão que era uma mistura de tristeza, arrependimento e... aceitação.
- Eu quero que vocês saibam que têm a minha bênção. Para o que quer que vocês decidam fazer juntos.
O ar parecia ter sido tirado da sala. Fiquei olhando para ele, completamente atordoado, enquanto as palavras iam se assentando em minha mente. Roberto estava nos abençoando. Nos aceitando.
Joaquim apertou minha mão, forte e reconfortante, como sempre fazia, e quando olhei para ele, havia um pequeno sorriso no canto de seus lábios. Um sorriso que dizia tudo.
Eu sabia que as feridas do passado não desapareceriam de uma hora para outra. Mas, naquele momento, algo dentro de mim se curou. Eu havia finalmente encontrado o meu caminho.

[...]

A terra vermelha de Goiás caía devagar sobre o caixão branco, misturando-se ao verde do gramado ao redor. Era um contraste bonito, quase poético, mas tudo que eu conseguia pensar era no som abafado da terra batendo na madeira polida. Joaquim estava ao meu lado, a mão firme segurando a minha, me ancorando àquele momento, me lembrando de respirar.
Passei as últimas duas semanas ao lado do meu pai. Assim que ele saiu do hospital, não havia mais esperança de cura, apenas tempo, e era isso que decidimos aproveitar. Viajamos juntos de jatinho até o nosso rancho no Araguaia. Ele parecia outro homem ali, longe da cidade, do trabalho e de tudo que o transformava no Roberto que eu conhecia tão bem - ou achava que conhecia. O rancho havia pertencido ao meu avô, era onde meu pai passava as férias na adolescência com os amigos, seu lugar favorito no mundo.
Passamos dias pescando no rio, falando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Joaquim e ele implicavam um com o outro, mas havia algo diferente. Meu pai ainda fazia aquelas piadas típicas dele, do tipo que só Roberto sabia fazer. "Não criei filho meu pra ficar por baixo, Gabriel," ele dizia com um sorriso no canto da boca, olhando para Joaquim de soslaio. Nunca fiquei tão vermelho na vida.
E Joaquim, que nunca deixa passar nada, respondia com a tranquilidade de sempre. "Então não devia ter me dado a bênção, seu Roberto."
No final, acabávamos rindo todos juntos, transformando o que antes seria uma briga numa piada sem maldade. Era leve, diferente. Pela primeira vez, parecia que estávamos convivendo como uma família.
Meu pai tentou me ensinar a pescar direito, e eu não aprendi nada. Joaquim fazia caldo de peixe para a janta quase todo dia, era a coisa mais deliciosa que eu já provei, e sentávamos os três para assistir futebol na televisão. Dois velhos santistas enjoados, contra eu palmeirense.
Mas o tempo passou rápido demais. Naquela última manhã, quando abri os olhos e não ouvi meu pai chamando ou reclamando do café fraco, eu soube. Meu peito apertou, e as lágrimas vieram antes mesmo de confirmar o que já estava claro. Joaquim tentou me segurar, mas eu já sabia. Fui até o quarto, e ele estava lá, sereno, como se tivesse apenas dormido um pouco mais.
Agora, diante do caixão, tudo parecia tão distante. As vozes ao redor, as pessoas dizendo coisas que eu nem tentava ouvir. Havia uma estranha serenidade dentro de mim, uma espécie de vazio confortável. Eu fiz tudo o que podia. E, mais do que isso, sabia que meu pai tinha partido em paz.
Olhei para a lápide, simples e bonita, exatamente como ele pediu. Joaquim a escolheu, e eu aprovei sem hesitar. A frase gravada nela era boba, mas, ao mesmo tempo, a coisa mais intensa que meu pai já disse sobre mim.

"Aqui jaz José Roberto Braga. Pai do Gabriel, e sogro do Joaquim."

Eu sorri, um sorriso pequeno e trêmulo, mas genuíno. Joaquim apertou minha mão, e eu me apoiei nele, permitindo que ele carregasse um pouco do peso. Porque, no fim, era isso. A vida continuava. E agora, ela era nossa.

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